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Albert Einstein (Biografia) PDF

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Para Sacha e Jossua Uma bússola? Ele guardava dos dias de antigamente lembranças intactas. Cada um dos fatos era consignado no seu lugar. Sua memória identificava o mais insignificante dos gestos. A travessia da Itália de trem, adolescente, as declarações estrondosas que os jornais publicavam nas manchetes, os passeios solitários pelas ruas de Praga, as multidões exultantes na 42nd Street, seus livros sendo queimados na Praça da Ópera em Berlim, cada imagem, cada segundo era cuidadosamente registrado em sua mente. Os instantes do passado eram quase palpáveis. Bastava viajar em pensamento, como ele sempre gostara de fazer. Os entes queridos falecidos retomavam suas atitudes cordiais. Sábios por trás de púlpitos formulavam discursos. Apologias e sermões eram proferidos. Tropas pisavam no calçamento com passo de ganso. Ele se contentava em escutar. Os inimigos de antigamente, os amigos de sempre recuperavam a voz. O murmúrio do mundo desaparecido chegava expirando. O passado voltava à superfície do dia, devolvia-lhe a claridade de outros tempos. Contudo, desse mundo de ontem nada mais subsistia. Dos seres que ele prezara, dos que o amaram, não restavam senão sombras atravessando um campo de ruínas. Quem havia sobrevivido? Ele passeava o olhar à própria volta. Sentia-se o sobrevivente de longínquos abismos. Felizmente, sua memória permanecia um lugar mágico. Ela retraçava os caminhos que levam à infância. Sua mente passeava por lá à vontade. Eis os únicos passeios que os médicos lhe concedem: uma simples volta pelo santuário e as horas de antigamente que gravitavam em torno dele. Ele tornava a sentir a embriaguez de seus dias antigos. As explosões de riso de sua irmã Maja na casa de Munique nos tempos felizes. Os desfiles sob os gritos de entusiasmo em Manhattan, os aplausos nos bancos da Academia de Berlim. As árias das sonatas que sua mãe dedilhava ao piano em Pávia. As travessias dos mundos, as transposições dos oceanos, o estrondo das guerras, os vales de lágrimas, as explosões de riso, os discursos honoríficos, as arengas rancorosas e tantas outras coisas que ainda volteavam em seu espírito. Porém, naquele dia da primavera de 1955, a ronda dos dias antigos não dava mais voltas como de hábito. Os ecos dos risos da infância, o tumulto dos combates da idade adulta, a sinfonia das incontáveis alegrias voltavam-lhe por batimentos surdos. Ele procurava a lembrança de algum clarão passado. Só lhe chegava a pálida claridade do dia declinante que atravessava a janela do quarto, vinda do parque de Princeton. Uma luz que havia perdido o brilho costumeiro. Alguma coisa encobria-se para ele. As lembranças imobilizavam-se. Os contornos dos corpos, o arredondado das figuras, as imagens dos dias passados tornavam-se fluidos. Mesmo as sombras alongavam-se. Ele levou o olhar para o relógio da parede. O tempo não avançava mais. Teria perdido a razão? Tinha necessidade de repouso. Sua carta de apoio a Oppenheimer tinha-o deixado à beira do esgotamento. Combate excessivo? As forças o abandonavam. Como deixar Robert sozinho diante das abominações lançadas pelo FBI? E se na tormenta ele só tivesse os amigos? Ele também era um alvo. As insinuações divulgadas por Hoover a seu respeito lhe pesavam. Com palavras veladas, acusavam-no de ser um traidor. Traidor da América! Como ousavam? Acusavam-no de entendimento com o inimigo. Einstein, um agente soviético? Um quarto de século antes, a Gestapo colocara sua cabeça a prêmio! E hoje, no país da Liberdade, passados 75 anos, acusavam-no ainda. Precisava se defender. Nos mais altos escalões do Estado, viam-no como um opositor a ser afastado! Oh, claro, sua vida não estava mais em risco – apenas sua honra, seu trabalho ou o exílio. Os tempos haviam mudado. Não se impunha mais o uso da estrela amarela. Ninguém mais era conduzido ao abatedouro. O vermelho era doravante a marca da infâmia. A perseguição aos judeus tinha dado lugar à caça às bruxas. Sua explosão de riso exibida nas primeiras páginas dos jornais não era senão um fogo de palha. Ele jamais teria direito à paz. De Goebbels a Hoover. A peste marrom[1] e o cólera. Sentia-se mal desde a véspera. A lâmina de um sabre estava em vias de lhe transpassar o estômago. Essa dor na barriga era a causa de seus humores negros? O mal lhe escavava o intestino. Esvaziaria também sua mente? Recomendavam- lhe insistentemente consultar médicos. Perder tempo na sala de espera de um médico! A urgência? O manifesto de Russell conclamando o mundo a renunciar ao armamento nuclear! O perigo vinha daí, não dos sobressaltos de sua barriga. Teve forças para se levantar. Cruzou com seu rosto no espelho do quarto. Um velho de aparência hirsuta. Forçou-se a sorrir. A dor o atormentava. Caminhou até a janela. As cerejeiras do jardim do instituto estavam em flor. No dia seguinte ele se permitiria dar um passeio. Ao diabo as advertências dos médicos! Voltou para o escritório. Recuperar a calma e a razão. Sentar-se. Retomar a redação do seu “Manifesto por um governo mundial”. Reiterar sua oposição às pesquisas sobre a bomba H. Assinar o manifesto de Russell. Caneta-tinteiro e papel. Ao passear o olhar à própria volta, deu com uma bússola colocada sobre o gaveteiro, no meio de outras coisas. Uma bússola? Quem lhe teria dado aquilo? O objeto devia estar largado ali há muitos anos. Levantou-se um pouco intrigado. Não, era apenas um relógio parado. Decididamente, ele estava perdendo o juízo. Reviu a bússola em pensamento. De repente, como atraído perdendo o juízo. Reviu a bússola em pensamento. De repente, como atraído pelo magnetismo do objeto, tudo irrompeu em sua memória. A imagem do pai dando-lhe o instrumento, o maravilhamento suscitado pelo presente. O movimento da agulha aguçara sua curiosidade durante meses. Naquela noite, ela o orientou no caminho de seu passado. [1] Apelido dado durante a Segunda Guerra Mundial ao nazismo, por analogia à cor das camisas dos oficiais alemães. (N.T.) O big bang Ulm, 1879: uma pequena cidade medieval do Wurtemberg, uma velha cidade alemã, pousada sobre a margem esquerda do Danúbio, perdida no meio dos Alpes Suábios. Ulm, longe, muito longe de Berlim e da Prússia à qual foi anexada tardiamente. Berlim, a capital; Berlim, a autoritária; Berlim, a prussiana, de que Ulm se sente, quer ser, distante e diferente. Em Ulm, a vida corre plácida e calma. O horizonte fecha-se com uma ligeira bruma. De madrugada, o viajante que vem de Stuttgart, de Munique, de Strasburgo, afasta-se das margens do Danúbio. Deixa atrás de si as montanhas do Tirol, as pradarias da Baviera. Vê elevar-se a ponta de uma catedral gótica. Entrevê os muros da fortaleza cercando o centro velho. Ao mesmo tempo em que o viajante se aproxima, um clima de animação se eleva junto com o sol ao longe. Ao penetrar na cidade, vê o velho bairro dos pescadores se agitar. Os curtidores de couro abrem seus estabelecimentos nas casas de cumeeira alta, de tetos pontudos. A água corre abundantemente nas numerosas fontes da cidade. Nas casas com pombal, os artesãos estão atarefados. Tece-se. Fabricam-se cachimbos. Um orgulho local, os cachimbos são desenhados, elaborados. Exportam-nos para toda a Europa. A maior parte dos habitantes se comunica usando o dialeto de sotaque suave falado pelos antigos. “É cheio de gratidão que eu penso em Ulm, Ulm evoca ao mesmo tempo uma alta tradição artística e um caráter simples e equilibrado.” 1[1] A cidade vive por procuração, como à sombra de uma glória passada. Seu único feito militar? Continua pouco valorizado aos olhos dos prussianos. Ter sido o campo de batalha de uma das primeiras vitórias napoleônicas, uma vitória fundamental sobre as tropas austríacas. O nome de uma vitória inimiga! Na aurora da primavera de 1879, os canhões calaram-se há décadas. Os soldados franceses foram embora da cidade. De tempos em tempos, um contingente do exército prussiano vem desfilar pelo calçamento e lembrar a vitória sobre o invasor. Bismarck lavou a afronta. Bismarck derrotou o exército de Napoleão, o Pequeno. A Prússia não teme mais o inimigo hereditário. Desde 1871, um poderoso Império Alemão ergueu-se sobre as migalhas do Antigo Regime. Um novo Reich em marcha, o segundo. Uma nova Germânia está sendo construída. A força, a vontade, a submissão à autoridade constituem suas regras, editadas por Bismarck. O ódio da França também. O primeiro chanceler amordaçou qualquer oposição, esmagou as veleidades contestatórias dos democratas-cristãos, os sonhos de revolução dos socialistas. A Prússia comanda a Germânia nova. Um Império estende-se dos confins da Polônia aos da Áustria. Mas a Suábia pretende ficar longe do domínio berlinense. Qualquer vontade de hegemonia, qualquer ideia de revanche lhe é estranha. Os meandros e a força do Danúbio bastam para satisfazer seu ideal de poder e de beleza. 14 de março de 1879. Bahnhofstrasse, 135.[2] Eis onde tudo começou. Conhece-se desse tempo somente o que a história familiar relatou. A surpresa quando ele saiu do ventre materno. Seu crânio tinha um aspecto tão anguloso que a própria mãe ficou impressionada. “Esse crânio tão grande, não é grave doutor? Nosso pequeno Albert não é... anormal?”2 O médico mostrou-se tranquilizador. Já era o começo da lenda. A família tem de deixar a cidade um ano mais tarde por razões financeiras e instalar-se em Munique, onde encontrará trabalho. Nenhuma outra lembrança de Ulm permanece ancorada em seu espírito. Nenhum instante de alegria vem despertar a nostalgia da casa natal. Contudo, a mera evocação dessa cidade provoca um encanto. Dessa região sem real atrativo, centrada em si mesma, vem-lhe talvez seu gosto pelas fugas solitárias, pela força que o anima e o fará manter-se de pé em meio às múltiplas tempestades. O desprezo pelo brilho falso, a desenvoltura, a displicência na maneira de trajar talvez tenham raiz na simplicidade dos lugares, na modéstia dos seres da sua Suábia natal. Mas, sobretudo, a musicalidade do sotaque suábio, mistura de dialeto camponês e alemão literário, o acompanhará durante a maior parte de seus dias. É a língua que continuará sendo falada até os últimos instantes por Elsa Einstein, sua segunda esposa, aquela que provavelmente foi a mulher mais importante de sua existência. Aquela que viveu com ele a glória e a refutação e, por causa dele, a vergonha e o embuste. Elsa, esposa e prima. Aquela que o chamará incansavelmente, até os dias de Princeton, de “Albertle”, da mesma maneira que, fiel ao sotaque de sua região de origem, ela terminava as palavras acrescentando um “le” impregnado de doçura. Sim, a voz de Elsa permanecerá como o eco permanente desse passado perdido. Um murmúrio doce e suave, parecido com a onda calma da água nas margens do Danúbio. A fonte de seus dias. No decorrer das décadas, cada palavra emitida pela boca da mulher da sua vida lembrará ao homem em perpétuo movimento, em exílio permanente, o lugar de onde ele veio. Até 1936, Elsa Einstein será a testemunha constante, a recusa do esquecimento. O canto de um mundo desaparecido. Hermann e Pauline Einstein instalaram-se em Ulm pouco tempo depois de seu casamento. Na parte sudoeste da Alemanha, a região da Suábia, muito próxima da Alsácia e da Suíça. A calma daquela pequena aldeia tinha-os seduzido. Os muros da fortaleza inspiravam um sentimento de apaziguamento. O que poderia acontecer por trás das muralhas? Hermann e Pauline haviam ido para lá na esperança de levar uma vida calma, garantir o dia a dia, fundar um lar. Enraizar-se numa cidadezinha como tinham feito antes deles, entre a Áustria e a Alemanha, seus pais e seus avós. Eles aspiravam antes de tudo a uma vida tranquila, passeios na natureza, prazeres da leitura e da música. Aqui, como seus pais, eles não notavam nenhum sentimento de hostilidade em relação às pessoas da sua religião. Eles eram judeus, e daí? Em 1869, os decretos de “emancipação” haviam sido promulgados. Os Einstein eram alemães como os outros. Há somente dez anos, é certo, mas para a eternidade. Nos campos, as comunidades judias viviam em perfeita harmonia com os camponeses e a pequena burguesia. Do judaísmo, tinham conservado apenas as virtudes da tradição. Essa preocupação um pouco irracional, mas bem presa à alma, de transmitir uma herança da História. Nada de ortodoxo, nada de obrigatório, nenhum aparato excessivamente visível. Não eram judeus da Galícia. Não viviam em guetos. Pauline e Hermann liam a Bíblia, comemoravam algumas festas, respeitavam, sem chegar ao dogma, as injunções do Senhor. À imagem de seus correligionários, tentavam unir amor à pátria e religiosidade. A ideia era, sem renegar nada de si, fundir-se na nação alemã, fazer parte do segundo Reich. À noite, Hermann lia Heine, às vezes Schiller, enquanto Pauline tocava a Patética. Pauline adorava Beethoven, particularmente as sonatas. Toda sexta- feira, em conformidade com a Lei, como antes dela seus ancestrais, Pauline Koch acendia velas antes do cair da noite. Estendia as mãos trêmulas de devoção para a luz. Seus lábios murmuravam preces voltadas para o céu. Suas preces, o Eterno escutaria. Em sua grande mansuetude, Ele concederia décadas de saúde e felicidade aos Einstein e velaria por seus próximos. Essa herança familiar, feita de respeito e abertura para o mundo, o filho Einstein formulará assim: O judaísmo não é uma fé. O Deus judeu significa uma recusa da superstição e uma substituição imaginária desse desaparecimento [...]. Não se exige nenhuma crença do judeu, mas sim um respeito pela vida no sentido suprapessoal [...]. O respeito excessivo à letra esconde uma pura doutrina [...]. Mas existe um outro valor na tradição judaica que se revela magnificamente em numerosos salmos. Uma espécie de alegria embriagadora, um maravilhamento diante da beleza e da majestade do mundo.3 Do clarão de êxtase que atravessava os olhos da mãe na hora do crepúsculo do Shabat, ele enxergava o reflexo na luz das velas acesas, numa mistura de graça e solenidade. Se, naquele instante, prestasse atenção ao olhar do pai, Albert entreveria sobretudo a marca do ceticismo. Mais do que uma presença divina a cujo respeito ele se mostrava descrente, Hermann via principalmente se acenderem as luzes do próximo século. Hermann Einstein sonhava em vender dínamos elétricos, dínamos que ele fabricaria em sua pequena empresa junto com o irmão Jakob. A Alemanha inteira, a Europa, o mundo entrava na era industrial, a era da eletricidade. Hermann estaria nessa revolução tecnológica. Ele iluminaria as ruas de sua cidade. Hermann sonhava em iluminar a Europa inteira. O pai de Albert nascera em 1847, num vilarejo dos Alpes, próximo de Ulm. Adolescente, como mostrasse alguma disposição para as matemáticas, seus pais tinham-no enviado para um ginásio de Stuttgart. Por falta de dinheiro, não puderam pagar-lhe estudos de engenharia na universidade. Foi obrigado a começar a trabalhar. Ele se casou, um pouco tarde para a época, com quase trinta anos. Sua mulher, Pauline Koch, tinha onze anos a menos do que ele. Pauline era originária de uma família mais abastada, vinda da região do Wurtemberg, que fizera fortuna no tempo da corte real. Mas Hermann tinha seu orgulho. Não iria viver às custas da família dos sogros! Em Ulm, Hermann esperava trabalhar, abrir uma fábrica. Montar sua pequena empresa. Conseguir o sustento da família. Hermann tinha gostos muito simples, que Albert provavelmente herdou. Ele apreciava os longos passeios em família pelas florestas, os passeios no lago. Gostava de boa comida; a cozinha suábia, tão rica, convinha-lhe às maravilhas. Também adorava ler. Heine, orgulho dos seus, um judeu que ultrapassava os poetas alemães, e Schiller, evidentemente. Queria filhos. Fundar uma família. Não muito numerosa. Não era mais hora de um monte de fedelhos. Dois filhos, talvez três se Pauline insistisse. Duas crianças, sendo um menino, é claro. Ele pensa em Ulm, que não conheceu. A escolha dessa cidade contém um tesouro. Eis o símbolo da vida com que sonhavam seus genitores. Ele passou longas horas escutando a mãe lhe contar como haviam chegado ali, ela e Hermann. O relato do caminho percorrido por seus pais até Ulm, onde haviam largado as malas, o encantava. Adulto, ele atravessará o mundo, conhecerá os faustos das capitais, o formigueiro das cidades, jamais escolherá realmente o lugar onde estabelecer seus dias, deixará sempre a História decidir em seu lugar, mas permanecerá para sempre intrigado, fascinado pela escolha de seus pais. Sem a marcha da História, teria passado sua

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