ebook img

Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde Mental Infantojuvenil PDF

15 Pages·2017·0.5 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde Mental Infantojuvenil

Temas em Psicologia ISSN: 1413-389X [email protected] Sociedade Brasileira de Psicologia Brasil Dourado Souza Akahosi Fernandes, Amanda; Simões Matsukura, Thelma Adolescentes Inseridos em um CAPSi: Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde Mental Infantojuvenil Temas em Psicologia, vol. 24, núm. 3, 2016, pp. 977-990 Sociedade Brasileira de Psicologia Ribeirão Preto, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513754280011 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto ISSN 1413-389X Trends in Psychology / Temas em Psicologia – 2016, Vol. 24, nº 3, 977-990 DOI: 10.9788/TP2016.3-11 Adolescentes Inseridos em um CAPSi: Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde Mental Infantojuvenil Amanda Dourado Souza Akahosi Fernandes1 Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil Thelma Simões Matsukura Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil Resumo O objetivo do presente estudo foi identifi car o dia a dia de adolescentes em sofrimento psíquico inseri- dos em um Centro de Atenção Psicossocial infantojuvenil (CAPSi) e compreender os alcances e limites deste dispositivo de cuidado na saúde mental infantojuvenil. Trata-se de um estudo de caso qualitativo, que envolveu a metodologia de Inserção Ecológica, fundamentada na teoria Bioecológica do Desenvol- vimento Humano de Urie Bronfenbrenner. Participaram do estudo 13 adolescentes, com idades entre 12 a 18 anos, inseridos em um CAPSi de uma cidade de grande porte do estado de São Paulo. Os ins- trumentos utilizados para a coleta de dados foram o diário de campo e um formulário para identifi cação dos participantes. Para análise de dados do diário de campo, a pesquisadora realizou repetidas leituras e identifi cou extratos representativos da realidade observada, analisando-os descritiva e expressivamente. Foi possível identifi car que as atividades realizadas no CAPSi são consideradas potencializadoras dos processos de inclusão social e do estabelecimento de relações sociais dos adolescentes. Evidenciaram-se algumas barreiras que tangem à difi culdade no trabalho intersetorial. Discutiu-se a potência das ações, vivências e oportunidades presentes no CAPSi e, ao mesmo tempo, os limites e avanços necessários no processo de inserção social. Palavras-chave: Adolescente, saúde mental, serviços de saúde mental. Adolescents Treated in CPACA: Reach and Limitations of this Service for the Mental Health of Children and Adolescents Abstract The objective of the present study was to identify the day-by-day of adolescents in psychic suffering that attend a Center of Psychosocial Attention for Children and Adolescents (CAPSi) and to understand what the reach and limitations of this service are within the care and mental health treatment of children and adolescents. This is a qualitative case study, that involved the methodology of Ecological Insertion, grounded on the Bioecological Theory of Human Development by Urie Bronfenbrenner. Thirteen ado- lescents treated in a CAPSi of a large city from the State of São Paulo and aged between 12 and 18 years 1 Endereço para correspondência: Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Departamento de Terapia Ocupacional, Rodovia Washington Luís, km 235 - SP-310, Monjolinho, São Carlos, SP, Brasil 13565-905. Fone: (16) 3351-8756. E-mail: [email protected] e thelma@ ufscar.br. Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 978 Fernandes, A. D. S. A., Matsukura, T. S. old took part in the study. The instruments used for data collection were a diary and a form for the iden- tifi cation of participants. For the data analysis of the diary, the researcher read it repeatedly and identi- fi ed representative fractions of the reality observed, analysing them descriptively and expressively. We identifi ed that the activities in CAPSi are believed to enhance the processes of social inclusion and the establishment of social relations of adolescents. Some barriers that hinder intersectoral work have also been identifi ed. We discussed the power of actions, experiences and opportunities at the CAPSi, but also, the limitations and necessary advances in the process of social inclusion. Keywords: Adolescent, mental health, mental health services. Adolescentes Inserta en un CAPSI: Alcances y Límites de este Dispositivo en Mentales Salud Infantil y Juvenil Resumen El objetivo de este estudio fue conocer como es el cotidiano de los adolescentes en sufrimiento psíquico que frecuentan un Centro de Atención Psicosocial infantojuvenil (CAPSi) y comprender los alcances y límites del espacio de cuidado en la salud mental de estos jóvenes y niños. Es un estudio de caso cualita- tivo, que involucró la metodología de Inserción Ecológica, basada en la teoría Bioecológica del Desar- rollo Humano, de Urie Bronfenbrenner. Formaron parte del estudio 13 adolescentes, con edades entre 12 a 18 años, inseridos en un CAPSi de una ciudad grande del estado de São Paulo. Los instrumentos de recolecciónde datos han sido un diario de campo y un formulario de identifi cación de los participan- tes. Para analizar los datos del diario, la investigadora hizo repetidas lecturas e identifi có fragmentos representativos de la realidad observada, los analizó descriptiva y expresivamente. Se pudo identifi car que las actividades desarrolladas por el CAPSi son potenciadoras de los procesos inclusivos socialmente y de establecimiento de relaciones sociales de los adolescentes. Se encontraron evidencias de que hay algunas barreras que difi cultan el trabajo de colaboración intersectorial. Se discutió la potencialidad de las acciones, vivencias y oportunidades del CAPSi y, simultáneamente, los límites y avances necesarios para el proceso de inserción social. Palabras clave: Adolescentes, salud mental, servicios de salud mental. No campo da saúde mental, a assistência à pública de saúde mental dirigida a este segui- infância e adolescência foi marcada por estraté- mento (Ministério da Saúde, 2012). Observa- gias de segregação e permaneceu em segundo -se que, nesta nova fase de ampliação das redes plano, se comparada aos projetos referentes à de cuidado à saúde mental infantojuvenil e de assistência voltada a adultos (Guerra, 2003). A efetivação da nova política de saúde mental, os história das políticas destinadas aos direitos de Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) são crianças e adolescentes está envolta pelo contro- serviços estratégicos para agenciar e ampliar le do Estado sobre estes indivíduos e pela cons- as ações na área da saúde mental e as dos efei- trução de um modelo de assistência centrado na tos do uso de álcool e outras drogas. O serviço institucionalização, visando garantir a proteção deve ser uma porta aberta às demandas de saúde social (Ministério da Saúde, 2014). mental de seu território e deve identifi car popu- Em 2004, o Ministério da Saúde brasileiro, lações específi cas e vulneráveis que podem ser com apoio de diversos setores da sociedade, go- objeto de estratégias diferenciadas de cuidado vernamentais ou não, instituiu o Fórum de Saú- (Amstalden, Hoffmann, & Monteiro, 2010; Mi- de Mental Infantojuvenil, criado com a fi nali- nistério da Saúde, 2014). dade de construir, coletiva e intersetorialmente, Para a população infantojuvenil, existem os as bases, princípios e diretrizes de uma política Centros de Atenção Psicossocial Infantojuve- Adolescentes Inseridos em um CAPSi: Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde 979 Mental Infantojuvenil. nis (CAPSi), especializados no atendimento de nece como importante equipamento especializa- crianças e adolescentes com graves comprometi- do que compõe esta rede, sendo responsável por mentos psíquicos. São equipamentos necessários articular, além do cuidado clínico, os programas para dar resposta à demanda em saúde mental de reabilitação psicossocial. em municípios com mais de 150 mil habitantes Estudos envolvendo os CAPSi têm sido (Ministério da Saúde, 2011). realizados sob diferentes enfoques e a indicação A partir das iniciativas existentes para im- sobre a necessidade de aprofundar a compreensão plementação de uma política de saúde mental e o conhecimento envolvendo estes dispositivos é infantojuvenil, Delfi ni (2010) aponta que, no unanime entre os pesquisadores (Beltrame, 2010; CAPSi, é essencial o estabelecimento de parce- Delfi ni, Dombi-Barbosa, da Fonseca, Tavares, rias com toda a rede de saúde, além de setores & Reis, 2009; Falavina & Cerqueira, 2008; Ho- como educação, lazer e justiça social para que ffmann, Santos, & Mota, 2008; Oliveira, 2010). seja possível ampliar as possibilidades de êxito Em relação ao sofrimento psíquico na ado- no cuidado aos jovens. Apesar da proximidade lescência, alguns estudos nacionais têm busca- com os demais CAPS, há a necessidade de um do identifi car a prevalência de transtornos neste olhar diferenciado para esta população devido à grupo. O estudo de Paula et al. (2008) objetivou fase de desenvolvimento em que se encontram, analisar a prevalência e os fatores de risco e exigindo-se mais atenção no que se refere à in- proteção para problemas de saúde mental entre serção social em diversos ambientes, especial- adolescentes da sexta série de todas as escolas mente a escola (Delfi ni, 2010). públicas e privadas de uma cidade do interior do Mais recentemente, em 2011, o Ministério estado de São Paulo. Os resultados apontaram da Saúde institui por meio da portaria nº 3.088, que 12,5% apresentavam problemas de saúde a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que tem mental. como fi nalidade a criação, ampliação e articula- Compreende-se a relevância da atenção à ção de pontos de atenção à saúde para pessoas saúde mental neste período, à medida que in- em sofrimento psíquico ou transtorno mental e tervenções voltadas para esses indivíduos pode com necessidades decorrentes do uso de álcool ser fator decisivo e de extrema importância para e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de a vida adulta, visto que esta fase é um período Saúde. Aponta-se a importância da RAPS para a de desenvolvimento e de construção de projetos infância e adolescência uma vez que ela enfatiza (Mângia, Assumpção, Quinta, & Rufi no, 2003). o cuidado a grupos mais vulneráveis. É reconhecido que na adolescência algumas Em consonância com as diretrizes da RAPS, questões de saúde são intensifi cadas como, por em 2014, o Ministério da Saúde lançou o docu- exemplo, a depressão, surtos psicóticos, uso de mento intitulado Atenção Psicossocial a Crian- substâncias psicoativas, o que implica na rele- ças e Adolescentes no SUS [Sistema Único de vância de que o cuidado oferecido a esses in- Saúde]: Tecendo Redes para Garantir o Cuida- divíduos deve ser proposto diferentemente da- do. Este documento enfatiza a construção do cui- queles que se constroem para as crianças, que dado em saúde mental infantojuvenil fundamen- na maioria das vezes estão inseridas no mesmo tada em algumas diretrizes: reconhecimento da serviço (Taño, 2014). Entretanto, nas produções criança e adolescentes como sujeitos de direitos; e estudos do campo de saúde mental infantoju- acolhimento universal; encaminhamento impli- venil, ainda são poucos os trabalhos que fazem cado e corresponsável; construção permanente a distinção entre essas duas fases do desenvol- da rede e da intersetorialidade; trabalho no terri- vimento, o que pode expressar a difi culdade de tório; avaliação das demandas e construção com- se pensar, propor e realizar ações específi cas a partilhada das necessidades de saúde mental. esses indivíduos (Benetti, Ramires, Schneider, Desta forma, o CAPS, ainda que sob pers- Rodrigues, & Tremarin, 2007; Mângia et al., pectiva mais ampla e não centralizadora, perma- 2003; Santos, 2006). 980 Fernandes, A. D. S. A., Matsukura, T. S. Nesta direção, este estudo focaliza adoles- Participantes centes em sofrimento psíquico inseridos em um Para o presente estudo, participaram 13 ado- CAPSi, a partir da Teoria Bioecológica de Urie lescentes inseridos no CAPSi, com idades entre Bronfenbrenner, visto que esta viabiliza maior 12 e 18 anos, que tiveram acompanhamento di- compreensão sobre essa etapa do desenvolvi- reto da pesquisadora durante sua a inserção no mento, com a especifi cidade do sofrimento psí- serviço. Aponta-se, porém, que, durante a Inser- quico. Destaca-se que, de acordo com o Mode- ção Ecológica, diferentes atores vinculados ao lo Bioecológico do Desenvolvimento Humano, cotidiano desses adolescentes estiveram presen- diversos níveis de sistemas interagem de forma tes, como, por exemplo, os demais usuários do complexa e dinâmica e podem exercer infl uência serviço (crianças e adolescentes), familiares e sobre o desenvolvimento humano ao longo do profi ssionais. curso de vida (Bronfenbrenner, 1996). Assim, o Quanto aos critérios de seleção adotados Modelo propõe que o desenvolvimento seja es- para a composição da amostra, além da idade tudado por meio da interação sinérgica de quatro dos participantes – que deveria ser de no mínimo núcleos inter-relacionados: processo, pessoa, 12 e no máximo 18 anos, os adolescentes deve- contexto e o tempo (Dell’Aglio, 2011). riam estar inseridos no CAPSi há pelo menos três meses, não terem, como indicação de queixa Objetivos principal, o uso abusivo de substâncias psicoati- O objetivo do presente estudo foi identifi car vas e terem condições de compreender e manter o dia a dia de adolescentes em sofrimento psí- um diálogo, segundo avaliação dos profi ssionais quico inseridos em um CAPSi e compreender os do serviço. alcances e limites desse dispositivo de cuidado Na Tabela 1 a seguir apresentam-se as infor- na saúde mental infantojuvenil. mações referentes aos adolescentes participantes do estudo: Método Tabela 1 Caracterização dos Adolescentes da Pesquisa Trata-se de um estudo de caso qualitativo que utilizou a metodologia de Inserção Ecológica. Variável Classifi cação Participantes Masculino 8 Inserção Ecológica Sexo Feminino 5 A metodologia de Inserção Ecológica foi desenvolvida sobre as bases da Teoria Bioeco- 12 a 14 anos 7 lógica do Desenvolvimento Humano, proposta Idade 15 a 18 anos 6 por Urie Bronfenbrenner (Cecconello & Koller, 2003). Tal metodologia privilegia a inserção dos Sim 6 Frequenta pesquisadores no ambiente de pesquisa, com o a Escola Não 7 objetivo de estabelecer proximidade com o seu Fundamental 1 2 objeto de estudo e prevê a sistematização dos quatro núcleos propostos por Bronfenbrenner, Escolaridade Fundamental 2 8 sendo eles: processo, pessoa, contexto e tempo Ensino médio 3 (Paludo & Koller, 2011). Sim 7 Destaca-se que a base da investigação que Repetência escolar Não 6 adota a Inserção Ecológica ocorre a partir da interação recíproca, complexa e regular entre Mãe e irmãos 2 pesquisadores, participantes, objetos e símbolos Composição Pais e irmãos 5 presentes no contexto (Eschiletti-Prati, Couto, familiar Outros familiares 6 Moura, Poletto, & Koller, 2008). Adolescentes Inseridos em um CAPSi: Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde 981 Mental Infantojuvenil. Observa-se, a partir das informações apre- cólogos, terapeutas ocupacionais, educadores sentadas na Tabela 1, que a maioria dos partici- sociais, enfermeiros e assistente social. Havia pantes são meninos (8); 7 adolescentes possuem também profi ssionais ligados à administração e entre 12 e 14 anos e 6 adolescentes encontram-se manutenção da unidade, como auxiliares admi- na faixa etária entre 15 e 18 anos. nistrativos, motorista, pessoal de limpeza e se- Em relação à escolaridade a maioria cursa gurança. ou parou os estudos no Ensino Fundamental II. Dos 13 adolescentes, 7 não frequentam a escola, Instrumentos para Coleta de Dados 5 dos quais também informaram repetência. Formulário de Identifi cação. Foi utilizado Apenas 5 dos adolescentes moram com ambos um formulário de identifi cação para registro de pais, 2 moram com as mães e os demais residem dados pessoais e clínicos dos adolescentes, com- com os avós e/ou outros familiares. posto por 19 questões que buscaram caracterizar Além disso, outras informações clínicas fo- os participantes-foco. As informações registra- ram coletadas durante a inserção ecológica. A das no Formulário foram obtidas a partir dos ado- maioria dos adolescentes participantes deste es- lescentes, profi ssionais do serviço e prontuário. tudo apresentou problemas desde a infância (8) Diário de Campo. Foi utilizado um diário e apenas um, dos 4 jovens que tiveram o início de campo no qual foram feitos os registros sis- dos problemas na adolescência, não passou por temáticos dos dados obtidos durante a Inserção internação psiquiátrica. Quanto às modalidades Ecológica. No diário estão contidas descrições, de inserção no CAPSi, a minoria (4) se encontra trechos de fala dos participantes, impressões e na modalidade não intensiva. Em relação aos ti- sentimentos da pesquisadora. pos de atividades que os adolescentes participam O uso do diário de campo no procedimen- no CAPSi, 11 adolescentes frequentam mais que to de Inserção Ecológica, possibilita abordar uma atividade e o atendimento individual é ofe- de forma mais diretiva as categorias a serem recido para 10 dos 13 adolescentes. utilizadas tanto no momento descritivo quanto Em relação às queixas ou diagnóstico refl exivo. Assim, os registros no diário, orienta- identifi cado em prontuários ou relatados pela dos pela Teoria Bioecológica, retratam o olhar equipe, há referencias a quadros psicóticos/ do pesquisador sobre os pontos essenciais do esquizofrenia, isolamento e difi culdade de re- modelo, tais como as características e atributos lacionamento social, quadros depressivos, pen- dos participantes; os contextos dos quais parti- samento desorganizado, defi ciência mental, cipam; as atividades compartilhadas; os papéis problemas de comportamento, hiperatividade e desempenhados e o estabelecimento das rela- autismo. ções, perpassando por esses elementos o tempo, no qual as relações e as atividades passam a ser Contexto da Pesquisa: compreendidos (Afonso, Silva, Pontes, & Kol- CAPS Infantojuvenil ler, 2015). O estudo foi realizado em um serviço pú- Procedimentos blico de saúde mental destinado à clientela de crianças e adolescentes – CAPSi – localizado em Conforme a proposta de Inserção Ecológica, um município de grande porte do estado de São o processo foi previamente esclarecido, planeja- Paulo. do e combinado com o serviço, com os profi s- Havia um total de 1346 prontuários re- sionais, adolescentes e seus familiares e ocorreu gistrados até dezembro de 2012 e destes, 162 durante um período de cinco meses (entre de- usuários estavam em tratamento. Dos 162 zembro de 2012 e abril de 2013). usuários, 99 eram adolescentes, sendo 67 Anteriormente à coleta de dados, foram rea- meninos e 32 meninas. lizados contatos com o CAPSi explicando a pes- O CAPSi contava com uma equipe técnica quisa e identifi cando o melhor período para sua de 23 profi ssionais, composta por médicos, psi- realização. Conforme os objetivos da pesquisa 982 Fernandes, A. D. S. A., Matsukura, T. S. e o contexto de inserção, defi niu-se, juntamente notifi cados a respeito da saída da pesquisadora, com o serviço, que a entrada da pesquisadora no algumas despedidas nos grupos foram realizadas contexto se iniciaria no período de férias, para e, paulatinamente, a pesquisadora foi se retiran- que fosse possível começar a aproximação com do do campo. o ambiente, com os profi ssionais e alguns ado- lescentes que circulassem neste período. Os três Análise de Dados primeiros meses de inserção coincidiram com o Para a análise dos registros efetivados no período de festas e férias escolares e foi possí- diário de campo foi retomada a proposta meto- vel permanecer no serviço em torno de três ve- dológica de Inserção Ecológica, assim como os zes por semana para acompanhar as atividades objetivos do estudo. Desta forma, após leitura programadas para este período e realizar a apro- repetida de todo o conteúdo do diário, foram se- ximação com profi ssionais e usuários do centro, lecionados extratos que contemplassem tanto os por meio de conversas informais e da participa- objetivos como o referencial teórico e a metodo- ção da pesquisadora nas atividades. Desta forma, logia adotada. Estes extratos foram destacados e durante o período, atividades de culinária, ofi ci- colocados para apresentação dos resultados em nas e grupos foram acompanhados pela pesqui- forma de narrativa-descritiva. sadora e os contatos com os adolescentes foram Yin (1994) aponta que a análise de dados, se efetivando. advindos de estudos de caso, pode estar baseada Finalizadas as férias, foi possível aprofundar em proposições teóricas ou na descrição do caso. e/ou estabelecer novos vínculos com os adoles- Desta forma, os dados coletados durante a Inser- centes, famílias e profi ssionais, por meio da per- ção Ecológica no CAPSi presentes no diário de manência diária da pesquisadora no CAPSi du- campo foram analisados e apresentados descriti- rante todos os dias da semana, sete horas por dia. vamente, por meio de alguns extratos retirados No 4º mês de inserção, o convite para a par- do diário. ticipação dos adolescentes que respondiam aos critérios estabelecidos para o estudo foi forma- Resultados lizado e explicações sobre o mesmo foram apre- sentadas. A partir do interesse do adolescente, as Os resultados a seguir serão apresentados a respectivas famílias foram também formalmente partir de extratos retirados do diário de campo, contatadas. tendo como base os quatro núcleos propostos A cada dia e cada encontro no CAPSi e em pela Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner: outros contextos, realizava-se o registro no diá- processo, pessoa, contexto e o tempo. rio. Foram nos momentos de convivência e nos Processos Proximais – grupos que a relação entre pesquisadora e par- Os Adolescentes, as Atividades ticipantes se intensifi cou e o cotidiano de cada e o CAPSi adolescente emergiu. Observa-se que, apesar de muitos usuários do serviço não comporem Os processos proximais foram identifi ca- a amostra de participantes, todos fi zeram parte dos em diferentes momentos da Inserção Ecoló- deste processo, devido à metodologia adotada e gica, desde o engajamento da pesquisadora nas à inserção diária no campo. atividades oferecidas; na relação estabelecida A saída da pesquisadora do campo foi pre- entre os adolescentes: entre estes e os profi s- viamente combinada com o CAPSi. Desta forma, sionais; assim como em relação às atividades, quando se considerou que o período de inserção conforme verifi ca-se nos extratos do diário de havia permitido a compreensão da realidade in- campo a seguir: vestigada, a pesquisadora conversou com a equi- É muito rico observar quando os usuários pe, fez uma devolutiva do processo de inserção chegam ao CAPSi e logo correm para os e da pesquisa e iniciou a desvinculação com os braços do guarda, por exemplo, cumpri- usuários. Todos os usuários e familiares foram mentam, abraçam e passam o horário de Adolescentes Inseridos em um CAPSi: Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde 983 Mental Infantojuvenil. almoço conversando com ele. Assim como é Como fator imprescindível no processo de muito rico ver as crianças pedirem para as Inserção Ecológica, aponta-se que – por meio auxiliares de limpeza que façam um agrado, das vivências com os adolescentes, das con- como um bolo de aniversário, um docinho, versas informais e do compartilhamento de um um lanche fora de hora e depois agradecem mesmo espaço-tempo – foi possível apreender o com imenso carinho. É esse compartilhar dia a dia dos adolescentes e também fazer par- de afetos, momentos de trocas que tornam te dele. Foi essa relação que possibilitou que a esses profi ssionais parte da equipe e funda- pesquisadora adentrasse no contexto do CAPSi mentais para o CAPSi. e, consequentemente, fi zesse parte da dinâmica Observa-se no extrato acima o papel que es- do serviço. sas relações estabelecidas e construídas no dia a A maioria dos adolescentes foi muito recep- dia do CAPSi, entre os usuários e profi ssionais, tiva, se aproximaram de mim com seu jeito e a importância que elas possuem neste contexto. peculiar e, apesar das difi culdades, intera- Importa destacar que esses processos ocorrem giam. Com o tempo, a minha aproximação não só com os profi ssionais técnicos envolvidos com eles tornou-se grande, de forma que diretamente com o cuidado aos usuários, como fi cávamos juntos conversando, em outros também com os profi ssionais de apoio ao servi- ambientes, na convivência. ço, que, indiretamente, passam a fazer parte do Outro tipo de atividade que participei com contexto de vida desses sujeitos. os adolescentes foi em atendimentos indivi- Sobre a relação dos adolescentes com os duais. Em um determinado momento eu es- usuários, observou-se que, muitas vezes, estas tava na convivência brincando de bola com relações envolveram o companheirismo, o afeto, um adolescente e a psiquiatra o chamou e a compreensão. Da mesma forma, foi possível para sua primeira consulta. O adolescente observar a relação estabelecida entre os adoles- fi cou inseguro e disse à psiquiatra que só centes e as atividades propostas, a importância entraria na sala se eu pudesse estar junto. destas no cotidiano dos mesmos, no tratamento Prontamente ela disse que não havia pro- e nas tentativas de inclusão destes jovens em ou- blema algum da minha presença. Nós en- tros contextos externos ao CAPSi: tramos e a psiquiatra iniciou o atendimento. É interessante observar a dinâmica do grupo Núcleo Pessoa – Os Adolescentes de esporte, pois diferentes processos acon- Inseridos no CAPSi tecem. L é um dos primeiros a ser escolhido no time e durante o jogo é possível observar A inserção da pesquisadora permitiu co- maior interação dele com os usuários, pois, nhecer cada adolescente, suas individualidades, quando faz gols, além de sorrir e comemo- potencialidades, características, desejos e planos rar timidamente, os outros correm para futuros. Por meio desse reconhecimento, foi pos- cumprimentá-lo, abraçá-lo e ele discreta- sível compreender, sobre os processos internos, mente retribui. Além do L, temos o K, uma o sofrimento psíquico e a sua relação com o dia criança que se angustia e fi ca extremamen- a dia dos adolescentes. te nervosa quando está perdendo. Em seus “Conversando com alguns adolescentes momentos de nervosismo, há um processo sobre suas qualidades, um deles, com todo o dos membros do seu time de acalmá-lo, de comprometimento revelou – ‘Tudo é porcaria explicar o que aconteceu e compreender as isso daqui’ [se referindo a ele mesmo]. Já ou- angústias dele. Em alguns momentos em tro jovem, apontou como qualidade o fato de ser que ele se irritou muito, o jogo foi parali- amoroso”. sado e realizou-se uma roda de conversa. Em diversas ocasiões, os adolescentes, fa- Nessa roda alguns combinados foram rea- miliares e profi ssionais falaram sobre as difi cul- fi rmados e no próximo encontro tudo acon- dades dos usuários de estarem inseridos em ou- teceu bem, de acordo com os combinados. tros contextos, a difi culdade de fazerem amigos 984 Fernandes, A. D. S. A., Matsukura, T. S. e em que aspectos a doença mental mudou em na escola, jogava um monte de cadeira, só suas vidas. ouvia barulho... agora eu só jogo às vezes Em um momento de conversa na convivên- quando eu fi co muito nervoso. Fica tudo no cia uma das adolescentes afi rma o desejo chão as cadeiras”. de poder sair, passear, porém há alguns Já sobre o microssistema do CAPSi, veri- impeditivos, como o fato dos pais não per- fi cou-se que a maioria dos adolescentes perma- mitirem por achar que ela não fi cará bem necem vários dias da semana neste contexto, ou por não confi arem nela. A adolescente ainda que fosse esperado e desejado que ou- relatou que é muito difícil ir à casa de ami- tros microssitemas pudessem ser acessados por gas, ou passear no campo, sendo que tem eles, como pode ser verifi cado nos extratos a ocasiões que não aguenta e acaba fugindo. seguir. “O adolescente relatou que é o pai que leva Núcleo Contexto – CAPSi, Família pro CAPS todos os dias, depois fi ca até cinco ho- e Escola ras. Ele fi ca fazendo algumas coisas, brincando, cantando... Às vezes ele fi ca sozinho sem fazer Quanto ao núcleo contexto, a pesquisadora nada, escutando música, ou assistindo TV...” pôde conhecer não só o contexto do CAPSi onde “. . . Outro aponta que, quando não está no esteve inserida diariamente, como também o CAPSi, fi ca em casa, e dorme o dia inteiro, só contexto familiar e escolar, por meio dos relatos dorme”. dos adolescentes e da própria família. Sobre a avaliação dos técnicos, acerca do Ressalta-se que muitas limitações no con- alcance e limites das ações de cuidado e atenção texto familiar surgiram, como, por exemplo, as oferecidas pelos dispositivos de atenção à saúde difi culdades familiares, as fragmentações e os mental infantojuvenil, encontram-se, a seguir, as confl itos. considerações apresentadas à pesquisadora du- Quanto ao contexto familiar de um dos ado- rante as conversas no campo. lescentes participantes, o técnico da equipe re- . . . [eu acho que] responde com todas as lata que os membros da família não compreen- difi culdades e limitações, mas eu acho que dem o que ele tem, do que ele sofre, então muitas o CAPSi procura e desenvolve hoje pro- vezes acham que tem que dar um tapa, pôr de castigo e isso acaba isolando cada dia mais o jetos terapêuticos dentro da unidade em adolescente da família. consonância com as diretrizes da política Na escola, os relatos expressam as difi cul- macro. É aquilo, ela está muito bonita no dades de aprendizagem, de inclusão e de rela- papel, mas a gente tem muito aqui no dia a ções sociais, como ilustram os trechos do diário dia, no cotidiano, a gente esbarra às vezes de campo, a seguir. com uma série de limitações, seja material, Quanto ao contexto escolar, o técnico da transporte, conciliar atendimento, clínica, equipe afi rma ser bem prejudicado para o o tratamento, com outras atribuições, como adolescente A. Por ser um menino muito matriciar lá fora. Então eu acho que a gente passivo sempre teve muita difi culdade na está caminhando nisso, mas eu acredito que escola, de relação mesmo com outros me- a gente faça a política, com muitas limita- ninos... então ele não frequenta escola, não ções do município em se adequar. consegue frequentar, justamente pela ques- O CAPSi é um importante recurso para tão de estar em grupo, das relações sociais, tratamento dos usuários, apesar de muitas das exigências, ele tem muita vontade de vezes se ver limitado por barreiras, sejam aprender, mas não consegue estar em um estas institucionais ou de outra natureza grupo escolar tradicional. Além disso, o relato dos usuários é que Em uma conversa sobre a escola, “F” me o CAPSi tem ajudado na melhora dos contou sobre sua experiência: “Eu faço bes- sintomas, na inclusão social, e como teira, de primeiro eu jogava cadeira, mesa importante fonte de suporte social. Adolescentes Inseridos em um CAPSi: Alcances e Limites deste Dispositivo na Saúde 985 Mental Infantojuvenil. Núcleo Tempo- Perspectivas Futuras Quanto ao mesotempo, foi possível conhe- cer e analisar as mudanças e transformações Por fi m, o núcleo tempo. O tempo permite em dias e semanas, como a chegada de novos examinar a infl uência sobre o desenvolvimento usuários, a inserção de alguns nas atividades, os humano de mudanças e continuidades que ocor- relatos de melhora, assim como a piora com as rem ao longo do ciclo de vida. Este elemento é consequentes internações. analisado em três níveis – micro, meso e macro- Pude também acompanhar a internação de tempo. dois adolescentes. Antes das internações Durante a inserção de cinco meses no servi- me recordo dos momentos em que eles ço, a pesquisadora pôde acompanhar mudanças, estavam bem, participando de diferentes transformações e continuidades, assim como co- atividades, até que em algumas semanas nhecer um pouco de cada um e suas historias de as vozes começaram a surgir, os delírios vida. persecutórios sempre presentes e com Durante o tempo que passava na convi- isso o distanciamento da realidade, as vência, tive muito contato com os pais e difi culdades de se relacionar, interagir e avós dos usuários. Uns liam revistas, ou- estar presente nas atividades. Em uma das tros tricotavam, outros conversavam o internações estive presente até o momento tempo todo, “trocando fi gurinhas”. Assim, em que o adolescente entrou na van, pude conhecer suas vidas, seus cotidia- acreditando que ia dar um passeio... Pouco nos, difi culdades, suas histórias. Muitas mais de uma semana ele retornou ao CAPSi historias são marcadas por sofrimento e apesar do comportamento menos agitado familiar, como drogas, confl itos, abandono, e a consciência de que tivera uma crise, prostituição, doenças e, outras, mesmo com alguns delírios permaneciam. as difi culdades, há a esperança, a confi ança O macrotempo esteve presente nos relatos e a fé de um futuro melhor. referentes às perspectivas e planos para o futuro, Em relação ao microtempo, foi possível o desejo da profi ssionalização, casamento, analisar a continuidade e descontinuidade, constituição de família, assim, como a historia observadas dentro dos pequenos episódios dos intergeracional das famílias, permeada nos processos proximais por meio da interação entre relatos dos profi ssionais e familiares. os usuários, serviço e profi ssionais, conforme A relação da família é bem delicada. Me relatado no diário de campo: recordo um pouco sobre a história e alguns Contando um pouco sobre a relação com fatos onde o padrasto tentou matar essa a família, a adolescente C, relata ter uma irmã, teve um surto, achando que tinha boa relação com a mãe – “Quando a minha que sacrifi car aquela criança para adorar mãe vai lá, a gente brinca, vai visita minha a Deus, uma família muito estranha, com tia, sai, conversa, passeia, a gente vai histórias muito complicadas. A história da no shopping, vai no bosque, na casa dos mãe dele também afeta muito a família, ele parentes e amigos”. é meio que tachado pela história da vida da Em outro momento de conversa com as mãe dele, isso eu acho que é bem difícil. famílias, uma delas relatou que a relação com o adolescente varia entre amor e ódio, Discussão de forma que quando estão de acordo tudo fi ca tranquilo, e quando não eles brigam. Observa-se que através da metodologia de Ultimamente o familiar relata não estar se Inserção Ecológica foi possível conhecer com entendendo com o adolescente, porém de profundidade o dia a dia dos adolescentes inseri- acordo com o mesmo de 1 a 100 é 20%... dos no CAPSi, assim como os diferentes contex- que ele é assim violento, de bater boca, de tos nos quais estes adolescentes estão inseridos agressão física. como a escola, o CAPSi e a família.

Description:
Adolescentes Inseridos em um CAPSi: Alcances e Limites de Atenção Psicossocial infantojuvenil (CAPSi) e compreender os alcances e limites.
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.