história A REVOLUÇÃO RVRROUPILHA; HISTÓRIA & INTERPRETAÇÃO Décio Freitas Helga I. Landgraf PIccolo José Híldebrando Dacanal• Margaret Marchicri Bakos Sandra Jatah/ Pesavento Spencer Leítman mcAoo Abmo Quandoem 1835os estancieirossul-rio-gran- denses levantaram-se em armas contra o go verno imperial dificilmente algum deles po deria imaginar que cento e cinqüenta anos depois seu ato ainda estaria repercutindo e provocando acirradas disputas políticas e históricas na antiga Província de São Pedro. No entanto, passado século e meio, isto é um fato. Um tanto estranho, de um lado; compreensível, de outro. Estranho porque se tratade caso único em todoo país,já que a própria Independência do Brasil, apesar de suanatureza limitadae contraditória,dei xou de ser tema polêmico,entendida que é hoje como um ato político-administrativo integrante do processo de decadência dos impérios ibéricos e de consolidação do ca pitalismo anglo-francés. Compreensível, de outro, pois nenhum grupo dirigente do pas sado - nem mesmo a oligarquia cafeeirado Vale do Parai"ba do Sul - mantevedeforma tão prolongada e Inconteste seu poderesua dominação como a oligarquia dos pecuaris tasdo sul. Procurando analisar e interpretar este fenô meno, a Editora Mercado Abertoreuniu em A Revolução Farroupilha: história &inter pretação - o vigésimovolume da Série Do cumenta —ensaios de historiadores e publi cistas que procuram tanto analisar ascausas do evento em si como interpretá-lo critica mente à luz do presenteeexplicaro fato de sua permanente presença na sociedade sul- rio-grandense. I im I imi IiTTippruiHif^iaSFy* Décio Freitas Helga I. Landgraf Piccolo José Hildebrando Dacanal• MargaretMarchíori Bakos SandraJatahy Pesavento Spencer Leitman A REVOLUÇÃO RUmOUPILHA HISTÓRIA A INTERPRETAÇÃO 1985 Série Documenta 20 PortoAlegre- RS (Ai. rm:ADoy\H\bmo Capa:Marco Cena Composiçáb:RicardoF.da Silva Supervisío:SissaJacoby CATALOGAÇÃONAFONTE R4S4 A RevoluçSò Farroupilha:história &interpretação [por ]Sandra J.Pesavento [eoutros ]Org. José Hildebrando Dacanal. PortoAlegre, MercadoAberto,1985. 128p. (Documenta,20) CDU981.65 323.272(816.5) O índicesalfabéticosparaCATALOCK)SISTEMÃnCO: História:RioGrandedo Sul 981.65 RioGrandedoSul:História 981.65 Revolução:Política:Rio Grandedo Sul 323.272(816.5) Rio Grandedo Sul: Revolução:Política 323.272(816.5) Bibliotecáriaresponsável:RejaneRaffoKlaesCRB-10/586. 1985 Todososdireitosreservadosa EditoraMercadoAbertoLtda. RuaSantosDumont,1186 - Fone (0512)22 8822 90000PortoAlegre-RS- Cx.Postal1432 APRESENTAÇÃO Ao projetarmos a Série Documenta no fmal da década de 1970 nossoobjetivoera o de formar umaestante de obrasqueanalisassema realidade sul-rio-grandense em seu passado e emseupresente,sempre numa perspectivaatual e crítica. Perspectiva, aliás,inevitávelnumaera de modernização e derápidastransformaçõespelasquaispassouepassa o estadoe asquaisnffo permitemmaisviver do e no passado masexi gem,pelocontrário, queelesejavistocomotal, comohistória. Cremos ter, pelo menos em parte,alcançado nosso objetivo.Hoje a SérieDocumenta constituiumaverdadeiraBibliotecado Gaúcho, mo- dema e esclarecedora, que interpreta suasorigense compreende o pre sente. Este volume, o vigésimo,se integra perfeitamente, como nSopo deria deixar de ser, nestalinha dasérieeaborda,em artigosde temática e perspectivas diversas,o conflito militar contraoImpério de 1835-45, o primeiro grande momento em que ficoupatente aforçadaoligarquia rural sul-rio-grandense, queporcercadeumséculocomandariaosdesti nos do estado e que até hoje ainda sobre ele lança sua sombra. Talvez nem sempre benéfica, mas sempre inevitável, porque inconsútil é a tú nicade Clio. OsEditores SUMÁRIO FARRAPOS,UBERALISMOE IDEOLOGIA (SandraJatahyPesavento) 5 1. Emtomo do tema 5 2. Ocontexto histórico rio-grandense nasprimeiras décadas do séculoXIX 9 3. As controvérsiasdo liberalismobrasileiro 16 4. Aideologia dosfarrapos 21 AGUERRADOSFARRAPOSEACONSTRUÇÃO DOESTADO NACIONAL(Helga1.L.Piccolo) 30 NEGROSFARRAPOS:HIPOCRISIARACIALNO SULDO BRASILNO SÉCULO XIX (SpencerLeitman) 61 AESCRAVIDÃO NEGRAE OSFARROUPILHAS (MargaretM.Bakos) 79 1. Introdução 79 2. Aspectoshistóricosda escravidãonegrano Rio Grande do Sul 80 3. Osfarroupilhaseo escravonegro 89 4. Conclusffo 96 REVOLUCIONÁRIOS ITALIANOS NOIMPÉRIO DOBRASIL(SpencerLeitman) 98 FARRAPOS:UMA REBELIÃOFEDERALISTA (DécioFreitas) 110 1. Uma questãbde método 110 2. As raízesdo centralismo 111 3. Osinteressesfederalistas 112 4. Asrebeliõesfederalistas 113 5. Os"empresários-guerreiros" 115 6. Umaestreitabasesocial 116 7. Arepúblicados estancieiros 117 8. Federalismoe democracia 119 RÉQUIEM, AINDAQUETARDE,PARAOSFARROUPILHAS ouO GrandeSuleraCoisaNossa! (José Hildebrando Dacanal) 122 FARRAPOS, LIBERALISMOEIDEOLOGU SANDRAJATAHYPESAVENTO» 1.Emtomodo tema A chamada "RevoluçãoFarroupilha" foi,semdúvida alguma, o maiordos conflitosinternosenfrentadospeloImpériobrasileiro nosé culo XIX. Para os rio-grandenses foi o evento político-militar que maior atenção recebeu da historiografía tradicional, que ressaltava a bravura de seus líderes e descrevia os numerosos —eàsvezes pitorescos—inci dentes doconflito queseprolongoupor dezanos. Realmente, a própria duração do episódio, a capacidade deresis têncialocalfrente àsimposiçóesdocentro eaestratégiadiferenciadado Império ao negociara pazcom os rio-grandenses fazemdo incidenteo alvode uma sériedeindagações. É possível dizer, até,queesteéoúnico episódio dahistórialocal conhecido nacionalmente (o que é lamentável, não pelo conhecimento da Revolução Farroupilha, maspelo desconhecimentoda históriaregio nal ...). ♦Professorade História do Brasile de História do RioGrandedoSulda UFRGS. Mestraem HistóriapelaPUCRGS. Muito se tem escrito sobre osfarrapos,indo desdeo relato cui dadoso eadescriçSb minuciosa dos acontecimentos* atétrabalhos de **brazilianists"que procuraramestabelecer relações entre gruposde in teresse econômico nobojodoconflito político.^ Durante algum tem po, foi preocupaçSò dosestudiososdefinir qual o princípio norteador domovimento, sea idéia darepública edoseparatismo,^ seoespirito do federalismo.^ Recentemente, novos trabalhos causaram grande polêmica nos meios regionais,na medidaemquequestionaram aheroicidade do prin cipallíderdaRevoluçãb,BentoGonçalves.^ Arigor,nã:osepretende negaravalidadedequalquer dessestraba lhos,umavezqueevidenciam pesquisa eapresentamcarátercientífico. Fazer isto seria náo ter em conta a dimensáò da históriaenquanto pro cesso cumulativodeverdades,eqüidistantetanto da posturaqueadvoga a existênciadeumaverdadeabsolutaquanto daqueadmiteaexistência detantasverdadesquantasforem oshistoriadores. Ahistoriografía,enquanto produçáó do conhecimento científico e, portanto, manifestação superestrutural, evolui esetransformacoma própria mudança das condiçõeshistóricasobjetivasque lhe servem de base. Destaforma,taisposturasdivergentes nSO sórepresentam frutos da atividade humana inserida num contexto histórico determinado como, uma vezcontrapostas, estimulam o debate e propiciam, porsua vez,arealizaçãodenovaspesquisaseestudos. Neste contexto,o quedizer—ou o quedizeralémdoquejáfoi dito- sobreaRevoluçãoFarroupilha? Esteensaionáòsedestinaatrazer áluznovosdados, fruto da pes quisa profundanasfontes,nemmesmo contribuirparaumaoutrainter pretaçãodosincidentes alémdaquelajá correntemente aceita,ou seja, de queoconflitorepresentouumarebeliãodossenhoresdeterraegado do Rio Grande doSulcontraadominação queaoligarquia do centro do país, empresária daindependência, buscava imporsobreasprovín ciasdajovemmonarquiabrasileira. *Spalding, Walter. A Revoluçáb FanoupWia. 2.ed.São Paulo, Nacional/INL, 1980;Laytano,Dante HistóriadaRe^blicaRio-grandense;1835-1845.2.ed. PortoAlegre,Sulina/ARI,1983. ^Leitman,Spencer.Ra(zessódo-econômicasdaGuerradosFarrapos.SãoPaulo, Graal,1979. ^Varella,Alfredo.HistóriadaGrandeRevohtçdb. PbrtoAlegre [s.ed.]1933. ^Souza, JP. Coelho de.RevoluçdbFarroupilha;sentido eespírito. 2.ed. POrto Alegre,Sulina,1972. ^Golin,Tau.Bento Gonçalves, oheróiiadrãó. Santa Maria,LGRArtesGráficas, 1983. Entretanto, quer parecer que aindahá espaço para reflexão eaná lise de alguns tópicos, como o da ideologia dos farrapos.Em outraspa lavras, em torno de um episódio sobre o qual muito se tem escrito, caberia tentar problematizarainstânciaideológica,apartirdadefinição de umadeterminada posturametodológica. Toma-seaqui ideologiana acepção que lhe deu Gramsci,ou seja, concepção de mundo que envolveuma norma de conduta adequada a ela.^ Portanto, paraGramsci não existeseparação entreo pensar e o agir,ouentre afilosofiaeapráxispolítica. "Esta identidade [. . . ] leva Gramsci a dizer [. . . ] que todo o homemmanifestaemsuaação [... ]umaconcepçãodemundo."'' Ora, todo grupo social tem uma concepção de mundo, mas, sob determinadascondiçóes,toma "emprestado",deumoutrogruposocial, uma nova concepção, adotando-a como sua. Omecanismo que está im plícito nesta "adoção" se revela na análise das condições históricas objetivas, nas quais se propicia a dominação de um grupo sobre os de mais,comaconseqüentesubordinação políticaecultural. Desta forma, a ideologia de uma sociedade é a ideologia de sua classe dominante, esuafunçãobásicaéadequar,justificaredarexplica ções sobre ajusteza, a perenidade e a legitimidade de lun determinado estado decoisas. Uma segunda dimensão da análise do problema da ideologia se encontra nascolocaçõesde MarilenaChauí,quandoafirmaque,através da ideologia, "os acontecimentos históricos são explicados de modo invertido"® ou que"a ideologia nãoé um'reflexo'dorealnacabeça dos homens,masomodo ilusório(istoé,abstrato einvertido) peloqual representam o aparecer socialcomo setalaparecerfossearealidadeso cial".' Isto se dá na medida em que a ideologiafornece umaexplicação do mundo e expressa uma pauta de conduta segundoos interessesde uma classe, interessesestesparciais,masque pretendem auniversalida de. Paraque isto ocorra é precisoqueseafirmeaquiloqueinteressafa zer crer e nãooqueocorreefetivamentenoplanodo concretoreal.To mandocomoexemplooliberalismocomoformadeexpressãodo pensa mento burguêsno séculoXIX,vê-se que, enquanto noplanodasidéias se afirma a liberdade política e econômica e a igualdadeentre os ho mens, em termos de oportunidades efetivas, no plano do concreto, o ®Gramsci,Antonio. Concepç(R> dialéticadehistória. 3.ed.RiodeJaneiro,Civili zação Brasileira,1978. p.14-5. ^Coutinho,CarlosNelson.Gramsci. PortoAlegre,L&PM,1981,p.83. ®Chauí, Marilena. Oqueé ideologia. 1.ed.São Paulo,Brasiliense, 1981,p.8S. ' Idem,p.l06. que serealizaé a dominaçãodo capital. Antesdemarcarumdistancia mentoentre arealidade eo pensamento,esta aparente ilogicidade ganha o seu real significado desde que se tenham presentes as conexõesorgâ nicasque sedão entre ainfraeasuperestrutura. Uma terceira dimensão do problema é colocada por Roberto Schwarz, ao analisar a vigência do liberalismona sociedadebrasüeirano século passado emdisparidadecomoescravismo.'° Aideologiadescre vea aparência e encobre o essencial,mas,no casodo Brasil,taisabstra ções burguesas não corresponderiam a nada. A idéia de Schwarz é de que, no Brasil,aideologiaseriaduplamente falsa:por retratarfalsamen te a realidade, a partir dos interessesde umaclasse,e porhaver falta de correspondência entre as idéiaseaestruturaeconômico-social,ou entre a representação e o seu contexto concreto. Neste caso,oautorconclui que as idéiasestariam "forado lugar". Retomandoaoexemplo do libe ralismo europeu, que no plano das aparências afirma a igualdade eali berdade de trabalho e encobre o essencial (a dominação burguesa), Schwarz indica que taisidéiasestariamdeslocadasde seucontextonum Brasil agrário e escravista, pois não representariam nem a realidade nema sua aparência. A contribuição de Schwarz provocou polêmica, abrindo-se o de bateemtornodaquestão seasidéiasestariamounãonolugar.** Apartir destascolocaçõesteóricas, pode-seagoraelaborar umaes tratégia de abordagein e de problematização da ideologiados farrou pilhas. Parte-sedo pressuposto de que o estudo da ideologiadeveseba sear na análise das condições objetivas locais na sua dimensão infra-es- trutural, ou seja, das formas históricas de produzir e da ação de seus agentessociais, portadores de determinadosinteresses e que searticu lam numa estrutura de dominação específica. Tais condições se tradu zem em relações de poder, que por sua vez se fazem acompanhar de uma determinadavisãode mundo,que parte da condutadoshomens. A ideologia neste caso, aparece como a representação destareali dade, mas elaborada de forma invertida, mediante o processo pelo qual as idéiasde um grupo se tornam as idéiasdetodos osgrupos,mas quevisamocultaresteprocessodedominação subjacente. *** Schwarz, Roberto. As idéias fora dolugar. \n:Estudos Cebrap 3.São Paulo, Brasiliense,jan.1973. **Franco, MariaSylviaCarvalho. As idéiasestãonolugar.In:CadernosdeDeba te. 2. ed. São Paulo,Brasiliense, 1976. p.61;Coutinho, Carlos Nelson.A demo craciacomovaloruniversal. São fóulo.CiênciasHiunanas,1980.