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A última catástrofe. A história, o presente, o contemporâneo PDF

170 Pages·2016·19.808 MB·Portuguese
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r ' / / / / / / / / / / / / / / / / / / / S * , ' / / / / / / / / / Z / / / / / / / / / / ' / / / / / / / / / Z / / / / / / / / / / * ' / / / / / / / / / Z / / / / / / / / / / M S catástrofe ahistória,opresente,ocontemporâneo henry rousso TraduçãodeFernandoCoelhoeFabrícioCoelho VFGV EDITORA Copyright©2016EditoraFGV ï o Direitosdestaediçãoreservadosà EDITORAFGV RuaJornalistaOrlandoDantas,37 22231-010|RiodeJaneiro,RJ|Brasil Tels.:0800-021-7777|(21)3799-4427 , Fax:(21)3799-4430 i; [email protected]|[email protected] www.fgv.br/editora SUMÁRIO ImpressonoBrasil|PrintedinBrazil Todososdireitosreservados.Areproduçãonãoautorizadadestapublicação,notodoouem ï parte,constituiviolaçãodocopyright(Leina9.610/98). ? Prefácioàediçãobrasileira 7 HenryRousso Osconceitosemitidosnestelivrosãodeinteiraresponsabilidadedoautor. Iaedição:2016 Apresentação 9 Cetouvrage,publiédanslecadreduProgrammed’AideàlaPublication2015CarlosDrummond li LuizFelipeFalcãoeSílviaMariaFáveroArend deAndrade,abénéficiédusoutiendelAmbassadedeFranceauBrésil. 5; Estelivro,publicadonoâmbitodoProgramadeApoioàPublicação2015CarlosDrummond deAndrade,contoucomoapoiodaEmbaixadadaFrançanoBrasil. Introdução.“Vocêsnãoestavamlá!” 13 EstelivrocontoucomoapoiofinanceirodaFundaçãodeAmparoàPesquisaeInovaçãodo EstadodeSantaCatarina(Fapesc). CapítuloI.Acontemporaneidadenopassado 31 *: Revisãotécnica:LuizFelipeFalcãoeSilviaMariaFáveroArend > Um problemaantigo? 31 Coordenaçãoeditorialecopidesque:RonaldPolito Revisão:MarcoAntonioCorrêaeSandroGomesdosSantos “Todahistóriadignadessenomeécontemporânea” 39 Capa:AndréCastroePaulaCruz Otempopresenteantigo 43 Projetográficodemioloediagramação:Estúdio513 Oeternopresentemedieval 48 Fichacatalográficaelaboradapela Históriacontemporâneaehistória mediada 53 BibliotecaMarioHenriqueSimonsen Nascimentoda históriacontemporânea moderna 64 Rousso,Henry,1954- ArecusaparadoxaldofimdoséculoXIX 80 Aúltimacatástrofe:ahistória,opresenteeocontemporâneo/ HenryRousso; traduçãodeFernandoCoelho,FabrícioCoelho.-RiodeJaneiro: FGVEditora,2016. CapítuloILAguerraeotempoposterior 99 344p. Traduçãode:Ladernièrecatastrophe:l’histoire,leprésent,lecontemporain. Ohorizontedacatástrofe 99 Incluibibliografia. Saídadeguerraecontemporaneidade 117 ISBN:978-85-225-1894-4 Depoisdonazismo 129 1.Historiografia.2.Históriamoderna-Historiografia.3.História-Filosofia.I. FundaçãoGetulioVargas.II.Título. Mobilizaçãoedesmobilizaçãoideológica 146 CDD-907.2 Otempodessincronizado 160 CapítuloIII.Acontemporaneidadenocernedahistoricidade 165 Alongaduraçãooua resistênciaaopresente 166 Apreenderahistóriaemmovimento 178 Umahistóriaengajadaemseutempo 188 Areinvençãodotempopresente 195 PREFÁCIOÀEDIÇÃO BRASILEIRA CapítuloIV.Onossotempo 219 p Tempopresenteepresentismo 219 Denominaçõesmaisoumenoscontroladas 232 Oqueésercontemporâneo 237 k Umadefiniçãoporcritériosconstantes 245 Um períodomóvel 246 Umaduraçãosignificativa 247 t Um prazopolíticodereserva 250 Oritmosecular 251 AtraduçãodestaobranoBrasil,publicadaoriginalmentenaFrançaem Oatoreatestemunha 255 2012,constituiparamimumahonraeumafelicidade.Comefeito,pude Umahistóriainacabada 262 constatar muitas vezes, seja na ocasião de algumas estadas no Brasil, Umadefiniçãoporcritériosvariáveis 264 seja pelosintercâmbiosregularescomcolegasbrasileiros,quãocomum 1789 265 eraointeressepelapráticadahistóriadopresenteemnossospaíses.De 1917 267 ambososlados,houvenesses30últimosanosumgrandeinvestimento 1945 268 intelectualna maneiradeabordar uma história noprocessodesefazer, 1940 271 nos papéis respectivos da história eda memória,na importância deci- 1914 275 sivadotestemunho,da históriaoraledosarquivosorais.Aindaqueos 1989,2001? 279 contextospolíticosousociaissejamdiferentes,sintoqueháumamesma sensibilidadenoBrasilenaFrança(assimcomonaEuropademodoge- Conclusão.Diantedotrágico 281 ral)noquedizrespeitoàmaneiradetratarassequelasdosperíodosde Agradecimentos 303 guerra e deviolência políticaquedeixam rastros e cicatrizesduradou- Referências 305 ros.Essesacontecimentos,quemarcaramahistóriadoséculoXXejáa índice 333 donascenteséculoXXI,modificaramprofundamenteoofíciodohisto- riador,obrigando-oaseengajardemodopermanentenoespaçopúbli- co,sabendoaomesmotempoquesua missão,queconsisteemexplicar 5, 8 AULTIMA CATÁSTROFE o mais amplamente possível a complexidade do passado, iria adensar suaprática,fazendo-osairdatorredemarfimdauniversidadeparaque adentrasseumpoucomaisnosvivoscombatesdotempopresente,tanto oseuquantoodoshomensedasmulheresqueeleestuda. Agradeço calorosamente a meuscolegasSilvia Maria Fávero Arend eLuizFelipeFalcão,quetomaramainiciativadestatradução,aMarieta APRESENTAÇÃO MoraesFerreira,queviabilizousua publicação,ea FernandoeFabrício Coelho,queseencarregaramdatarefadelicadade realizá-la. HenryRousso 24deabrilde2016 É com grande satisfação que colocamos à disposição do público leitor brasileiro, numa iniciativa conjunta entre o Programa de Pós-Gradua- çãoem Históriada UniversidadedoEstadodeSantaCatarina (PPGH- -Udesc),por meioderecursosdisponibilizadospela FundaçãodeAm- paro à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), e a Editora da Fundação Getulio Vargas, estelivro intitulado A última ca- tástrofe:ahistória,opresente,ocontemporâneo,dohistoriador,professor epesquisadorfrancêsHenryRousso. Lançada na França em 2012, esta obra pode ser considerada uma reflexãosobreaimportânciaeascaracterísticasdeumahistóriadopre- sente,dimensão historiográficaquetem seexpandido rapidamenteem muitospaíseseparaaqualoautorsemprevoltousuaatenção,concen- tradanahistóriadaFrançadeVichy,ouseja,docolaboracionismofran- cêscom aocupaçãoalemã (1940-44), incluindo aía chamada “solução finaldaquestão judaica” (remoçãodos judeusdosterritóriosocupados pelos nazistas e, posteriormente,sua eliminação planejada e meticulo- sa nos campos de extermínio).Esse interesse pelo contemporâneo e a 10 AÚLTIMACATÁSTROFE APRESENTAÇÃO 11 qualidadedeseusestudos,inclusive,levaram-noadirigir,entreosanos Conscientedetudoisso,Roussosublinhaqueumahistóriaqueversa de1994e2005,oInstitutodeHistóriadoTempoPresente(IHTP),uma sobre o presente transita obrigatoriamente no inacabado, no que está unidadedo prestigioso Centro Nacionalda PesquisaCientífica (CNRS sucedendoousucedeutãoadjacentequeseuhalosegueofuscandoeseu em francês) criada na França em 1978 e inaugurada dois anos depois hálito ainda pode ser respirado. Exatamente por essa razão, necessita por FrançoisBédarida,quefoiseuprimeirodiretor. admitir de maneira sinceraquelida comincertezaeinstabilidade,sem Deacordocomisso,Aúltimacatástrofeenfrentacommaestriasus- que isso represente algum tipo de imperfeição ou inferioridade. Mais: peitaseobjeções,abertasouveladas,queahistóriadotempopresente envolverelaçõescomoutrasáreasdeconhecimento,comoaantropolo- vem despertando, mostrando que a questão da contemporaneidade gia,aciênciapolíticaouateorialiterária,conformeoobjetodeanálisee nãoé nova paraaáreadeconhecimentohistória,aindaquenasegun- aabordagempretendida,buscandointersecçõesentreahabitualdiacro- — — da metade do século XX e nas primeiras décadas deste nosso século niaea menoscomum parahistoriadores sincronia. — elatenhasedeparadocom novosproblemasedesafios.Afinal,épreci- Trata-se, em suma complementaríamos nós — , de uma história solevar em contaasgrandes tragédiasquecontinuamaassombrar os queestá fundada no impreciso, naquele não preciso cunhado por Fer- vivos,muitosdelessobreviventesdegrandescatástrofessociais(como nandoPessoaparacompararaartedavidacomaciênciadanavegação, escreveu Rousso num outro livro, voltado para a história da memó- regradaporseuinstrumentalcientíficoeporseuscálculosmatemáticos: ria coletiva sobreVichy,“um passado que nãopassa”),suaslinhagens “navegarépreciso,vivernãoépreciso”.Emoutraspalavras,sevivernão ancestraisesuas reverberações na atualidade:por exemplo,épossível épreciso,nãoháporqueainterpretaçãodovividohumanoinseridono abordar a cooperação francesa com a “solução final” do nacional-so- temposeja,elamesma,precisa,semqueisso,decerto,sejacompreendi- cialismo sem perceber nenhum vínculo, apenas para não ir tão lon- do como uma desobrigação em face dos regramentos e parâmetros de ge no passado, com o caso Dreyfus a partir do final do século XIX? validaçãoprópriosdoconhecimentohistórico. Supremo repto: que marcação temporal estabelecer então para uma Paraconcluir,gostaríamosdeagradecera HenryRoussoporacredi- históriadopresente? tar nesse projetodesdeoseu inícioea MarietadeMoraes Ferreira por A história, quando de seu aparecimento como forma de narrativa possibilitarconcretizá-lo,assimcomodesejamosatodoseatodasuma acerca dos feitos humanos, e depois com sua instituição como campo boaeinstiganteleitura. disciplinar, não recebeu para tanto nenhum ditame prescrevendo que seufocoestariaemdefinitivodirecionadopara umtempo jáencerrado, LuizFelipeFalcãoeSílviaMariaFáveroArend noqualaspaixõesnãoexerceriammaiorinfluência.Todavia,reconhecer Florianópolis,abrilde2016 issosignificalevaremcontaasconexõesentrehistória,memóriaejusti- ça,comtodasasdificuldadesquecontempla:convenhamosquea“solu- çãofinal” temparentescos,distantesou próximos,comoqueaconteceu emKigalieSarajevo,ounasditaduraslatino-americanasdasegundame- tadedoséculoXX,bemmaispertodenós... -i INTRODUÇÃO "Vocês não estavamlá!” A cena se passa em 1989 no Instituto de História do Tempo Presente, constituído por umaequipedoCentre NationaldelaRechercheScien- tifique (CNRS). Nessedia, François Bédarida, o diretor, preside a uma reuniãodedicada à organizaçãode umcolóquiointernacionalsobre “o regime de Vichy e os franceses”, previsto para o ano seguinte. Um de- sacordo sobre o conteúdo surge entre ele e dois jovens pesquisadores, DenisPeschanskieeu.Historiador renomado,com63anosdeidade,o primeiroviveuaOcupaçãocomoestudanteecomoresistente,nocírcu- loda revista TémoignageChrétien.Osoutrosdoistêmambos35anose selançaramàaventurade umainstituiçãocriada10anosantesparaes- truturaredesenvolver umahistoriografiadocontemporâneo.Adiscus- sãoseanima,atensãoaumenta.Derepente,FrançoisBédaridaexclama com autoridadee um tanto irritado:“Vocês nãoviveram esse período, vocês não podem compreender!” Um silênciose segue bruscamente,e osparticipanteshesitamentreorisoeoestupor. Aafirmaçãonãotem,noentanto,nadadeexcepcionalemumlabora- tórioemquecoabitam geraçõesdiferentes.Tendoospesquisadoresatra- 14 AÚLTIMACATÁSTROFE INTRODUÇÃO 10 vessadonaadolescênciaounaidadeadultaonazismo,aSegundaGuerra cerrado, umahistóriaacabada,ele nãoagesenãonotempodosmortos, Mundial,a descolonização,ostalinismo ou mesmoasbarricadasda pri- aindaquesejaparaosressuscitar nopapel.Elepossuisobreaquelesque — maverade1968 episódios,entreoutros,queeramentãoobjetodaspes- oprecederamavantagem absolutade pretender dizer a última palavra, quisas dessa instituição — ,sechocam àsvezescom os mais jovens,cuja graçasaumaleituraquesequerobjetiva,distante,fria,defatostornados visão coincide raramente com sua própria experiência, ainda que relida “históricos” porqueseusefeitosteriamdeixadodeagirnopresente.Esse soboprismadoseu trabalhodehistoriador.Contudo,naqueledia,a rea- preconceitopossuíaaindaumaparceladevalidadenofimdosanos1970, çãodeFrançoisBédaridameatingecomoumachicotadacerteira.Espon- sobretudo no ensino superior, no qual escolher o caminho da história taneamente,eua julgoincongruente,quaseabsurda,pois“nãoter estado contemporâneasignificavacorrer o riscode passar aoladode umacar- lá” é,emprincípio,própriodohistoriador.Masaobservaçãoparecetanto reira prestigiosa,representadasobretudopelafigurado medievalistaou maisestranhaquandoéouvidaemumlugarqueforadestinadoàtarefade do modernista.Odesenvolvimento ou acriação naquele momento,em trabalhar com o tempopróximo,defendendo a ideiadeque issoera não todaa Europa,deinstituiçõesencarregadasdetrabalhar comopassado somentepossível,masnecessário,em umplanocientífico,políticoeético. próximomostrouaevoluçãodosespíritosnessecampo.Osegundopre- Ora,acaracterísticaprimeiradotempopróximoéprecisamenteapresença conceitoacredita,em ummovimentoquasecontrário,queaexperiência deatoresqueviveramosacontecimentosestudadospelohistoriadoreca- prevalece sobre o conhecimento, que a narração histórica não poderá pazeseventualmentedetestemunhá-los,departicipardeumdiálogocom nuncasubstituir verdadeiramenteo testemunho,quea pretensão à ver- osmaisjovensquandosetratedeepisódiosrelativamentemaisantigos.Se dade dos profissionais do passado é uma ilusão cientificista. Somente ohistoriador dotempopresente nãoviveu diretamentetudooqueentra aquelequefezpartepodecontribuir,porprimeiro,afazercomsuapró- noseucampodeobservação,elepode,pelomenos,falarcomaquelesque priavoz um discurso autênticosobreo passado próximo antes deabrir oviveram.Eleéumatestemunhadatestemunha,porvezesmesmoapri- espaçoàquelesquenãoterãodelesenãoosvestígiose,precisamente,os meira,sefoielequetomouainiciativadeinterrogá-la.Elepodetambém testemunhos.FrançoisBédaridaconhecemelhordoqueninguémoim- seroúltimoaterpodidolhefalarenquantoestavaviva.Portanto,areação pacto dessa crença, pois ele está dentro de um universo no qual a tes- de François Bédarida adquire seu inteiro sentido: entre os historiadores temunha, ex-combatente, ex-resistente, ex-deportado, ocupa um lugar presentes,eleéoúnicoqueviveuefetivamenteosacontecimentosquesão cadavezmaior nosdebatesenascontrovérsiassobreopassadorecente. oobjetodadiscussão,e,portanto,eletemindubitavelmenteumavantagem Mais exatamente, é a época em que os historiadores começam a com- aparentesobreosoutros,queeleassumeetencionafazersaber. preender a dimensão da presença e da intervenção dessas testemunhas í Lidarcomaexclamação“nãoterestadolá” significaparaumhistoria- noespaçopúblico,figurasmoraiseatoressociaiscujaapariçãoremonta dorpassarpeloaprendizadodedoispreconceitosantinômicosaindaque aos dias seguintes à Primeira Guerra Mundial. Isso criou muitasvezes sempre enraizados nosenso comum. O primeiro afirma que nenhuma atritoscom oshistoriadoresquelhessão,contudo, próximosetambém boa história é possívelsem recuo,ouaindaqueo historiador não pode controvérsiasentreospróprioshistoriadores,entreaquelesquerecusam entraremcenasenãoquandotodososatoresqueeleestudativeremsaí- a prioritodovalorprobanteaotestemunhooraleaqueles,aocontrário, do.Nessaconcepçãodaprofissão,ohistoriadorobservaumpassadoen- que sentem pela testemunha, sobretudo se é uma vítima, um fascínio h $ 16 AÚLTIMA CATÁSTROFE INTRODUÇÃO 17 quasecrístico, para mencionar asduasposiçõesextremas. François Bé- dopróximo,abordagensdiversasdovividoedotransmitido.Nessesen- darida está, portanto, nos primeiros camarotes, e pode assim medir a tido,otempopresentesecaracterizaporumaficçãocientíficadomesmo dificuldadedesteconfrontoentreconhecimentoelaboradoelembranças modoemqueexistemficçõesliteráriasoujurídicas.Aanistia,porexem- reconstituídas,ao mesmo tempoqueele próprioestá, por seu percurso plo, apaga uma pena conferida por uma decisão formal que faz “como eporsuaidade,divididoentreessesdoispolosmaissignificativosdare- se” a condenação não tivesse sido dada, sem com isso buscar apagar a presentaçãodopassado.Naquelediade1989,noespaçodeuminstante, lembrançadoprópriocrime,emenosaindaobrigaravítimaaesquecer. — eleesqueceuoseuhábitoprofissionalparadarlivrecursoàmanifestação Aficçãopermiteaquiagir nopresente perdoarouesvaziarasprisões — desuasubjetividadesemporissodeixardeserumhistoriadordotempo sem ser inteiramente dependente do peso do passado que, de todo presente.Ou melhor,seépossíveldizer,eleparecedizerimplicitamente modo,continuaráaterefeito.Ohistoriadordotempopresentefaz“como que o único historiador verdadeiro é aquele que foi ele próprio teste- se” elepudesseagarrarnasuamarchaotempoquepassa,darumapausa munha dos fatos estudados, retomando a postura de Tucídides, com a naimagemparaobservarapassagementreopresenteeopassado,desa- diferença de que durante os acontecimentos — no período da Ocupa- celeraroafastamento eoesquecimentoqueespreitam todaexperiência — ção o jovem François Bédarida não podia saber que ele se tornaria humana. A ficção consiste em não considerar esse tempo presente um um dia historiador desse período. Ora, há uma grande diferença entre simples momento inapreensível, como o rio Lete, mas em lhe conferir a experiência direta e ingénua de um momento histórico e a produção espessura,umaperspectiva,umaduração,comofazemtodososhistoria- deuma narrativainformadasobreoevento.Umacoisaéobservarcons- doresempenhadosemumaoperaçãodeperiodização.Aliás,adificulda- cientementeseutempocomoobjetivodefazerdeleumanarração,como denãoéinsuperável,pois,atémesmoparaoscontemporâneosdosfatos ohistoriador grego,outraé pôr emaçãomuito tempodepoissuaslem- estudados,esse tempo presente nãose reduza um instantefugidio:sua — — brançasdajuventudecomoelementosdeuma narrativahistóricacrível. consciência,seu inconsciente que supostamente ignora o tempo , Com esse episódio, o historiador ainda um pouco imaturo que eu suamemórialheconfereumaduração,queémaisumapercepçãodoque era começou a compreender quea história do tempo presenteque nós umarealidadetangível,masqueéaúnicaquepodedarsentidoaosacon- pretendíamosfundarsecaracterizavaporumprocedimentointeiramen- tecimentosatravessados.Pode-seidentificaressaduração,essatempora- te marcado pela tensão, e por vezes pela oposição, entre a história e a lidadeespecífica como uma “contemporaneidade”, um qualificativoque memória, entre o conhecimento e a experiência, entre a distância e a podeaplicar-seatudooquereconhecemoscomopertencenteao“nosso proximidade,entreaobjetividadeeasubjetividade,entreopesquisador tempo”,incluindo-seatradição,ovestígio,alembrançadeépocasencer- e a testemunha, divisões que podem manifestar-se no interior de uma radas.Acontemporaneidadenãoé,aliás,própriadosperíodosrecentes. mesma pessoa.Comooutras maneirasdefazer a história,essa parteda Desdeosurgimentodasprimeirasformasdecultura,associedadestêm disciplinadevelevaremcontatemporalidadesdiferenciadase umadia- vividonumpresentemarcadopelopesodopassado,queseconstituipor lética particular entre o passado e o presente. Esse tempo sobre o qual vezesemfardo,eabertoàspossibilidadesequiçáàsincertezasdofuturo, elasedebruçapertencesobretudoaocampodoimaginário.Noreal,om- aindaquandoa percepçãodotempotenhapodidoevoluir.Quandoum breiam-segeraçõesdessemelhantes, percepçõesdiferentesdo distantee historiadorobservaumatordahistória,dessepassadoacabado,eledeve 18 AÚLTIMACATÁSTROFE INTRODUÇÃO 19 guardar constantemente na memória o “tendo-sido” que ele foi,aquele ções por vezes antigas, por vezes recentes,e diferentesescolhas episte- queviveueagiuemumtempopresentequejánãoexiste,masqueépre- mológicas, objetos históricos e posturas no espaço público. Igualmen- cisoreconstituir,segundonosordenatodaumatradiçãoepistemológica te, a noção de contemporaneidade remete a uma polissemia que não desdeRaymond AronaPaulRicoeur,passando porReinhartKoselleck. constitui a menor das dificuldades para o historiador, quer ele busque A particularidade da história do tempo presenteestá em queela se in- compreenderadostemposencerrados,queradelepróprio.Essa noção teressa por umpresentequeéoseu,em umcontextoemqueo passado nãoremeteunicamenteaumatemporalidade,elanãosignificasomente nãoestánemacabado,nemencerrado,emqueosujeitodasuanarração umaproximidadenotempo,e,portanto,umacuriosidadeemrelaçãoao éum “ainda-aí”.Eissoapresentaráalgunsescolhos. seuprópriotempo.Elaremetetambémaoutrasformasdeproximidade, Compreendê-los,superá-los, tal tem sido a ambição da história do noespaço,noimaginário.Apresençadopassadomaisdistantepodeser tempopresente,um movimentoquecomeçouasedesenvolver,depen- por vezes mais intensa do que eventos próximos, e podemos ter mui- dendodoslugares,entreosanosde1950e1970,reinventandoumatra- to poucos pontosem comum com nossossemelhantesbiológicos,eao dição que remonta às origens gregas da historiografia. O objeto deste contrárioumagrandeproximidadecomancestraisdeoutrotempo,eaté livroéretraçaraevolução,compreenderosmóbiles,explicarosparadig- deoutrolugar,bastandoqueodescubramosequelhesdemosumaatua- maseospressupostosdessapartedadisciplinahistóricaquepassou,em lidadenopresente.Essaconstataçãoaparentementebanalgerainúmeras algumas décadas, da margem ao centro. A história do tempo presente questões.Éoobjetivodestaobraquesesituaemumlugarepistemológi- existiudefatodesdesempre?Possuielasingularidadesprópriasounãoé m corelativamentebemidentificado,tantonoplanointelectualquantono m? senãoumaspectodahistoriografiageralsem traçosdistintivosparticu- institucional:ode uma históriaqueseconfrontoucomo trágicodosé- lares?Quais mudançassurgiram no último terçodoséculoXXaponto culopassadoetambémcomodesteséculobalbuciante.Essemovimen- deseconsiderarqueadisciplinafoiinteiramentetransformada?Taissão to,ouantesessapráticada história,tentouesboçarempiricamenteuma algumas das questões que eu desejo levantar aquiao explicar que,se a maneiradefazer,um modode pensara históriaquandoestaatinge,ou noçãodehistóriadotempopresenteseenraizounopanoramahistorio- mesmoultrapassa,olimitedocompreensíveledoaceitável.Elaseacha gráfico internacional,é porqueela possui uma históriaecaracterísticas em todolugar emqueo passado recentedeixou marcasaferroquente, própriasaptasa responder ainterrogaçõesa um sótempoconjunturais noscorpos,nosespíritos,nosterritórios,nosobjetos. e universais. Ainda que ela tenha adquiridosua legitimidade,essafor- madehistória nãodeixa por issode suscitar reservasecríticas,menos Em umartigopublicadoem2006,ohistoriadoAntoineProstprocla- sobreafactibilidadeenquantotal,comonoséculoXIX,doquesobreas mavaque“a históriado tempo presenteé uma históriacomo asoutras”, escolhasepistemológicasque uma partedesse movimentofeznasduas 6: denunciando“um pseudoconceito” forjado por questões puramentecir- últimasdécadas.Nessesentido — voltoaesseassuntolongamentenes- cunstanciais(Prost,2006-2007:21-28).Otomsurpreendentementevinga- ta obra — ,o termo“história do tempo presente” nãoseconfundecom tivodessepequenotextodesetepáginasconsistiaemdizerqueessemovi- história“contemporânea”,ecadatradiçãonacionalpossuiasua própria mento,tendoefetivamentevencidoabatalhadalegitimidade,deviadora- maneiradequalificaropassadopróximo.Essadiversidaderefletetradi- vanteabandonarabandeiraquetinhapermitidoasuavitória.Nenhuma 18 20 AÚLTIMACATÁSTROFE INTRODUÇÃO 21 novabandeirafoi proposta,comoseessa partedadisciplina devesseser compreenderinicialmenteoquepodiasignificarconcretamente,nalon- expropriadadoseunomeedasuaidentidadeemproldeumimperialis- gaduração,otermo“contemporâneo” easnoçõesde“históriacontem- moepistemológicoou talvezdeum ressentimentoque nãodiziam,nem porânea” oude“históriadotempopresente”,partindodeminhaprópria — um nemoutro,seu nome.Ora,precisamente,essapráticahistoriográfica experiência oestudodahistóriaeda memóriadosgrandesconflitos possui defato algumassingularidadesque não podem ser apagadas por recentes — para retrilhar o tempo de maneira regressiva. Concentrei um traçodecaneta.Dosquatrograndessegmentosdahistoriografiaoci- em seguida minha atenção no século XX, que vê progressivamente a dental:Antiguidade,IdadeMédia,IdadeModernaeIdadeContemporâ- emergência deuma história dotempo presenteinstitucionalizada,com nea,somenteaúltimapossuiumaperiodizaçãoconstantementeincertae seusmétodospróprios,seusparadigmas,seusdebateseseusdetratores discutível.Segundooslocaiseastradiçõesnacionais,o“contemporâneo” nointeriordeumaprofissãohistóricarenovadaem profundidade.Meu poderá, com efeito, começar tanto em 1789, em 1917, em 1959,quanto propósitonãoépropornestaparteumahistóriaeruditadacontempora- em1989.Emrelaçãoàsuadatafinal,elaépordefiniçãomóvel,outradife- neidade,massituarnotempomaislongopossívelahipótesegeralmente rença trivial,masdemonta.Dessasquatroperiodizações,ahistóriacon- aceitadeumaumentodopoderdahistóriacontemporâneaacontardos temporâneaéaúnicaqueéobjetodedesacordosrecorrentesnãosobrea anos1970.OúltimoterçodoséculoXXéummomentosobreoqualeu — interpretaçãodosprópriossegmentostemporais existemdebatessobre medemoro,poiseleéobjetohojededebates parasaberseeleinaugura ofimda Antiguidadeousobreofim da IdadeMédia,assimcomoexiste ounãoumamudançade“regimedehistoricidade”,umtermoafortuna- — sobreoiníciodahistóriacontemporânea ,massobreasuafactibilidade, do, há alguns anos, na historiografia francesa, mas ainda muito pouco seusignificado,suadenominação,aexemploprecisamentedoartigocita- discutido alhures. Nascido com a filosofia da história, no contexto do do.Ademais,“Oqueésercontemporâneo?” pertenceaumainterrogação debate sobre o historismo, o termo historicidade (Geschichtlichkeit em surgidanoséculoXIXqueultrapassaareflexãopuramentehistórica.Ela alemão), tomado na sua acepção maissimples, designa o caráter pro- atravessatantoafilosofiaquantoaantropologiaouahistóriadaarte,oua priamente temporal e, portanto, evolutivo, variável, limitado e mortal musicologia,que utilizamoadjetivodoseu modo.Háaqui umaquestão dohomemoudassociedades,queimplicaqueoconhecimentoqueeles epistemológica sobre a qual os historiadores devem posicionar-se, e éo podem produzir sobre si mesmos possui, igualmente, um limite, uma que eu tento fazer ao interrogar ao mesmo tempo a longa evolução de finitude,sobretudoporoposiçãoà metafísica tradicional.Otermomu- umapráticaquepretendefazerahistóriadoseuprópriotempo,aconjun- dou desentidocomoimpulsodaantropologia,quedesigna por eleao turaespecífica doséculoXX,queacabou porlhedarcerta configuração mesmo tempo “a riqueza deacontecimentos” (Claude Lévi-Strauss) de particular,efinalmenteoscritériosconstantesouvariáveisquepermitem umadadasociedadee um meiodediferenciar associedadesentreelas, identificar assingularidades relativasdessa maneira de pensar a história sobretudo pela famosa distinção entre “sociedades quentes e frias” ou nointeriordadisciplinaemseuconjunto. entre“culturasquesemovemequenãosemovem”.Acresce-setambém aideiaessencial dequea historicidadeé uma consciência ou uma per- Emvezdeaceitarosclichésquerepetemque“todahistóriaécontem- cepçãodesi,umaimagemsubjetivaqueohomemouassociedadestêm porânea” ouqueessa prática remontaàsorigensdadisciplina,procurei desua própria dimensão temporal.Nos anos1980,sobaassinatura de

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