A terra do não-lugar: diálogos entre antropologia e performance UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Lúcia Helena Martins Pacheco EDITORA DA UFSC Diretor Executivo Fábio Lopes da Silva Conselho Editorial Fábio Lopes da Silva (Presidente) Ana Lice Brancher Carlos Eduardo Schmidt Capela Clélia Maria Lima de Mello e Campigotto Fernando Jacques Althoff Ida Mara Freire Maria Cristina Marino Calvo Marilda Aparecida de Oliveira Effting COMITÊ EDITORIAL DA COLEÇÃO BRASIL PLURAL Sônia Weidner Maluf (Coordenadora da Coleção) Alicia Norma González de Castells Márcia Grisotti Márnio Teixeira-Pinto COMITÊ GESTOR DO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISA BRASIL PLURAL Esther Jean Langdon (UFSC – Coordenadora) Sônia Weidner Maluf (UFSC – Coordenadora Executiva) Deise Lucy Montardo (UFAM – Coordenadora no Amazonas) Eliana Diehl (UFSC) Márcia Regina Calderipe Farias Rufino (UFAM) Sidney Antonio da Silva (UFAM) Editora da UFSC Campus Universitário – Trindade Caixa Postal 476 88010-970 – Florianópolis-SC Fones: (48) 3721-9408, 3721-9605 e 3721-9686 Fax: (48) 3721-9680 [email protected] www.editora.ufsc.br A terra do não-lugar: diálogos entre antropologia e performance Organização Paulo Raposo Vânia Z. Cardoso John Dawsey Teresa Fradique 2013 © dos autores Direção editorial: Paulo Roberto da Silva Capa: Paulo Roberto da Silva Editoração: Rômulo Samir Lanferdini Revisão: Júlia Crochemore Restrepo Ficha Catalográfi ca (Catalogação na publicação pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina) T323 A terra do não-lugar : diálogos entre antropologia e perfor- mance / organização Paulo Raposo et al. – Florianópolis : Ed. da UFSC, [2013]. 384 p. : il. Inclui bibliografi a. 1. Antropologia. 2. Artes cenicas. I. Raposo, Paulo. CDU: 391/397 ISBN: 978.85.328.0659-8 Sumário Prefácio ......................................................................................................................7 Apresentação No Performance’s Land ? : interrogações contemporâneas para uma teoria da performance ......................................................................................................13 Paulo Raposo PARTE 1 Narrativas e textualidades performáticas ............................................................19 “A viagem à casa das onças”: narrativas sobre experiências extraordinárias ..................................................................................................21 Esther Jean Langdon Contar o passado, confabular o presente: performances narrativas, poética e as construções da história ...............................................................43 Vânia Z. Cardoso Velhas histórias, novas performances: estratégias narrativas de contadores de “causos” .....................................................................................61 Luciana Hartmann Pessoalidade ou a terra de ninguém da performance ..................................79 Maria José A. de Abreu Performance, um campo de batalha estimulante .......................................101 Andrea Inocêncio PARTE 2 Movimentos e corporalidades ...........................................................................109 Planos de composição: dança, política e movimento. ...............................111 André Lepecki Questionando o intangível ............................................................................123 Ida-Elisabeth Larsen Festa tribal planetária: raves em terras brasileiras .....................................129 Carolina de Camargo Abreu A dança inventiva da tradição ......................................................................157 Renata de Sá Gonçalves Performance, corpo e ritual entre os Asuriní do Xingu ............................175 Regina Polo Müller Corpo, máscara e f(r)icção: a “fábula das três raças” no buraco dos capetas .......................................................................................................195 John C. Dawsey PARTE 3 Montagens performativas ...................................................................................213 Cidadania em performance: os artistas vão às ruas ...................................215 Diana Taylor Alegorias em ação ...........................................................................................225 Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti Hajj, Umrah: peregrinação a Meca...............................................................237 Francirosy Campos Barbosa Ferreira “Ação!” “Corte!”: cinco cenários nas entrelinhas da performance ...........255 Scott Head Contaminações ...............................................................................................271 Márcio-André Teatro de no-ficción: métodos creativos para el estudio de lo social.......275 Victoria Pérez Royo PARTE 4 Fluxos e fronteiras performativas ......................................................................287 Performática ubíqua: metrópole comunicacional, arte pública, cultura digital, sujeito diaspórico, crânio sonante .....................................289 Massimo Canevacci Há espectáculos que não deviam ter aplausos e outros que deviam ser por eles interrompidos ...............................................................313 Teresa Fradique Esta performance será televisionada ............................................................331 Francesca Fini Performance re-acção artística | Performance trabalho sim não .............341 João Garcia Miguel Silver & Gold ...................................................................................................353 Nao Bustamante Posfácio .................................................................................................................357 No Performance’s Land? : crônicas de um evento Ricardo Seiça Salgado Caderno de imagens............................................................................................369 PREFÁCIO Paulo Raposo Tendo como ponto de partida o Encontro Internacional No Performance’s Land? realizado em Portugal (Lisboa, 15-17 abril 2011)1 que juntou 23 investigadores e 14 performers de vários países, pretendemos agora reunir em livro as inquietações e as reflexões teórico-conceptuais que nesse mesmo evento emergiram.2 Singular no panorama científico e artístico e no quadro das ciências sociais, nomeadamente da Antropologia, este encontro foi claramente um espaço de experimentação e de exploração conceptual, mas também de convergência de diversas propostas perfomativas de criadores de várias nacionalidades cujos enfoques claramente se complementaram na diversidade. O desafio maior foi, talvez, o de reunir as contribuições teóricas dos investigadores em cruzamento e interseção propositada com os contributos dos performers. Com o leitor ficará a responsabilidade e, esperamos, o prazer de amplificar e articular esses cruzamentos. No Performance’s Land? é simultaneamente uma interrogação e um paradoxo feito de um jogo de palavras. Explorando limites e fronteiras para uma ontologia da performance e para uma conceptualização do 1 O encontro foi realizado nas instalações do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE- IUL) e da Culturgest Fundação Caixa Geral de Depósitos, sob organização do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA). O encontro obteve o apoio de várias instituições: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD); Culturgest – Fundação Caixa Geral de Depósitos; Embaixada Italiana/Instituto Italiano de Cultura; ISCTE-IUL; CRIA e Fundação Ciência e Tecnologia. Muitos dos conferencistas brasileiros foram apoiados pela CAPES, pelo CNPq e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Brasil Plural para as suas deslocações a Lisboa. A organização científica do evento esteve a cargo de uma parceria entre os investigadores Paulo Raposo e Teresa Fradique do CRIA-IUL e os diretores dos centros de investigação nessa área de estudos no Brasil – John Dawsey, pelo Núcleo de Antropologia, Performance e Drama (NAPEDRA), da Universidade de São Paulo e Vânia Z. Cardoso, pelo Grupo de Estudos em Oralidade e Performance (GESTO), da Universidade Federal de Santa Catarina. A curadoria das performances esteve a cargo de Paulo Raposo. O website do evento é: <http://www.wix.com/pauloraposo/noperformancesland>. 2 A ortografia portuguesa foi preservada, nos textos portugueses, de acordo com a norma anterior à proposta pelo Acordo Ortográfico de 1990. Já a ortografia brasileira respeita as normas do novo acordo. [Nota do editor]. 8 A terra do não-lugar | Diálogos entre antropologia e performance seu campo disciplinar nas artes e nas ciências sociais, o que se pretendeu foi interrogar o lugar da performance na contemporaneidade. Terra de ninguém? De facto, a performance tem sido um conceito que fugiu a uma focagem definitiva. Difusamente interterritorial e transdisciplinar, ela se consubstancia hoje como um objeto reflexivo controverso, perenemente polémico, e como um prolixo gerador de metáforas para a experiência humana. Tantas vezes, simultaneamente, intraduzível e intercomutável entre campos disciplinares, a performance incorpora e naturaliza uma relação epidérmica com a chamada falência das grandes narrativas contemporâneas. Nas artes – teatrais, plásticas e visuais –, depois de todo um século de confrontos e contra-discursos, a performance, reemerge no século XXI como um poderoso vocabulário e dispositivo rizomático de fusão, hibridismo, virtualidade, mediação e reflexividade da vida humana, sobretudo pelo potencial cibernético e digital das experiências mais recentes. Paralelamente, nas ciências sociais passou por ser inicialmente um “conhecimento subjugado”, para usar a metáfora epistemológica de Foucault, tornado corpo ativo de significados, fora dos livros, iludindo ou sucumbindo às estratégias de inscrição que o tentaram tornar legível/ inteligível e, portanto, um saber cientifico legítimo. Porém, ela emerge no presente como um conhecimento plasmado na materialidade contemporânea, um blurred genre deslizante, líquido, global, que atravessa fronteiras e reforça linguagens transversalmente em diversos domínios. No Performance’s Land? foi a primeira reunião internacional realizada em Portugal – e pode ser também considerado um evento pouco comum no panorama internacional – que procurou explorar as articulações entre o campo das ciências sociais e humanas, nomeadamente a Antropologia, e o campo dos estudos artísticos, em particular os chamados Performance Studies. A iniciativa procurou interrogar o lugar da performance na contemporaneidade e pretendeu resgatá-lo de um certo exílio conceptual, avaliando os sentidos de tal (auto)deportação, mas também explicitando o seu retorno triunfal no que hoje se define por movimento re-performativo. Explorando, por fim, a mise-en-scène contemporânea que define e constrói as fronteiras entre arte e ciência, podemos concluir que a performance se consolida justamente como uma terra de ninguém em permanente redefinição. Assim, procuramos desenhar o território da performance, algures situado entre a teoria e a prática, e interrogamos o seu lugar analítico e estético na atualidade. Prefácio 9 A presença de múltiplos especialistas e performers europeus, brasileiros e norte-americanos nesse encontro foi de particular relevância e permitiu agitar o cenário académico e artístico tendo como resultado um número muito significativo de público presente quer nas conferências quer nas performances. Dois dos principais nomes dos Estudos Performativos americanos, Diana Taylor e André Lepecki da Tisch School of Arts da NYU, bem como a presença do consagrado professor Massimo Canevacci, especialista em culturas visuais e estudos de comunicação, e ainda a particpação da emergente autora e investigadora espanhola da área da dança e dos estudos sobre espaço público, Victoria Perez Royo, permitiram, com as suas conferências principais, situar os tópicos centrais do encontro. Mas a discussão estendeu-se depois, em paineis temáticos, com a presença de investigadores seniores nesse campo de estudo no Brasil, como as consagradas Esther Jean Langdon, Maria Laura Cavalcanti e Regina Pollo Müller ou John Dawsey; secundados por uma segunda vaga de investigadores que se têm vindo a destacar no panorama da disciplina, como Vânia Cardoso, Luciana Hartman, Scott Head, Maria José A. de Abreu ou Paolo Favero; e finalmente, um conjunto de investigadores mais jovens e emergentes, mas com pesquisas muito estimulantes e inovadoras como Teresa Fradique, Carolina Abreu, Francirosy Ferreira ou Renata Gonçalves. As mesas foram organizadas em torno dos seguintes tópicos: Corpos performativos e ritual; Narrativas e performances; Performances e espaço público; e Performances digitais, arquivos e vivências. Ao longo dos três dias, assistiu-se ainda a um ciclo de performances com diversos artistas que também dialogaram com os investigadores nas sessões académicas: Nao Bustamante (EUA), Angel Herrero (Espanha), Gry Raaby, Ida Larsen e Kir-Qvortrup (Dinamarca), João Garcia Miguel, Andrea Inocêncio, Nuno Oliveira e Margarida Chambel (Portugal), Regina Pollo Müller e Márcio-André (Brasil) e Francesca Fini e Federico Trimarchi (Itália). Essas performances cobriram diversos géneros performativos, com apresentações presenciais em diversos espaços, mas também em regime streaming como na conversa com a coreógrafa carioca Dani Lima e a realizadora Paola Barreto ou na performance de Bean (Inglaterra) via Skype. Pela sua relevância conceptual, artística e académica, pensamos que a reunião em livro das falas apresentadas nas sessões e agora convertidas sob o formato de artigos se impunha.3 3 Todas as comunicações resultam de versões ampliadas e trabalhadas das comunicações apresentadas na Conferência com excepção para os textos de Diana