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a rebelião praieira PDF

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lzabel A. Marson A REBELIÃO PRAIEIRA .1 1981 CopyrzkÀf© lzabeIA. Marson C2zpa; 123( antigo 27) Artistas Gráficos Caricaturas: Emílio Damiani Revisão: José E. Andrade ÍNDICE Descobrindo a rebelião 7 Promover a prosperidade material e mora! do País 25 O Estudo Imperial e Q construçãoda ordem progressista 37 A questão praieira 45 55 A administração praieira (.1845-48) A conflagração dos engenhos 70 ,4 robe/íão 79 90 Repressão e progresso Indicações para leitura 96 editora brasiliense s.a. 01223 -- r. general jardim, 160 são paulo -- brasil DESCOBRINDO A REBELIÃO Morais, amigo do coração, Tudo está perdido sem remédio, só se podem salvar as nossas vidas e propriedades e a honra per- nambucana. Os inimigoss e armam por toda parte para esmagar-nos; é preciso convencê-los de que .não podem faze-lo, é preciso ensinar a um governo traidor que os povos são a única entidade quc existe no estado social, e trata a uma que não é cem semelhante insulto que se . .l. . a.A 'l n n oq.n n pronncta tão importante. Em ocasião que se trata duma causa tão grande, também muito grande deve ser a ação ( . . .), assim faz o bom cidadão. Assim o deputado geral Félix Peixoto de Brita e Meio anunciava a seu amigo Morais, oficial da Guar da Nacional, as justificativas para uma resistência armada na província de Pernambuco, .em nome da segurança pessoal e de propriedade, da autonomia provincial e dos direitos da cidadania, numa carta de 4 de maio de 1848.A partir daí, Rebelião,I nsur- reição ou Revolução Praieira passaram a ser deno- 8 9 .lkaóe/ .4. .A4arBP Rege/íão Praíefra minações diversas, significando versões divergentes, nârio e único no século XIX, significativod os pro- que este movimento recebeu nos vários trabalhos em fundos conflitos e opressões sociais de que a provín- que políticos e historiadores procuraram interpreta- cia de Pernambuco éra palco privilegiado. Nela os rebeldes teriam levantado a baifdeira de luta de uma dos conflitos qüe acompanharam a emergência vasta camada de oprimidos, que incluía especial- do Estado.N acioiíaln o Brasil no séculoX IX, a mente grupos sociais urbanos e rurais dependentes da grandep ropriedader ural, com o apoio de uma elite intelectual escudada nas propostas do ''socia- lismo utópico''. Os liberais praieiros seriam porta- dores de uma ideologia dos grupos sociais domina- dos, tal como os rebeldes europeus naquele momen- to. e a Praieira seria o testemunho nacional da Pri- mavera dos Povos. Os conservadores e repressores, por sua vez, se identificariamc om uma oligarquia de grandes e tradicionais proprietários da província, e que, à semelhança de seus congéneres europeus, es- tariam exercendos obre todos os grupos sociais res- tantes uma dominação feudal. Ambas as interpretações apanharam matizes e fragmentos isolados das explicações dadas pelos per- sonagens que viveram a Praieira, Com o que cons- frtzíram e divulgaram versões simplesmente divergen- tes. A primeira emergiu a Praieira no quotidiano do jogo político-partidário da época, negando-lhe qual- quer temporalidade específica ou significado histó- rico. Dissolvendo-a no tempo, condenou-a ao esque- cimento, segundo a conveniência, naquele momento, da política conciliadora entre os partidos, que o Im- pério inauguroue consolidoua partir de 1850.A segunda versão forçou uma especificidade revolucio- nária e com ela quis confirmar uma certa imagem 10 11 /zabe/ .4. .A/arxolR obe/lão Praleíra política, qual seja, a de que havia uma parcela da o Estado liberal e instauraram o modelo progressista elite proprietária inclinada a defender e a lutar pelos de nação. O significado da rebelião esta, portanto, interesses de todos os oprimidos. Procurou compro- no desentranhamento deste seu lugar no conjunto de var historicamente qbe os intelectuais, aliados àque- relações e no jogo contradit6ri8 das tendências de les proprietários e aos explorados em geral, puderam preservaçãoede mudança. . . . . formar uma frente ampla contra uma oligarquia Nos seus liames com a formação social de seu unida aos interesses estrangeiros (no caso, portugue- tempo, a rebelião praieira expressou os interesses de ses). Aqui também se apagou a especificidade que o determinados proprietários de terras e escravos! ma- movimentod a história constituiu na Praieira, mer- gistrados e comerciantes, os quais, na condição de gulhando-a numa historicidade tardia, aquela em únicos cidadãos com direitos políticos e possibilida- que se projetou o movimento nacionalista brasileiro de de atuação na sociedade pernambucana de 1848, nos anos de 1950. nela se inscreveram, comandaram, lutaram e tiveram A proposta que este livro traz pretende superar direito a julgamento. É preciso reconhecer que, essasv ersões fragmentárias que fizeram da Praieira numa sociedade fundada na escravidão, na grande ou um movimentop olítico produto apenas da dis- propriedade exportadora e na violência exercida pe- puta partidária, ou um acontecimento revolucionário los cidadãos proprietários, a participação das cama- excepcional. Ela descobre a rebelião no processo con- das dependentese dominadas, ao lado de seus se- traditório da história, interpretando-a como um mo- nhores, s6 poderia ser aceita se efetuada sob o co- vimento fdenf#7cado aos padrões de comportamento mando destes senhores. Reconhecer ainda, discor- político estabelecidos,p orém, ao mesmo tempo, dando da versão revolucionária, que os senhoresd e espec#7co, por ter criado um momento não repetido engenhon ão se engajariamn uma luta que pudesse na história. Busca o modo com que foi engendrada reverter a ordem que os privilegiava, em favor de por aquelas forças que reproduziam as relações de indivíduos que sequer consideravam cidadãos e dos dominação do período colonial, e ainda vigentese m quais só exigiam obediência. Senhores que compu' Pernambuco no século XIX, que agora sofriam mu- nham as forças policiais da Guarda Nacional,. assu- danças muito particulares em função do processo de mindo eles mesmos, sem nenhuma remuneração pe- redefiniçãod o capitalismon o Brasil e no mundo. cuniária, nas milícias civis, a tarefa de zelar pelo Foi esteo momentop reciso em que as novas relações funcionamento ordenado dos engenhos, controlando capitalistas, superando definitivamente o mercanti- a escravariae os trabalhadoresl ivres, e pela manu- lismo e o tráfico de escravosn as antigas áreas colo- tenção da ordem pública urbana, reprimindo os niais, fizeram triunfar as propostas que construíram ' desordeiros'' que promoviam os ''quebra-quebras lzabe! A contra as lojas dos portugueses. Senhores que, antes de tudo, se arvoravame m defensoresp róprios de suas vidas e propriedades, bem como as de seus pa- res, e que usaram da rebelião como um direito legí- timo dos cidadãos que se sentiam ameaçados pelos poderes do Estado, respaldados na doutrina liberal burguesa da propriedade e da cidadania. Imersa nas forças conservadoras de seu tempo, a Praieira inscreveu-se üo processo de gestação das nações ocorrido ao longo do século XIX na Europa e nas antigas áreas coloniais, entre elas o Brasil, como /' Ê $.. : +w .i parte das transformações que remodelaram o capita- t--'© g lismo a partir da revoluçãoi ndustrial inglesa. Este Ê\ l:'Ígrf'; processo foi vincado por conflitos e contradições ê tanto no relacionamento das novas nações com as V potências hegemónicas quanto entre as frações que b 8g 0 b compunham as elites das nações recém-constituídas. Na experiênciap articular brasileira, o amoldamento ê \ do Estado Nacional foi pontilhado de desacertos com { 0 D a Inglaterra (os tratados comerciais e a questão do m E tráfico de escravos) e de contínuos desacordos entre "". ! os grupos locais e regionais de proprietários de terras \..... Í. ã l a. e escravos, de um lado, e comerciantes exportadores L \ de outro, os quais se manifestaram nas rebeliõesd o período de 1820 a 1850. O comportamento das elites nas rebeliões não se definiu apenas pelos desacertos externos. À medida que se permeiam as relações sociais de dominação originadas na grande propriedade agroexportadora, percebe-se que tal comportamento se delineou tam- bém pelas pressões e reivindicações de outros grupos 14 15 /cabe/ .4. ]Warik Rede/fão Prafeíra rurais e urbanos com acesso à cidadania (lavradores, Reformava-se para conservar, nisto os senhores rendeiros, funcionários públicos, soldados e comer- de engenho, os fazendeiros de café e os criadores de ciantes), sem poder deixar de mencionar-sea pre- gado estavam de acordo. Não um acordo harmónico, sença silenciosa, porém maciça e decisiva, dos que porque havia divergências entro eles mesmos e deles não votavam, os homens livres pobres (moradores, coM os importadores europeus, dando ensejo a pro- libertos, caboclos, índios, escravos fugidos e biscatei- jetos políticos às vezes conflitantes: as medidas que ros urbanos) e os escravos. A natureza do Estado beneficiavam a produção e exportação do café nem brasileiro dependeu do modo com que foram acerta- sempre eram favoráveis ao açúcar e ao charque. As dos os interesses das fiações que o integravam; e sua discrepâncias não terminavam aí. O encaminha- atuação marginalizou as reivindicações dos eleitores mento político que agradava aos proprietários mais primários e exerceu o controle e a repressão absolu- consolidadosn ão atendia às necessidades dos mais tos dos não cidadãos, de cujo trabalho e exploração recentes que haviam enriquecido justamente com a dependia a produção agrícola. quebra do pacto colonial. No âmbito das referidas transformações do capi- Interesses momentaneamente diferenciados ori- talismo, os vários segmentos sociais da ordem escra- ginaram propostas políticas igualmente diversas: os vista, desde os senhoresa té os escravos, participaram grandes proprietários jâ enraizados de Minas e Per- segundo objetivos, expectativas e formas diferen- ciadas e contraditórias. Os detentores da proprie- riam grandes lucros no comércio externo, formu- dade entraram em posição de comando e esperavam lavam uma unidade política mais forte e a agluti- cansam'ar privilégios adquiridos, enquanto aqueles nação dos recursos nacionais, argumentando que excluídos da posse da propriedade se limitaram a uma grande nação territorialmente centralizada teria participar em obediênciae a cumprir ordens, bus- mais chances de se impor no mercado internacional, cando a garantia de sobrevivência. de barganharc om a Inglaterra, de atrair recursos Para os proprietários rurais e do comércio, as monetários externos para modernizar sua produção e mudanças redefinidoras das relações produtivas aco- de erguer uma infra-estrutura sólida de amparo à modaram seu desempenho à livre concorrência, à agricultura. Desta fala conservadora discordava a ampliação dos mercados e às inovações técnicas da oração emergente de proprietários. As fortunas mais produção, no intuito de reafirmar a sua posição pri- ni)vas de Pernambuco, Minas e Rio Grande do Sul, vilegiada nos lucros e no relacionamento social de apesar de sua intervenção atava na concretização do dominação, e visando a permanência e reprodução 7 de abril (Abdicação), continuavama ter uma re- da propriedade monocultura e exportadora. presentação muito restrita no Senado vitalício do 17 16 lzabel A. Mais(Ü RebeliãoP raieira Ao fundir-se na proposta conservadora, os libe- Império, dominado pelos políticos tradicionais. Com rais batalhavam, aciiBa de tudo, pela conservação da isso, viam suas reivindicações .soarem isoladas, de- sencontradas e pouco ouvidas num Estado centrali- grande propriedade territorial exportadora e o cor- zado. Até antes de 1850, as chances de partilhar das respondentep apel da nação fornecedora de produtos benessesd o poder eram muito difíceis para essas tropicais, não questionando, portanto, as formas co- loniais remanescentes. Somente divergiram, em al- novas fileiras do Partido Liberal, como ilustraremos no caso dos praieiros. Não obstante, para continuar a guns momentos, da maneira como este objetivo de- veria ser encaminhado, insistindo em respeitar a crescer e consolidar-se,p recisavam mais do que nunca do apoio financeiro vindo do mesmo Estado. particularização dos interesses regionais, mesmo que A conservaçdãaoa utonompiaro vinciaal ,r e- para isso se precisasse fugir à órbita inglesa. A alter- nativa liberal siiscitava, porém, um problema: seriam tenção das rendas provinciais nos locais de origem, os recursos regionais suficientes para avalizar os a possibilidade de penetrar no Senado e uma política financeira protecionista constituíam as reivindica- empréstimos essenciais à modernização da agricul- tura? Teriam as produtoras de açúcar (sofrendo çõesp olíticas que favoreceriam as oraçõesd issidentes do Partido Liberal, que ainda tinham a seu alcance a grande concorrência no mercado externo) condições de atrair os capitais necessários? administração provincial. Em alguns períodos, no Se os empréstimos fossem obtidos através do longo processo de construção da autonomia política Estado, fatalmente os interessesd os produtos mais nacional, a descentralizaçãop retendida chegou aos rentáveis prevaleceriam, no caso os do café. Neste limites de uma separação de fato, como em 1824 na quadro, a situação de Pernambuco era delicada, pois Confederaçãod o Equador e em 1835n a República precisava aumentar e modernizar a lavoura cana- do Piratini. Mas depois de 1830, aproximadamente, vieira para fazer frente às exigências do mercado ex- as novas tendências da acumulação capitalista supe- terno. Como poderiam, para alcançar esta meta, ga- raram a proposta de fragmentaçãop olítica. Gradati- nhar o apoio imprescindível do Estado Imperial e dos vamente, os objetivos liberais foram afinando-se ao fazendeiros de café, sem ferir os seus interesses parti- tom conservador, no esforço de preservar a qualquer custo a unidade política, sinónimo da unidade de culares que colidiam com os de seus prováveis alia- dos? Esta divergência estava no núcleo das rebeliões mercado e recursos em prol da ordem vigente. En que acompanharam a constituição do Estado brasi- 1848, a Praieira já abandonara a idéia de separação leiro no século XIX; entretanto, ao contrario do que do Nordeste e defendia somente a manutenção de enfatizam algumas interpretações sobre o período, certa autonomia provincial e de uma articulação do em momento algum ameaçou a vigência da ordem comércio local segundo os interessesr egionais. H H 18 19 lzabe/ 4. MarsjRebe/íão Prafeíra interna ou questionou o teor do relacionamento com no Fico e no 7 de abril, os momentosm ais cruciais, o mercado internacional, embora tenha levado a elite a participação dos dependentes urbanos -- soldados, proprietária a bater-se frontalmenten o Rio Grande artesãos e assalariados -- foi indispensável, daí seus do Sul, Minas e Pernambuco contra o poder central. problemas específicos (a desvalorização: da moeda, A proposta conservadora venceu a disputa por a exploração dos portugueses? a cidadania e a nacio- ser a mais adequada às tendências concentracionis- nalização do comércio a retalho) figurarem mais cla- tas da acumulação capitalista. A partir de 1850, a ramente nos programas políticos. Mas à medida que concentração de capitais, que acompanhou o pro- os proprietários se firmaram e definiram sua estra- cesso de consolidação e expansão da revolução in- tégia na construção do Estado, as propostas republi- dustrial, sobrepujou o programa fragmentário e re- canas -- ligadas a estes setores -- foram gradativa- gionalizada de algumas alas liberais. Contudo, os mente retiradas e postas fora da legalidade, da vencidosn ão ficaram excluídos da ordem vencedora mesma forma que os dependentesu rbanos foram que posteriormente os anistiou e os absorveu. Assim habilmente segregados do poder; De 1835 em diante, como foram gerados pelo /afsxez./abre,n a primeira só lhes restaram alianças esporádicas com os liberais metade do século, os antigos liberais foram acolhidos mais rebeldese situados em posição de impasse, o pelo movimento concentrador do capital na abertura que se verificou com os praieiros em 1848; ou então, dos mercados ingleses e europeus que, embora pa- o protesto.isolado, ocasional e já desfigurado que gando menos, passaram a consumir o açúcar em eclodia nos momentos mais difíceis, os vários ''mata- maior escala, enriquecendoe diversificandoo nú- marinheiros'' pronta e severamenter eprimidos. mero de fornecedores. Para os criadores de gado, por Jâ os dependentes rurais, rendeiros e morado- sua vez, a expansão cafeeira e a urbanização, respal- res, não chegaram sequer à alternativa de expor iso- dadas na centralização política, abriram as portas do ladamente seu protesto pela marginalização. Disper- mercado interno. samente distribuídos nas grandes propriedades ru- Seria enganop ensar que as rebeliõess e confi- rais, continuaram a combater sempre na Órbita de naram à movimentaçãod as elites, dada a presença seus senhores. Igual sorte tiveram os livres pobres, das mencionadas camadas de dependentes, que sem- os libertos, caboclos, índios e negros fugidos, rele- pre lutaram ao lado de seus senhores e sem as quais gados às matas fronteiriças. Suas reivindicações nun- as disputas não poderiam concretizar-se. As reivin- ca foram incorporadas em nenhum programa polí- dicações dos eleitores primários chegaram a constar, tico. Sua revolta perdeu-se nos movimentos messiâ- se bem que timidamente, dos programas dos liberais nicos, na voz dos beatos duramente perseguidos, ou em alguns períodos. Na luta pela independência, no isolamento dos bandos de fofas-da-lei confinados

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