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A Visão de Deus PDF

258 Pages·2012·2.406 MB·Portuguese
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A VISÃO DE DEUS Nicolau de Cusa 4.ª Edição Revista FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN SERVIÇO DE EDUCAÇÃO E BOLSAS Pormenor do monumento a Nicolau de Cusa no seu túmulo na Igreja de San Pietro in Vincoli, em Roma A VISÃO DE DEUS Nicolau de Cusa Tradução e introdução de JOÃO MARIA ANDRÉ Prefácio de MIGUEL BAPTISTA PEREIRA 4:' EDIÇÃO REVISTA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Serviço de Educação e Bolsas Tradução do original latino intitulado DE VISIONE DEI de NICOLAU DE CUSA baseada na ediçijo crítica da Academia de Heildelberg publicada por Felix Meiner Verlag Reservados todos os direitos de acordo com a lei Edição da Fundação Calouste Gulbenkian Av. de Berna I Lisboa 2012 ISBN 978-972-31-1427-0 PREFÁCIO Este prefácio redigido para a tradução portu guesa do livro De Visione Dei de Nicolau de Cusa obedece, no espírito da Hermenêutica, ao duplo escopo de traçar as condições actuais de legibilidade de um escrito filosófico e teológico nascido nas fron teiras entre a Idade Média e a Modernidade e de expor sucintamente as raízes históricas da obra, tão profunda como árdua para o leitor contemporâneo. Filósofo e teólogo, Nicolau de Cusa teve uma visão ecuménica das grandes perguntas do homem, reco nheceu os limites perspectivísticos e conjumurais das respostas, moveu-se no confronto das oposições e da pluralidade de olhares, sem os quais não há busca humana da verdade. Se a tradução, no caso vertente, é o primeiro passo na compreensão do De Visione Dei, as condi ções actuais de legibilidade prosseguem-na, man tendo o leitor-intérprete no terreno do séc. xx e vedando-lhe toda a evasão dos problemas vivos, que nos afligem. Por isso, justifica-se a incursão filosófico-teológica da primeira parte do prefácio. As condições de legibilidade, porém, expõem-nos aos paradigmas do passado e suas variações, cujo [1] potencial de futuro só pode ser compreendido atra vés do longo mas fecundo processo da gestação his tórica da obra, consumando-se, deste modo, o cír culo da compreensão, que é o objectivo final de toda a tradução. · l Pensar é também rememorar e com outros partilhar a história do pensamento essencial, expe-· rienciando no esforço da ascensão o advento do antigo e sempre novo, que, sob o nome de ,, vou:, de Ãóyo~ ou de Ser, se retoma com originalidade, novidade e sem repetição inerte, une e diferencia, é mostração e reserva, história e mais que história, passado e potencial de futuro, preser,ça e ausência, proximidade e distância, mesmidade e diferença. A arque-o-logia filosófica torna-se ponto de conver gência da ana-/ogia, da hetero-logia e da dia -/ogia ( 1) . A irrupção do Ãóyo~ inaugura diferenças epocais e individuais, que se podem traduzir pelo termo leibniziano «fulguração» (2), de que se apode rou a Biologia do séc. x x para significar os saltos qualitativos imprevisíveis da evolução, com especial relevo para o aparecimento da consciência e da cul tura humanas (3). A Ontologia Contemporânea já procurou inscrever no cerne do Ser a trajectória da libertação progressiva de uma essência para outra com grau superior de perfeição, pois as espécies novas emanam da plenitude envolvente do Ser, desde o início latente como força fulgurante e reali zadora nos passos surpreendentes da evolução. Para esta leitura da evolução, jamais se realiza totalmente nas fulgurações dos sendos a plenitude do Ser, que permanece sempre preso e limitado pela sucessão [2] dos saltos qualitativos de novas essências (4). Se espécies animais permaneceram praticamente imutá veis durante milhões de anos, o Homo Sapiens, velho pelo menos de cem mil anos, criou a primeira grande cultura com tradição escrita há cerca de seis mil anos (5), apesar de haver instrumentos fabricados pelo homem com dois milhões de anos, obras de arte com trinta mil anos e agricultura e criação de gado com dez mil. Comparada com estes números, a moderna civilização tecnológica apresenta o tempo contraído de trezentos anos mas suficiente para nos situar no limiar do holocausto (6). Nas grandes cul turas, que se estendem, normalmente, pelo espaço de três mil anos como a do Egipto Antigo, a Hindú, a Chinesa e a nossa Greco-Latina e Europeia, há fenómenos epocais, surpreendentes e novos, marca dos por criações e descobertas originais. Há trans formações duradouras na cultura, novos continentes abertos não só na economia, na técnica e na gran dez4 do espaço mas também na compreensão de si mesmo, que são as grandes fulgurações culturais. A maior viragem na compreensão de si mesmo antes da Modernidade precedeu já a quinta centúria antes de Cristo com a nova experiência do profeta judeu, da filosofia grega, de Zoroasto e dos Upanishades, de Buda, do Taoismo e da moral política de Confú cio. Pelo que tange a tradição grega, fulgem nessa altura os três grandes conceitos, que ainda hoje urdem a compreensão do Iluminismo: a teoria, a moral política e a arte (7). Estas três fulgurações, ao mesmo tempo gregas e modernas, destacadas do fundo comum religioso, isolaram-se no seu perfec- [3] cionismo insular e este cisma feriu os seus motivos orientadores - o verdadeiro, o bem, o belo e o sagrado, que, em vez de quatro modos centrípetos de aparecimento, se ignoraram mutuamente na estranheza da sua autonomia. Se as crises, em sen tido negativo, significam interrupções do curso his tórico r,ormal, são fulgurações as crises em sentido positivo, que, à maneira de relâmpagos, rasgam caminhos inéditos e inauguram novos períodos his tóricos. Tais fulgurações tecem o tempo cairológico, heterogéneo e intensivo, em que acontecem os pro cessos velozes de sínteses originais de linhas diferen tes de desenvolvimento, que, em circunstâncias normais, se arrastariam por séculos. Sem os conteú dos originais das fulgurações da história, tudo se reduziria à inércia da replicação e da repetição insí pidas (8). Mudanças extensas e profundas são, para A. Toynbee, tempos perturbadores na vida de uma civilização, em que as instituições, os movimentos e as capacidades, que foram outrora centros irradia dores de cultura ou de civilização, invertem os papéis nas novas condições e ~uscitam mais proble mas do que soluções, ameaçando a força e a integri dade da sua matriz cultural. Não se abre, porém, como única saída a porta estreita da decadência spengleriana mas há possibilidades de transfa rma ção da cultura precedente, v.g., do Helenismo tardio ou do outono cultural da Idade Média em sínteses e combinações originais com centros de criação dife rentes e diversamente situados (9). Estas mutações históricas não podem ser igno radas pelo esforço científico e filosófico do homem (4] nem pela construção da Teologia, sempre depen dente, aliás, não só de uma Epistemologia, que se deseja contemporânea e não anacrónica ou cultu ralmente morta('º), mas também dos problemas vivos e inadiáveis da discussão filosófica séria e empenhada. As rupturas ou cesuras epocais são o reverso necessário das fulgurações da história, que, para além da fugacidade do efémero, exibe exten sões estruturais de duração secular quase estagnada e conjunturais ou epocais, contrastantes pelos hori zontes de compreensão, que iniciam. A conjuntura cultural rasga o campo em que os acontecimentos de um período determinado se podem interpretar e é precisamente esta conjuntura que apresenta seme lhanças com o que hoje se chama modelo ou para digma, pois o seu horizonte cultural de compreensão usa modelos para ordenar e compreender os aconte cimentos (11 ). O câmbio da época conjuntural, quando conscientemente assumido, desencadeia um novo horizonte cultural com seus modelos originais, que possibilitam um olhar diferente do homem sobre o mundo e justificam a expressão «mudança de paradigmas» sobre um fundo estrutural de altera ção imperceptível. «Esta estrutura torna possível que interpretações oriundas de outros horizontes conjun turais de compreensão possam ainda ser acessíveis àqueles homens, que vivem numa época cultural diferente» ( 12). Esta diferença entre estrutura pro funda e conjuntura desloca para o campo das inter pretações o «choque» das culturas, cujos horizontes , de compreensão privilegiam, em virtude da diferença de paradigmas, determinados problemas, que nou- [5]

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