Açúcar: Uma Sociologia Do Doce, Com Receitas De Bolos E Doces Do Nordeste Do Brasil Gilberto Freyre Numeração das páginas do livro impresso: rodapé, 280 pp. Nota: as ilustrações constantes da edição impressa não integram esta edição digital. Contracapa do livro impresso: Em seu Manifesto regionalista (1926), Gilberto Freyre chamava antecipadoramente a atenção para a estética e as tradições regionais de doces e bolos. Em Casa-grande & senzala (1933), explicitou a importância das influências portuguesa, indígena e africana, para a formação dessa nossa culinária. Em Açúcar (1939), finalmente, completa sua obra nesse campo, recolhendo e valorizando receitas regionais que 'se mantiveram em segredo pelas mulheres' como tesouros preciosos. Passados de mãe para filha, secularmente. Doces de pedigree - que têm história. Que 'têm passado'. Porque numa 'velha receita de doce ou de bolo há uma vida, uma constância, uma capacidade de vir vencendo o tempo sem vir transigindo com as modas'." - Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti, 2007 Abas do livro impresso: Em artigo publicado em 14 de outubro de 1923 no Diário de Pernambuco, Gilberto Freyre demonstrava sua preocupação com a preservação das tradições culinárias de sua região. Na ocasião, alertava para a decadência dos traços locais nos cafés do Recife que, segundo ele, se encontravam sob forte influência estrangeira. Num exercício de imaginação, Freyre discorria sobre como seria um café tipicamente brasileiro, com "quitutes e doces, ingenuamente enfeitados com flores de papel recortado, anunciando uma culinária e uma confeitaria que constituem talvez a única arte que verdadeiramente nos honra". No Manifesto regionalista, Freyre continuava a demonstrar seu zelo pela conservação dos saberes e técnicas culinárias nordestinas, ao afirmar que não somente o arroz doce, mas "todos os pratos tradicionais e regionais do Nordeste estão sob ameaça de desaparecer, vencidos pelos estrangeiros e pelos do Rio". Em Açúcar, cuja primeira edição data de 1939, o autor aborda o tema com primor e erudição. Trata-se de estudo que descreve a cozinha do Nordeste brasileiro de maneira instigante. Como verdadeiro gourmet, Freyre presenteia o leitor com receitas de bolos, doces e sorvetes que estiveram presentes nas principais mesas e tabuleiros nordestinos. Como intérprete da formação brasileira, apresenta a arte da doçaria nacional como sendo um fenômeno de cultura, pontuando as marcas lusitanas, ameríndias e africanas que a compuseram e revelando as interpenetrações entre essas marcas. Como grande escritor, compõe um livro para ser degustado com os olhos. - Gustavo Henrique Tuna Gilberto Freyre nasceu no Recife, Pernambuco, em 1900, e morreu em 1987. Estudou nos Estados Unidos, onde se formou bacharel em Artes Liberais na Universidade de Baylor, Texas, em 1920, e Master of Arts na Universidade de Columbia, Nova York, em 1922. Autor de Casa-grande & senzala, obra seminal da historiografia brasileira, Freyre recebeu ao longo de sua vida muitos prêmios e títulos, nacionais e do exterior. Lecionou em universidades europeias e norte-americanas e teve vários de seus livros traduzidos para diversos idiomas. Apresentação de Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti Ilustrações de Manoel Bandeira Biobibliografia de Edson Nery da Fonseca 5a edição revista (C) Fundação Gilberto Freyre, 2005 Recife-Pernambuco-Brasil 1a Edição, José Olympio, 1939 5a Edição, Global Editora, São Paulo 2007 2a Reimpressão, 2018 Jefferson L. Alves - diretor editorial Gustavo Henrique Tuna - editor assistente Manoel Bandeira - ilustrações Flávio Samuel - gerente de produção Ana Cristina Teixeira - assistente editorial Ana Cristina Teixeira, João Reynaldo de Paiva e Rinaldo Milesi - revisão Reverson R. Diniz - projeto gráfico Johann Moritz Rugendas, Arnout & Deroi (dei.) e Engelmann (lith.) Moulin à sucre. 1835. Litografia [634], Jean Baptiste Debret (dei.) e Thierry Frères (lith.). Négresses libres vivant de leur travail. / Négresses marchandes de sonhos, manoé, aloà. 1834- 1839. Litografia [420]. - ilustrações de capa Eduardo Okuno - capa Obra atualizada conforme o NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Freyre, Gilberto, 1900-1987 Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil / Gilberto Freyre ; apresentação de Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti ; bibliografia de Edson Nery da Fonseca ; ilustrações de Manoel Bandeira. - 5. ed. - São Paulo : Global, 2007. Bibliografia. ISBN 978-85-260-1069-7 1. Açúcar como alimento - História. 2. Bolos (Culinária). 3. Culinária brasileira - Nordeste. 4. Cultura - Brasil, Nordeste. 5. Doces (Culinária) I. Cavalcanti, Maria Lecticia Monteiro. II. Fonseca, Edson Nery da. III. Bandeira, Manoel. IV. Título. 07-1337 CDD-306.409812 global Direitos Reservados global editora e distribuidora Ltda. Rua Pirapitingui, 111 - Liberdade CEP 01508-020 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3277-7999 - Fax: (11) 3277-8141 e-mail: [email protected] www.globaleditora.com.br Colabore com a produção científica e cultural. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor. de Catálogo 2718 À memória de minha prima Joana Castelo Branco de Albuquerque Coimbra (Dondon de Morim), viúva do ilustre senhor de engenho pernambucano que foi Estácio de Albuquerque Coimbra. É o livro ocasionado aos mordazes pela matéria e pelo estilo; mas uma e outra cousa será de todos respeitada sendo com o ilustre nome de V. Sr defendido. Domingos Rodrigues, Arte de cozinha, dedicado ao conde de Vimioso, Lisboa, 1962. Sumário A arte do doce 13 Prefácio à 3a edição 19 Introdução 63 Alguns bolos 97 Alguns doces 129 Alguns sorvetes 151 Anexos 1. Receitas de doces e bolos recolhidas por sinhá cearense em subárea do Nordeste 157 2. Receitas de doces e bolos recolhidas em Goa (índia portuguesa) 171 3. Comentário do autor a depoimentos de estrangeiros sobre frutas e doces do Brasil e a livros de brasileiros do século XIX a favor dos mesmos valores 175 4. Além do Nordeste canavieiro 189 5. Apelo do autor a favor dos doces regionais e tradicionais do Nordeste no Congresso Regionalista reunido no Recife em 1926 191 6. Presença africana na arte brasileira do doce 193 7. Mais além do Nordeste 197 8. Preferências de brasileiros ilustres (políticos, intelectuais, artistas etc) por doces ou sobremesas açucaradas 203 9. Os doces populares atualmente mais vendidos no Mercado de São José (Recife) e por ambulantes (Recife) 205 10. Doces, compotas, cremes, saladas de frutas, sorvetes servidos como sobremesa nos principais restaurantes do Recife, com os respectivos preços (1968) 209 11. Trechos do depoimento de D Luís de Albuquerque (fim do século XVIII) sobre frutas brasileiras, inclusive as boas para doces 211 12. Depoimento do folclorista Renato Almeida sobre doces baianos da época de sua meninice (fim do século XIX) 215 13. Breves indicações bibliográficas 221 índice geral das receitas 229 Biobibliografia de Gilberto Freyre 237 A arte do doce O açúcar moldou nosso jeito de ser e nossa alma. <"Sem açúcar não se compreende o homem do nordeste."> Gilberto Freyre foi o primeiro a perceber sua importância na formação da nossa identidade. Ao sol ardente de campos cheios de cana, e nos engenhos primitivos ainda movidos por animais, logo seríamos o maior produtor de açúcar do mundo. Enquanto nas casas-grandes, em um ambiente de cheiros fortes e fumaças, ia nascendo aos poucos a doçaria pernambucana - <"debaixo dos cajueiros, à sombra dos coqueiros, com o canamal sempre do lado a lhe fornecer açúcar em abundância".> Com sabores, temperos, superstições e hábitos das três raças que nos formaram. Tudo na medida certa. Tudo com aquele equilíbrio <"que Nabuco sentia no próprio ar de Pernambuco".> Convivência espontânea entre o cristal daquele açúcar, o sabor selvagem da fruta tropical, e aquele que era o alimento básico de nossos índios - a "manfoka" (mandioca). Juntando pilão, urupema, saudade, peneira de taquara, raspador de coco, esperança, colher de pau, panela de barro, mais <"a fartura de porcelana do oriente e bules e vasos de prata".> Eram doces preparados em tachos de cobre pesado, herança portuguesa, largos quase três palmos grandes, duas alças, ardendo sobre velhos fogões de lenha. <"Sem a escravidão não se explica o desenvolvimento de uma arte de doce, de uma técnica de confeitaria, de uma estética de mesa, de sobremesa e de tabuleiro tão cheias de complicações e até de sutilezas."> Jovens negras com ___ * Todas as citações que estão entre os sinais menor e maior (< >) são de Gilberto Freyre. Na edição impressa elas se encontram em itálico. 13 "braços de homem tiravam os tachos pesados do fogo, sem pedir ajuda a ninguém" (José Lins do Rego, Menino de Engenho). As mais velhas usavam experiência e sabedoria, trazidas de terras distantes, com olhares atentos para não deixar o doce passar do ponto. E sempre com aquela mesma forma de fazer - tranquila, bem devagar, sem pressa, quase dolente. A cana provavelmente tem origem na Indochina. E foi cultivada, ancestralmente, por todo o Extremo Oriente. Os mouros a espalharam pelo Mediterrâneo. Na ilha de Creta, produziram um açúcar cristalizado a que chamavam "qandi" - donde nosso açúcar "cândi"; depois foram à Sicília (maior das ilhas do Mediterrâneo), Provence (França) e sul da Espanha (séc. XI). Em 1404 passou a ser plantada no Algarve, por D. João I - "O da Boa Memória". Quase cinquenta anos depois, por mãos do infante D.