A questão da Palestina FUNDAÇAO EDITORA DA UNESP Presidente do Conselho Curador Herman Jacobus Cornelis Voorwald Diretor Presidente José Castilho Marques Neto Editor-Executivo Jézio Hernani Bomfim Gutierre Assessor Editorial João Luís Ceccantini Conselho Editorial Acadêmico Alberto Tsuyoshi Ikeda Áureo Busetto Célia Aparecida Ferreira Tolentino Eda Maria Góes Elisabete Maniglia Elisabeth Criscuolo Urbinati Ildeberto Muniz de Almeida Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan Nilson Ghirardello Vicente Pleitez Editores-Assistentes Anderson Nobara Fabiana Mioto Jorge Pereira Filho Edward W. Said A questão da Palestina Tradução Sonia Midori © 1992 by Edward W. Said All rights reserved © 2011 da tradução brasileira Título original: The Question of Palestine Fundação Editora da Unesp (FEU) Praça da Sé, 108 01001-900 - São Paulo - SP Tel.: (Oxx11) 3242-7171 Fax: (Oxx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livrariaunesp.com.br [email protected] CIP - Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ ___________________________________________________________________________ SI 39q Said, Edward W., 1935-2003 A questão da Palestina / Edward W. Said; tradução Sonia Midori. — São Paulo: Ed. Unesp, 2012. Tradução de: The Question of Palestine ISBN 978-85-393-0234-5 1. Relações árabe-israelenses. 2. Palestinos. I. Título. 12-1747. CDD: 956.94 CDU: 94(569.4) ____________________________________________________________________________ Editora afiliada: Sumário Prefácio à edição brasileira Prefácio à edição de 1992 Introdução 1- A QUESTÃO DA PALESTINA I. A Palestina e os palestinos II. A Palestina e o Ocidente liberal III. A questão da representação IV. Direitos palestinos 2- O SIONISMO DO PONTO DE VISTA DAS VÍTIMAS I. O sionismo e as atitudes do colonialismo europeu II. Povoamento sionista, despovoamento palestino 3 - RUMO À AUTODETERMINAÇÃO PALESTINA I. Os remanescentes, os exilados, os reféns da ocupação II. O surgimento de uma consciência palestina III. A OLP ganha importância IV. Os palestinos ainda em questão 4. A QUESTÃO PALESTINA APÓS CAMP DAVID I. Termos de referência: retórica e poder II. Egito, Israel e Estados Unidos: o que mais o tradado envolvia? III. Realidades palestinas e regionais IV. Futuro incerto Epílogo Notas bibliográficas Referências bibliográficas Prefácio à edição brasileira Salem. H. Nasser 1 O povo palestino existe. É esta verdade que a obra de Edward Said vem reafirmar e lembrar. Uma verdade histórica que deveria ser evidente, mas que vários esforços combinados, voluntária ou involuntariamente, diluem e enterram sob as camadas de despossessão, de desterro, de ocupação, de esquecimento e de negação. Dessa verdade decorre um imperativo: aos palestinos, individual e coletivamente, como seres humanos e como povo, correspondem direitos de que o esforço de negação insiste em despi-los, mas que aos palestinos cabe perseguir e aos demais reconhecer, observar e assegurar. A realidade da existência do povo palestino se construiu histórica e concretamente sobre um território identificável e, ainda hoje, quando em grande parte essa existência foi empurrada para fora da terra, a identidade dos palestinos se afirma e se reconstitui continuamente em referência à ligação com o território da Palestina. A tragédia palestina é territorial na medida em que uma outra pretensão – mais forte, mais estruturada e mais relevante no que se poderia chamar de jogo das nações – reclama o domínio não partilhável da terra. Mas é também uma tragédia de negação e, em certo grau, de invisibilidade: a narrativa palestina é gradualmente apagada, escondida e suplantada por outra que lhe faz concorrência e, ao mesmo tempo, a substitui por representações reducionistas e caricaturais. Muitas vezes, no Ocidente e nos Estados Unidos como em nenhum outro lugar, os palestinos pareciam falar contra o vento, quer por suas próprias falhas, quer por falta de ouvidos que os quisessem escutar. Edward Said, que conquistara um lugar no coração do universo acadêmico e intelectual norte-americano, percebeu a centralidade do papel dos Estados Unidos na determinação dos destinos do Oriente Médio e, por conseguinte, no desenrolar e no desfecho do drama palestino. Ele viu na incapacidade palestina de fazer avançar a sua narrativa e a legitimidade das suas demandas, de influenciar a orientação da política norte-americana para a região e de sensibilizar a opinião pública desse país uma limitação potencialmente fatal para suas reivindicações. Escrito entre 1977 e 1978, A questão da Palestina, de modo imediato e em parte, foi uma tentativa de escapar dos pontos cegos da diplomacia dos Estados Unidos e do viés ideológico das Ciências Sociais que lhe davam suporte. Talvez seja possível discernir um pequeno otimismo no tom adotado por Said ou uma vaga esperança de que a contínua resistência palestina contra o desaparecimento – a única vitória relativa desse povo – estava prestes a aumentar o alcance de seus argumentos de legitimidade e de sua narrativa. Os palestinos apareciam, então, finalmente representados por uma Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que se mostrava apta a melhor advogar a causa. O otimismo e a esperança persistiram até a nova edição da obra, publicada em 1992 com nova apresentação de Said, mas desapareceram depois dos acordos de Oslo que vieram a seguir. Nesses acordos, Said testemunhou aquilo que considerou ser a renúncia de Arafat e de seu grupo às demandas históricas e legítimas do povo palestino, uma renúncia confirmada mais tarde pela Autoridade Palestina, com o Fatah à frente. A produção posterior de Said revela a dimensão de seu descontentamento com o aprofundar da tragédia que ainda acomete os palestinos. Apenas resistirá o otimismo decorrente da crença na igual humanidade de judeus e palestinos, da qual poderia ser forjada uma convivência comum. A última grande causa do século XX Além do tom adotado por Said nesta obra, marcado pelo contexto em que se escrevia o livro, várias peças do mosaico apresentado em A questão da Palestina precisam ser percebidas como fotografias dos fatos tal como estes se apresentavam naquele instante histórico. Todos os números de anos de ocupação, de refugiados, de imigrantes judeus, de desapropriação e destruição de casas etc. só fizeram aumentar e precisam ser mentalmente atualizados. Feito esse exercício, a estatura do livro se revela por inteiro e ganha magnitude quando vista através da lente dos mais de trinta anos durante os quais aquela mesma questão da Palestina não apenas ficou sem solução, mas pareceu afastar-se consistentemente de qualquer desfecho justo. Não é, no entanto, apenas da permanência da tragédia que o livro tira sua extraordinária e duradoura força. Esta decorre da combinação precisa de ao menos três esforços: Said apresenta o drama palestino como um problema de profundas implicações, essencialmente conectado com a afirmação dos direitos humanos dos indivíduos e do povo palestinos; caracteriza-o como uma oposição entre uma presença e uma ausência desse povo; elenca e discute as condicionantes fundamentais e duradouras desse drama. A durabilidade, a permanência mesmo, dos traços com que desenhava então Said a questão da Palestina é impressionante e oferece testemunho da acuidade e da capacidade de penetração de seu olhar observador. Centrais entre esses traços, e especialmente atuais, são a tendência do Ocidente de fazer uma associação de cunho orientalista entre palestinos e as representações negativas do árabe, do Oriente e do Islã – a que se conecta sempre, é claro, o terrorismo – e a substituição da voz própria dos palestinos pelo discurso ocidental, especialmente sionista e pretensamente especialista, sobre os palestinos. No desenho de Said, a luta pela autodeterminação também subsiste, mantém-se constante, e tira sua força vital do aprofundamento da consciência e da identidade. Naquilo que as circunstâncias mudaram e naquilo que eventos subsequentes vieram superar e transformar, este livro desvela momentos cruciais e fornece chaves de leitura fundamentais de uma história que precisava reconhecer a voz e as perspectivas palestinas. A questão da Palestina mostra-se, assim, uma peça indispensável para a compreensão desta que era vista por Said como a “última grande causa do século XX", e que sobrevive inteira neste início de novo século, por oferecer uma leitura penetrante de lances fundamentais da história, mas sobretudo por enquadrar a questão numa moldura sempre atual, constituída, num extremo, pelos profundos efeitos do sionismo sobre o povo palestino e, no outro, pela morte lenta, gradual, hoje consumada do chamado processo de paz, morte essa presidida por Estados Unidos e Israel. A publicação do livro pela primeira vez no Brasil deve ser festejada. A obra de Edward Said não é desconhecida entre nós, mas nestes tempos em que o Brasil vai adquirindo a estatura que deve ser a sua, e quando não quer, nem deve querer, escapar dessa questão central das relações internacionais, dos esforços de manutenção da paz, da promoção dos direitos humanos e da distribuição de poder no mundo, difundir esta obra em português é uma necessidade inadiável. Depois de Oslo No prefácio à edição de 1992, Said arrolava alguns dos eventos relevantes que se interpuseram entre a redação do livro e o momento em que se preparava aquela edição. O mundo que resultava daqueles eventos e fatos era um mundo novo, mas a questão palestina persistia, marcada, em suas palavras, pela “expropriação, o exílio, a dispersão, a privação dos direitos civis”. Não foram poucos os eventos, também transformadores e relevantes para a questão palestina, ocorridos no curso dos vinte anos que nos separam de 1992. Celebraram-se os acordos de Oslo em 1993, que “cediam” alguma autonomia aos palestinos em trechos limitados do território, como contrapartida ao fornecimento de garantias de segurança a Israel, mas postergavam a discussão dos temas mais espinhosos, tais como os direitos dos refugiados e o status de Jerusalém. Seguiram-se a instalação da Autoridade Nacional Palestina (ANP), em 1994, e a eleição de Yasser Arafat como