Alexandre Arantes Pereira Skvirsky A Introdução Da Dúvida No Ceticismo No Renascimento Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUC-Rio como requesito parcial para obtenção do título de Doutor em Filosofia. Orientador: Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Rio de Janeiro Maio de 2015 Alexandre Arantes Pereira Skvirsky A Introdução da Dúvida no Ceticismo no Renascimento Tese apresentada como requesito parcial para a obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia do Centro de Teologia e Ciências Humans da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Orientador Departamento de Filosofia - PUC-Rio Prof. Rogério da Costa Soares Departamento de Filosofia, PUC-Rio Prof. Aldo Lopes Dinucci Departamento de Filosofia, UFS Prof. Rodrigo Pinto de Brito Departamento de Filosofia, UFS Prof. Cesar Kiraly Departamento de Filosofia, UFF Profa. Denise Berruezo Portinari Coordenadora Setorial do Centro de Teologia E Ciências Humanas - PUC-Rio Rio de Janeiro, 20 de Maio de 2015 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do orientador e do autor Alexandre Arantes Pereira Skvirsky Graduou-se em Filosofia na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), em 2004. Concluiu o curso de mestrado em Filosofia pela PUC-Rio em 2007. Cursou o doutorado na mesma instituição, onde obteve o título de doutor em Filosofia com a presente tese. Foi bolsista da CNPq durante o mestrado e o doutorado. Pesquisa na área de Epistemologia, Metafísica, Filosofia Moderna, Ceticismo Antigo e Moderno. Ficha Catalográfica Skvirsky, Alexandre Arantes Pereira A Introdução da Dúvida no Ceticismo no Renascimento / Alexandre Arantes Pereira Skvirsky ; orientador: Danilo Marcondes de Souza Filho. – 2015. 200 f. ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Filosofia, 2015. Inclui bibliografia 1. Filosofia – Teses. 2. Ceticismo. 3. Pirronismo. 4. Aporia. 5. Epoché. 6. Suspensão. 7. Dúvida. 8. Certeza. 9. CDD: 100 Cícero. 10. Sexto empírico. I. Souza Filho, Danilo Marcondes. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Filosofia. III. Título. À Beatriz Agradecimentos Ao meu orientador, Professor Doutor Danilo Marcondes de Souza Filho pela confiança e gentileza com que se prontificou a me orientar e que demonstrou para mim durante os períodos mais difíceis. É uma honra ter sido seu aluno e orientando; foram suas aulas durante o mestrado que me despertaram o profundo interesse pela filosofia cética e me provocaram para esta pesquisa. Aos professores que participaram da Comissão examinadora, pela disponibilidade e generosidade na leitura, correções, e críticas. Agradeço à Professora Doutora Ana Paula El-Jaick pela imensa dedicação em ler e revisar todo o trabalho. Ao Professor Doutor Luiz Eduardo de Oliveira Bicca, pelo apoio ao meu ingresso ao programa de pós-graduação da PUC-Rio, e o incentivo conferido desde os anos de graduação. À Capes e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter sido realizado. A todos os professores e funcionários do Departamento pelos ensinamentos e pela ajuda. À minha família por todo apoio. Ao ao meu filho pela paciência, ainda maior por não entender exatamente o que era esse trabalho que tanto me ocupava, e à Beatriz Piffer Machado, a quem dedico esta tese. Estar ao seu lado permite questionar, sem medo de se perder em sem sentido, o sentido de todas as coisas. Resumo Skvirsky, Alexandre Arantes Pereira; Souza Filho, Danilo Marcondes de (Orientador). A Introdução da Dúvida no Ceticismo no Renascimento. Rio de Janeiro, 2015. 200p. Tese de Doutorado - Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Sexto Empírico não fala de dúvida, e não faz uso deste conceito em sua clássica descrição do cético pirrônico. No entanto, desde a sua redescoberta na década de 1430 no contexto do humanismo florentino e até os dias atuais, o ceticismo é interpretado através da dúvida. Na presente tese, primeiramente mostramos que não há uma conexão direta entre o ceticismo pirrônico e o conceito de dúvida. Em seguida, analisamos alguns dos modos pelos quais a dúvida é introduzida no ceticismo, particularmente no período que vai do início do século XV ao final do século XVI, conhecido como ‘ceticismo renascentista’. Palavras-chave Ceticismo; Pirronismo; aporia; epoche; suspensão; dúvida; certeza; Cícero; Montaigne; Sexto Empírico. Abstract Skvirsky, Alexandre Arantes Pereira; Souza Filho, Danilo Marcondes de (Advisor). The Introduction of Doubt in Skepticism in the Renaissance. Rio de Janeiro, 2015. 200p. Ph.D Thesis - Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Sextus Empiricus does not speak of doubt, nor does he use this concept in his exposition of Pyrrhonian skepticism. However, since its rediscovery in the 1430s to the present day, skepticism has been interpreted through the concept of doubt. In the present thesis, we showed first that there is no explicit connection between Pyrrhonian skepticism and doubt. Then, we analyzed some ways through which the concept of doubt was introduced into skepticism, especially in the period from the beginning of the 15th to the end of the 16th century, known as Renaissance skepticism. Keywords Skepticism; Pyrrhonism; aporia; epoche; suspension; doubt; certainty; Cicero; Montaigne; Sextus Empiricus. Sumário 1. Introdução ......................................................................................... 9 2. A tradição cética antiga ................................................................... 21 2.1 Breve descrição do ceticismo pirrônico.........................................32 3. Dúvida e Ceticismo ......................................................................... 45 3.1 A gênese do cético ........................................................................ 46 3.2 Os significados da Dúvida ............................................................ 60 3.3 Dúvida vs. Ceticismo .................................................................... 70 4.O Desaparecimento e a Redescoberta do Ceticismo ..................... 87 5. A apropriação da dúvida pelo pensamento filosófico .................... 110 5.1 O uso filosófico da dúvida nos Academica de Cícero ................. 111 5.2 O pensamento escolástico .......................................................... 126 5.3 Os humanistas italianos .............................................................. 140 6. A introdução da dúvida no ceticismo ............................................ 151 6.1 As traduções latinas das fontes céticas ...................................... 152 6.2 A Reforma Protestante ................................................................ 156 6.3 Montaigne e a Apologia de Raymond Sebond ............................ 164 7. Conclusão ..................................................................................... 182 8. Bibliografia .................................................................................... 190 9 1 Introdução A despeito do crescente número de trabalhos, congressos e livros dedicados à tradição cética desde a década de 1980, ainda é frequente considerar-se o ceticismo uma “filosofia da dúvida”. Na verdade, a suposta sinonímia entre dúvida e ceticismo atualmente é dominante. Tanto no meio filosófico, quanto no uso da linguagem comum “dúvida” e “ceticismo” são tratados como equivalentes ou intercambiáveis. No entanto, não há uma relação direta entre ceticismo e o conceito de dúvida. Em suas origens gregas, o cético não é quem duvida ou que “coloca tudo em dúvida”. Na obra de Sexto Empírico (séc. II a.C.), a principal fonte textual sobre o ceticismo antigo, estão ausentes os termos gregos correspondentes ao conceito de dúvida (tais como distázo, endoiázo, diakrino, dentre outros). A dúvida não é utilizada por Sexto em sua descrição do ceticismo e seu procedimento investigativo. Para Sexto, o cético não é alguém que está em dúvida, ou que ‘lança dúvidas’ sobre a filosofia dogmática. Estas formulações não ocorrem nenhuma vez em suas obras. Benson Mates (1996, p.30) frisa este ponto: É um fato interessante, com importantes consequências filosóficas, que em sua narrativa sobre o pirronismo Sexto nunca fale sobre a dúvida. Não faltam verbos na língua grega para expressar tal condição (p.ex., endoiazó, distazó), mas ele nunca faz uso de nenhum deles. Em vez disso, para a atitude característica do pirrônico, Sexto utiliza os verbos aporó e améchanó, que significam “estar sem recursos” (to be at a loss).1 Sexto não fala de dúvida nem descreve o cético através de termos similares ou correspondentes à dúvida que lhe eram disponíveis. Distázo é um termo grego 1 Nas palavras de Paganini (2008), “Sexto nunca fala da dúvida no sentido próprio e moderno da palavra em sua exposição do ceticismo, ainda que a língua grega não careça de verbos para expressar este estado de espírito (tais como os verbos endoiázein, distázein: Platão faz uso desta última palavra sobretudo no Teeteto, nas Leis e no Sofista)”. 10 comum, equivalente à dúvida, porém, Sexto não o utiliza para descrever o cético. Distazó deriva de dis, assim como dubitare – o vocábulo latino que está na origem do termo nas línguas latinas modernas– deriva, através de dubius, de duo. O radical de ambas as palavras é o numeral dois, e possuem o mesmo sentido: estar entre duas alternativas, hesitar entre elas. A dúvida designa um estado em que pode se encontrar o pensamento; a situação frequente de ver-se entre duas ou mais alternativas, e hesitar entre elas – no entanto, não é este o estado em que se encontra o cético na descrição de Sexto. Embora a ausência dos termos gregos correspondentes à dúvida seja um fato textual na obra de Sexto, até mesmo especialistas consideram que o cético é aquele que duvida: ser cético e duvidar são frequentemente tratados como “atitudes” equivalentes. Este equívoco é acusado por Katya Vogt: Até mesmo especialistas sobre a Antiguidade às vezes falam como se a dúvida fosse obviamente um ingrediente do ceticismo. Observe o título de uma coleção de artigos da década de 1980: Dúvida e Dogmatismo: Estudos sobre a Filosofia Helenística, eds. Schofield, Burnyeat, e Barnes [...] às vezes usa o termo “dúvida” ao discutir sobre o ceticismo pirrônico, bem como “certeza”, o oposto da dúvida na filosofia moderna, igualmente ausente da discussão antiga como termo técnico2. Muitos exemplos poderiam ser fornecidos para este equívoco frequente, porém basta citar alguns estudiosos de prestígio do ceticismo e da filosofia antiga. Segundo Couissin (1983), “A epoche pirrônica é a atitude mental de não conferir nem negar o assentimento: é dúvida”. Couissin toma a epoche pirrônica e a “atitude mental” cética como equivalentes à noção de dúvida. Julia Annas e Jonathan Barnes entendem o ceticismo como a expressão de uma atitude dubitativa: “Os céticos são aqueles que duvidam: eles não creem nem descreem, não afirmam nem negam” (Annas & Barnes, 1985). No entanto, dúvida e ceticismo não são equivalentes: a atitude de não crer, nem descrer é propriamente cética, não uma atitude dubitativa. 2 Katja Maria Vogt. “Why Ancient Skeptics Don’t Doubt the Existence of the External World: Augustine and the Beginnings of Modern Skepticism”. In: Roman Reflections: Essays in Latin Philosophy, eds. Katharina Volk and Gareth Williams. No prelo.
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