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A Sociedade dos Individuos PDF

244 Pages·2.314 MB·Portuguese
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Sementes de trigo espargidas ao vento Saber para quem encontrar NORBERT ELIAS A SOCIEDADE DOS INDIVÍDUOS Organizado por MICHAEL SCHRÖTER Tradução: VERA RIBEIRO Revisão técnica e notas: RENATO JANINE RIBEIRO Sumário Prefácio PARTE I A Sociedade dos Indivíduos (1939) Notas PARTE II Problemas da Autoconsciência e da Imagem do Homem (os anos 1940 e 50) Os Seres Humanos como Indivíduos e como Sociedade, e suas Auto- imagens Inspiradas no Desejo e no Medo Nota As Estátuas Pensantes A Individualização no Processo Social PARTE III Mudanças na Balança Nós-Eu (1987) Notas Posfácio do Organizador Índice Remissivo Para meus amigos Hermann e Elke Korte Prefácio I A relação da pluralidade de pessoas com a pessoa singular a que chamamos “indivíduo”, bem como da pessoa singular com a pluralidade, não é nada clara em nossos dias. Mas é freqüente não nos darmos conta disso, e menos ainda do porquê. Dispomos dos conhecidos conceitos de “indivíduo” e “sociedade”, o primeiro dos quais se refere ao ser humano singular como se fora uma entidade existindo em completo isolamento, enquanto o segundo costuma oscilar entre duas idéias opostas, mas igualmente enganosas. A sociedade é entendida, quer como mera acumulação, coletânea somatória e desestruturada de muitas pessoas individuais, quer como objeto que existe para além dos indivíduos e não é passível de maior explicação. Neste último caso, as palavras de que dispomos, os conceitos que influenciam decisivamente o pensamento e os atos das pessoas que crescem na esfera delas, fazem com que o ser humano singular, rotulado de indivíduo, e a pluralidade das pessoas, concebida como sociedade, pareçam ser duas entidades ontologicamente diferentes. Este livro concerne àquilo a que se referem os conceitos de “indivíduo” e “sociedade” em sua forma atual, ou seja, a certos aspectos dos seres humanos. Oferece instrumentos para pensar nas pessoas e observá-las. Alguns deles são bastante novos. É incomum falar-se em uma sociedade dos indivíduos. Mas talvez isso seja muito útil para nos emanciparmos do uso mais antigo e familiar que, muitas vezes, leva os dois termos a parecerem simples opostos. Isso não basta. Libertar o pensamento da compulsão de compreender os dois termos dessa maneira é um dos objetivos deste livro. Só é possível alcançá-lo quando se ultrapassa a mera crítica negativa à utilização de ambos como opostos e se estabelece um novo modelo da maneira como, para o bem ou para o mal, os seres humanos individuais ligam-se uns aos outros numa pluralidade, isto é, numa sociedade. Que esse é um dos problemas cardeais da sociologia foi algo que se tornou claro para mim há cerca de 50 anos, quando trabalhava em meu estudo intitulado O processo civilizador.II Na verdade, os primeiros esboços de A sociedade dos indivíduos foram concebidos como parte da teoria abrangente contida no segundo volume daquele livro. Tenho ainda algumas provas do livro sobre a civilização, cujo conteúdo compõe a Parte I do texto aqui publicado. No decorrer de meu trabalho no livro anterior, o problema da relação entre indivíduo e sociedade aflorava constantemente. É que o processo civilizador estendia-se por inúmeras gerações; podia ser rastreado ao longo do movimento observável, numa determinada direção, do limiar de vergonha e constrangimento. Isso significava que as pessoas de uma geração posterior ingressavam no processo civilizador numa fase posterior. Ao crescerem como indivíduos, tinham que se adaptar a um padrão de vergonha e constrangimento, em todo o processo social de formação da consciência, posterior ao das pessoas das gerações precedentes. O repertório completo de padrões sociais de auto-regulação que o indivíduo tem que desenvolver dentro de si, ao crescer e se transformar num indivíduo único, é específico de cada geração e, por conseguinte, num sentido mais amplo, específico de cada sociedade. Meu trabalho sobre o processo civilizador, portanto, mostrou-me com muita clareza que algo que não despertava vergonha num século anterior podia ser vergonhoso num século posterior e vice-versa. Tinha plena consciência de que também eram possíveis os movimentos no sentido oposto. Mas, qualquer que fosse a direção, a evidência da mudança deixava claro a que ponto cada pessoa era influenciada, em seu desenvolvimento, pela posição em que ingressava no fluxo do processo social. Depois de trabalhar por algum tempo, ficou claro para mim que o problema da relação do indivíduo com os processos sociais ameaçava desarticular a estrutura do livro sobre a civilização, apesar dos estreitos vínculos entre os dois temas. O livro sobre a civilização, de qualquer modo, já estava bastante longo. Assim, tratei de concluí-lo, retirando dele as partes em que tentava esclarecer a relação entre sociedade e indivíduo. Esse tema me fascinava. Sua importância para os fundamentos da sociologia como ciência foi ficando cada vez mais clara para mim. Continuei a trabalhar nele, produzindo inicialmente o texto aqui impresso na primeira parte. Ele mostra uma etapa inicial de meu esforço de abordar o problema. Mas demonstra também que o relato de uma fase relativamente inicial da investigação de um problema fundamental possui um valor próprio, mesmo que o trabalho a esse respeito, mais tarde, tenha avançado. É difícil deixar de pensar que, ao se reconstruir o desenvolvimento das soluções posteriores e mais abrangentes de um problema documentando as diferentes etapas da investigação, o acesso às etapas posteriores da solução torna-se mais fácil. Facultando-se ao leitor a possibilidade de refletir sobre as limitações presentes nas soluções anteriores, ele é poupado da dificuldade de tentar compreender as idéias posteriores como se houvessem surgido do nada, sem nenhuma reflexão prévia, na cabeça de determinada pessoa. Subjazendo à estrutura deste livro, há uma concepção muito diferente de como se formam as idéias. As três partes que o integram foram redigidas em épocas diferentes. A primeira mostra a etapa mais inicial de minhas reflexões sobre o problema da pessoa singular dentro da pluralidade de pessoas, tema anunciado pelo título do livro. A segunda parte é um exemplo do trabalho posterior sobre essa mesma questão; a terceira é a etapa mais recente e final desse trabalho contínuo. A mudança em minha abordagem do problema da relação entre indivíduo e sociedade, que se deu ao longo de uns bons 50 anos, sem dúvida reflete modificações específicas ocorridas nos indivíduos e sociedades nesse mesmo período. Reflete, portanto, mudanças na maneira como a sociedade é compreendida, e até na maneira como as diferentes pessoas que formam essas sociedades entendem a si mesmas: em suma, a auto-imagem e a composição social — aquilo a que chamo o habitus — dos indivíduos. Mas, por outro lado, como veremos, o modo global de abordagem do problema também se alterou consideravelmente. O problema tornou-se mais concreto. Os conceitos utilizados conformam-se mais estreitamente à situação observável de cada pessoa dentro da sociedade. Paradoxalmente, isso é acompanhado por uma elevação do nível da discussão que leva a uma síntese num plano mais elevado. Isso se expressa no conceito fundamental da balança nós-eu, o qual indica que a relação da identidade-eu com a identidade-nós do indivíduo não se estabelece de uma vez por todas, mas está sujeita a transformações muito específicas. Em tribos pequenas e relativamente simples, essa relação é diferente da observada nos Estados industrializados contemporâneos, e diferente, na paz, da que se observa nas guerras contemporâneas. Esse conceito faz com que se abram à discussão e à investigação algumas questões da relação entre indivíduo e sociedade que permaneceriam inacessíveis se continuássemos a conceber a pessoa, e portanto a nós mesmos, como um eu destituído de um nós.

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