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A política externa dos Estados Unidos e a América Latina PDF

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A POLÍTICA EXTERNA RECENTE DOS ESTADOS UNIDOS E A AMÉRICA LATINA (1990-2012) Vitor Eduardo Schincariol 1 CECS-UFABC I. O PANORAMA NA DÉCADA DE (19)90 No início dos anos (19)90 desapareceram a União Soviética e o campo socialista internacional, dando-se uma readequação da política externa dos Estados Unidos ao novo contexto. Esta concentrou-se nos temas dos chamados “terrorismo”, “combate às drogas”, “direitos humanos”, “livre comércio” e “democracia”. Com o desaparecimento da União Soviética e do bloco socialista, a nova agenda consistiria em aproveitar o grande vácuo de um poder contra-hegemônico à altura para intensificar a influência dos valores e capitais do país em escala global. Isto evidentemente incluía a América Latina, tradicional reduto do exercício de poder hegemônico norte-americano. Independentemente de origens etimológicas ou discursivas, a noção de uma “globalização”, entendida como denotando um mundo com menores protecionismos comerciais e maior conectividade (financeira, informacional etc.) mediante mídias e novos aparatos tecnológicos, interessava ao governo dos Estados Unidos. Com o fim da União Soviética, ele mesmo voltou-se para a difusão desta noção, traduzida em termos concretos na promoção de políticas de ataques às barreiras comerciais, financeiras e de natureza semelhante, bem como de liberalização de investimentos e comércio locais. Os países da América Latina foram um dos laboratórios para este exercício renovado de poderio hegemônico. No início da década de (19)90, o contexto histórico global e na própria América Latina eram propícios para uma intensificação das políticas de interesse dos Estados Unidos. A inflação oriunda da crise da dívida externa da década anterior era generalizada. Houve sucessivas rodadas de recessões e o desemprego estrutural urbano fixara-se. A inflação e a crise econômica representavam um ambiente negativo para os negócios privados. Tacitamente, à medida que a inflação tornava-se hiperinflação, crescia o consenso de que apenas medidas drásticas poderiam levar a uma estabilização dos preços. Entrementes, o desaparecimento do contrapoder hegemônico representado pela União Soviética criava um espaço de manobra maior aos Estados Unidos. Estes eventos foram aproveitados na forma do que se chamou de “políticas neoliberais” ou “Consenso de Washington”, aplicadas preponderantemente no Leste Europeu e América Latina. 1 Correio eletrônico: [email protected] /. 1 Com as políticas de rápida abertura dos mercados locais de Brasil, Argentina, México e outros países em condições semelhantes, o potencial democrático e reformista que nascia das redemocratizações políticas de muitos dos países latino-americanos foi rapidamente abafado por um aumento inédito do desemprego e o surgimento de novos problemas sociais vinculados a ele. Isto obscureceu as perspectivas da realização de políticas emancipatórias com a integração crescente da sociedade civil. O Anuário Estatístico da CEPAL informa, por exemplo, que na Argentina a formação bruta de capital fixo com relação ao produto interno bruto caiu de 72% para 59% entre 1990 e 1997; a do México, de 50 a 45% no mesmo período; a Venezuela apresentou baixa deste componente de 55% a 50% no mesmo período. O perfil é similar para a área como um todo. 2 Com isto, o aumento do consumo de entorpecentes, a criminalidade e o comércio ilegal em geral tornaram-se problemas urbanos graves nestes países, ficando o cenário prévio de subdesenvolvimento mais complexo e de difícil manejo, tanto por meio da organização popular como pelas próprias políticas oficiais. Obviamente, maior liberdade de comércio levou a maior facilidade de entrada de armas e munições, potencializando os crimes. Um “Estado menor” significou escolas piores e serviços públicos degradados. O primado do individualismo como nova norma social organizativa também corroeu laços de coesão social. Particularmente, o consumo e venda de drogas cresceram devido ao aumento das frustrações coletivas, dado o bloqueio de oportunidades de ascensão material para a maioria, bem como por uma necessidade econômica em sentido estrito, dado o encolhimento dos empregos formais em toda a área. Estes aspectos societários podiam ser ignorados pelas abordagens “ortodoxas” à frente da política econômica, mas os que buscavam explicar tais fenômenos à luz de alguma pretensa teoria social não podiam separar analiticamente as causas e as consequências do modelo societário adotado. Assim, o “pacote neoliberal” implicou uma intensa rodada de concentração do capital, perdas salariais, desnacionalização, financeirização dos orçamentos fiscais. O contexto geral era de perda do controle de variáveis macroeconômicas fundamentais, tal como expresso na dolarização da economia argentina e equatoriana. O México, por exemplo, assinara em separado um tratado de livre-comércio com Canadá e Estados. O North American Free Trade Agreement abria espaço para a exportação de petróleo e bens maquilados a partir do México para o extenso mercado canadense e estadunidense, mas a maior parcela de desemprego resultante desta união comercial de estruturas econômicas tão díspares teve de ser suportada pelo México, na forma da proibição da movimentação do fator trabalho entre as três nações. Era óbvio que qualquer perspectiva de desenvolvimento industrial autônomo do México estava selada desde então. Todavia, este não era um problema das corporações que estavam à testa destas modificações assinaladas; não era um problema “. 2 Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). Anuário Estadístico de América Latina y Caribe, 2000. Tabela 79, “Formación de Capital y Financiamento”, p.98. 2 Estas modificações também prejudicariam pequenos e médios empresários, uma parte importante das classes médias, e profissionais liberais de forma geral, sob diferentes aspectos: (a) queda da demanda agregada; (b) rebaixamento geral de salários mais altos via queda relativa do salário mínimo e aumento do desemprego; (c) aumento da violência urbana e crescimento dos gastos com segurança; (d) queda da qualidade dos serviços públicos. Todavia, muitos destes setores sociais apoiaram a aplicação das políticas mencionadas, tanto porque elas se identificavam com um já tradicional apoio às políticas norte-americanas existentes na área, tanto porque tais políticas foram patrocinadas com a promessa de resolução da hiperinflação e das deficiências do antigo processo de substituição de importações (P.S.I), na forma de maior concorrência e qualidade para particularmente os bens finais. À medida que os resultados econômicos destas políticas foram se tornando mais claros, arrefeceu o apoio de parte das classes médias às políticas liberais adotadas, mas isto nunca chegou a ser um consenso. Os grandes beneficiários desta reconfiguração do poder econômico na América Latina foram os investidores e capitais internacionais, muitos deles estadunidenses, e com isto, de forma global, a própria política externa dos Estados Unidos, que via consolidados seus objetivos gerais de “livre” comércio e abertura de mercados. Este benefício foi estendido em parte aos setores econômicos nacionais que lograram sobreviver às sucessivas falências locais, bem como aos grupos sociais melhor posicionados (executivos com altos salários, funcionários públicos de altos escalões, trabalhadores dos setores pouco expostos à concorrência externa, dentre outros). Estes continuariam fiéis apoiadores de medidas pró-mercado, independentemente de as condições econômicas e sociais estarem deteriorando-se de forma rápida, como era o caso do acesso ao gás, agora privatizado, durante a presidência de Sánchez de Lozada na Bolívia (1993- 1997), ou do governo de Carlos Andrés Perez na Venezuela (1988-1993), cujas medidas draconianas levaram a uma dramática rodada de protestos conhecida como o Caracazo, em 1989. Assim, com o neoliberalismo, o capital internacional aumentou sua participação na economia latino-americana como um todo, tanto em forma de ativos produtivos, vendas finais, e obrigações financeiras. Em alguns países, como a Argentina e o Chile, até mesmo os serviços de correio e previdência pública, no caso da primeira, ou ensino, no caso do segundo, estavam privatizados e frequentemente em mãos de empresas estrangeiras. Na Venezuela, a maior empresa nacional, a PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A.), havia sido também privatizada. No Brasil, as privatizações ocorreram em muitos setores, como os serviços de telefonia públicos, vendidos ao capital privado. A compra da Telesp (Telefonia do Estado de São Paulo) pela Telefónica espanhola, sendo esta empresa pública em seu país originário, era apenas um exemplo de como o neoliberalismo não era uma necessidade econômica ou uma única opção, já que ele era argumentando em torno de uma (suposta) natural ineficiência dos serviços públicos. 3 A abertura rápida dos mercados locais, conjugada com uma extensa desnacionalização dos serviços, encolhimento de plantas produtivas e valorização artificial do câmbio (fundamental para o controle da inflação em seu início), gerou uma instabilidade crescente nos balanços de pagamento da região. A área como um todo conheceu um profundo aumento dos déficits em transações correntes, que se elevou de dois bilhões e noventa e dois milhões de dólares em 1990 para nada menos que cinqüenta e um bilhões de dólares em 1995. 3 Aumentou de forma geral o cômputo das remessas de lucros ao exterior e os déficits comerciais, intensificadas pela desnacionalização do setor de serviços sem capacidade de exportação (ensino, telefonia, geração de eletricidade). Assim, em fins da década de (19)90, a hegemonia estadunidense estava consolidada. Seus principais potenciais desafiantes, na forma projetos nacionais autônomos e não-alinhados, haviam sido eliminados seja pela força das consequências econômicas da nova conjuntura, seja pela intervenção militar. Exemplos do segundo caso foram El Salvador, onde governos direitistas foram diretamente apoiados pelos Estados Unidos para não só combater, mas massacrar guerrilheiros e seus apoiadores populares nos anos (19)80, bem como a Nicarágua, na qual a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) foi combatida ferozmente com recursos norte-americanos (na forma dos chamados contra), a despeito de ter derrubado um governo inepto e corrupto (a ditadura da família Somoza). Apoiando e encontrando apoio dos governos eleitos ao longo dos anos (19)90 na América Latina, tendo abafado os focos de insurgência guerrilheira em diversos pontos do mapa latino-americano, e tendo enfrentado razoável facilidade na aplicação de políticas de abertura e privatização, os Estados Unidos não tinham razões para ver a América Latina como uma região prioritária para seus interesses estratégicos. O fluxo de petróleo venezuelano e equatoriano estava garantido. Suas empresas ocupavam os postos-chave das economias brasileira, argentina e mexicana. Havia um clima de consolidação dos valores pró-mercado e de atuação do capital estrangeiro, com uma crise dos movimentos trabalhistas organizados. Religiões “neopentecostais” difundiam-se, sem nenhuma implicação inconveniente aos valores sociais dominantes, o mesmo se dando com os cartéis da droga. Neste ínterim, a política externa dos dois governos Clinton (1993-2001) trabalhava uma estratégia de ainda maior integração econômica para a área como um todo, na forma da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). 3 Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL). Anuário Estadístico de América Latina y Caribe, 2000. Tabela 259, “Balanço de Pagamentos, Balanço de Conta Corrente”, p.444. 4 II. A POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE NOS ANOS 2000 Ao longo dos anos (19)90, como reflexo da queda da União Soviética, as compras do governo federal estadunidense junto ao setor militar passaram por um encolhimento. O novo ambiente de exercício do poder unipolar teve como contrapartida temporária a diminuição da importância relativa do setor militar no orçamento do governo federal. Com isto, após 1991, as compras do governo de bens militares, que haviam chegado a 383 bilhões de dólares neste ano, foram sendo reduzidas sucessivamente, até o piso de 346 bilhões de dólares em 1998, na administração Clinton. 4 Este foi um dos fatores mais importantes para a obtenção dos superávits fiscais vistos neste interlúdio. A queda da União Soviética permitiu uma maior presença norte-americana no Leste Europeu. Países como a Polônia, onde o capitalismo fora restaurado, docemente ofereceram oportunidades de alocação estratégica aos efetivos estadunidenses, para descontentamento da soberania regional de uma Rússia enfraquecida. O monitoramento de potenciais rivais locais, como a China, e a garantia da presença estadunidense em áreas de instabilidade, como a ex- Iugoslávia e os Bálcãs, intensificaram-se. Em especial, os Estados Unidos toleraram e mesmo induziram o rápido desmembramento daquela antiga federação de estados socialistas. O fim da Iugoslávia, e depois de uma Sérvia forte, favoreceu a instalação das bases militares da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na área balcânica, também como cabeça de ponte para o “meio oriente”. A dissolução da federação iugoslava, objetivo explícito das forças da OTAN, levou à desestruturação repentina dos mecanismos de organização social previamente existentes, com consequências sociais dramáticas. 5 Elegeram-se, todavia, os líderes locais que resistiram à dissolução da federação como os únicos “inimigos da humanidade” daquele processo de guerra civil (Slobodan Milošević, Ratko Mladić, dentre outros). 6 A mídia internacional hegemônica cobriu estes eventos com a natural tendenciosidade. 7 4 Ver Governo dos Estados Unidos, Economic Report of the President, vários números. 5 Ver por exemplo a obra de Peter Gowan, A Roleta Global (1999). 6 A desestruturação rápida dos mecanismos de administração macroeconômica em todo o Leste Europeu, a partir de 1990, conduziu a uma intensa crise econômica e social que até hoje repercute. O fim do planejamento econômico centralizado somente trouxe ganhos àqueles que apoderaram do capital instalado então existente na forma de “súbitos donos”, bem como às empresas internacionais que se instalaram na região, comprando ativos desvalorizados e ocupando espaços. Os serviços públicos deterioraram e o desemprego estrutural instalou-se, repetindo o que ocorria no resto do mundo subdesenvolvido. Mas a política norte-americana e europeia para a área nunca considerou uma volta para trás. 7 O modelo iugoslavo de socialismo democrático, idealizado pelo Marechal Tito, havia trazido paz à complexa região dos Bálcãs desde 1945. Com uma rotação das distintas nacionalidades que compunham a federação iugoslava no poder do executivo nacional, autonomia internacional e auto-gestão dos trabalhadores, a Iugoslávia compunha uma das experiências mais avançadas de organização social do século XX. Daí o estímulo a sua dissolução pelas tropas da OTAN. Ver John Eatwell et alii (orgs.), Problems of Planned Economy (1990) e Mark Mazower, Dark Continent (1998). 5 A política externa norte-americana reorientou-se em função das novas condições geopolíticas. O “complexo industrial-militar”, desejoso de uma recomposição de suas verbas em queda, pugnava pela criação de novos imperativos e novos inimigos. O léxico discursivo do Departamento de Estado e do Pentágono foi recomposto para justificar posições consolidadas e potencialmente ampliáveis, não somente na América Latina. O “combate às drogas”, as eleições “livres”, os interesses “humanitários”, o “terrorismo”, o “combate ao mal” (“doutrina Bush”) eram antigos ou novos argumentos, reforçados, de justificativas para ingerência em assuntos internos de nações periféricas. Desenvolveu-se no Pentágono, durante a administração W. Bush (2001-2009), uma nova doutrina de estratégia militar: a de “desestabilizar pelo trauma”. Tal consistiria em empreender operações militares rápidas e altamente desestabilizantes pelo uso de um grande choque inicial. Tal foi batizado de “doutrina do choque”. 8 Neste Oriente Médio, as políticas de isolamento do Iraque, Irã e da Síria, o mesmo se dando com a Coreia do Norte no extremo asiático, buscaram enfraquecer tais projetos contra- hegemônicos. De modo geral, como assinalado, o desaparecimento da União Soviética conferiu maior margem de manobra aos Estados Unidos para o exercício desta política. Isto era reforçado por uma posição muito prática das autoridades chinesas, o suposto rival “contra-hegemônico” mais óbvio. As autoridades chinesas, todavia, não “ideologizaram” nenhum conflito potencial e atinham-se a pressupostos estritamente legais quando estavam em jogo seus interesses, como se veria depois na oposição chinesa à guerra contra o Iraque expressa no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), ou, mais contemporaneamente, na oposição às sanções e posterior invasão da Líbia pela OTAN (2011). Não fazia parte da estratégia chinesa uma disputa aberta com os Estados Unidos, em termos um projeto societário alternativo, mas as autoridades reservaram-se o direito de oporem-se às ilegalidades cometidas pelos Estados Unidos, como quando se decidiu pela invasão do Iraque sem autorização do Conselho de Segurança em 2003. À China importava-lhe o volume de negócios que se podia obter por meio de negociações preponderantemente pacíficas, independentemente de regimes. Apesar de seu crescimento investimento militar, as autoridades chinesas não se atribuíram o papel de substituir a União Soviética, o que evidentemente não faria sentido econômico, dado o grande vínculo da China com o mercado norte-americano. A estratégia de inserção externa chinesa era, em essência, de soft power, pragmática, não belicista, com isto evitando-se os custos que, em última 8 Privatização das forças armadas, com rebaixamento de salários e maus-tratos inclusive de soldados estrangeiros pagos, também compunham a nova doutrina militar do Pentágono advogada por Colin Powell. Ver “Soldados africanos para guerras norte-americanas”, Le Monde Diplomatique (Brasil), Julho de 2012, p.21-23. Uma de suas consequências inevitáveis foram os inúmeros casos de abuso das forças armadas estadunidenses com relação a prisioneiros e civis no Afeganistão e Iraque. Ver Naomi Klein, A doutrina do choque (2007). 6 instância, levaram a União Soviética a desaparecer (competição declarada em termos econômicos e militares com uma nação mais industrializada). Ou seja: o Departamento de Estado dos Estados Unidos, respondendo aos imperativos de um complexo industrial-militar ainda muito influente, substituiu convenientemente seu discurso “anticomunista” pelo “combate ao terrorismo”, entendido em termos genéricos como os atos resultantes de indivíduos, grupos ou nações não simpáticas aos Estados Unidos e que, supostamente, ameaçassem sua segurança nacional. O apoio perene ao estado de Israel pelos Estados Unidos tinha como resultado a insatisfação e o crescimento do antiamericanismo na comunidade islâmica. Com efeito, tais ameaças, supostas ou reais, à segurança nacional norte-americana, eram úteis para justificar a presença de efetivos militares ao redor do mundo e uma postura belicista. Há inúmeros relatos de uso de diferentes formas de sabotagens aos não-alinhados, como “guerras virtuais”, morte de engenheiros, fomento de milícias desde o exterior e pagamento de mercenários. Sanções econômicas foram também utilizadas. O bloqueio comercial a Cuba, por exemplo, era uma operação que não tinha sentido sob o critério “humanitário”. Este país detinha um dos melhores índices de desenvolvimento humano do continente e nas eleições cubanas todos cidadãos podiam votar e ser votados, sendo vetada a propaganda política. O acesso à saúde, educação e moradia estavam universalizados. O embargo era (e é) ideológico, traduzindo a incapacidade da política externa norte-americana de aceitar a diferença. Não obstante, o embargo continuou encarecendo os custos de importações e reprodução econômica de uma nação que além disso não representava risco à segurança nacional norte-americana, pois não tinha condições econômicas de fazê-lo. Poder-se-ia perguntar quão melhor seria o padrão de vida médio cubano sem o embargo. Assim, o fim do campo socialista levou a novas condições de exercício do poder hegemônico num mundo praticamente unipolar, exercício este que previa (1) desestabilização de regimes não-alinhados remanescentes e (2) priorizar os capitais norte-americanos e europeus, ampliando correntes de comércio e investimento. Deste modo, uma intensa pressão e propaganda quanto à criação e recriação de potenciais inimigos, bem como o estímulo a conflitos regionais, continuaram sendo características do jogo geopolítico, com maior virulência ainda nas administrações de George W. Bush. Os acontecimentos de onze de setembro de 2001 se enquadram nesta reiteração discursiva da existência de inimigos potenciais, para legitimação da ordem mundial sob predomínio estadunidense. A tese oficial do que ocorreu sempre foi obscura. 9 As alegações 9 Interpretando os fatos com mais frieza, podem-se rastrear indícios de outra versão. Devido à grande circulação de vídeos e imagens não-oficiais das cenas das implosões das Torres Gêmeas, poder-se-ia sugerir que talvez elas tivessem sido implodidas desde seu interior, com conhecimento, leniência ou mesmo atuação direta oficial, mediante um procedimento calculado. Imagens com flashes que pareciam implosões internas sequenciadas das vigas laterais dos edifícios estão disponíveis na internet. Engenheiros 7 para a ocupação do Afeganistão, igualmente. As “armas de destruição em massa” de Hussein nunca foram encontradas. Desautorizou-se o Conselho de Segurança da ONU. A ocupação do Iraque e Afeganistão levaria à morte mais de um milhão de indivíduos, obnubilando qualquer leitura inocente da prioridade dos “direitos humanos” e “democracia” para a política externa estadunidense. 10 Evidentemente, pressupondo-se uma guerra civil pós-invasão, uma guerra não teria sido o melhor instrumento de proteção aos interesses populares. Não podia colher bons frutos nestes próprios termos. Não se pode afirmar nem que a “democracia”, entendida nos termos da ciência política ocidental, era de fato o regime político mais apropriado, sem incorrer num “ocidentalismo” ultrapassado. Seja como for, os eventos daquele contexto deram uma boa aula de realismo político. Ao mesmo tempo, tais guerras implicaram num aumento do orçamento militar do governo federal, cujo componente percentual, saindo de 64% do total do orçamento federal no ano de 2001, chegou a 68% em 2009, em perfil ascendente. 11 Abriram-se novas áreas de exploração petrolífera às companhias do país, bem como todos os tipos de negócio envolvidos (desde o fornecimento de alimentos aos efetivos militares até as diferentes atividades das empresas de segurança, como a Black Water e outras). A importância da área era óbvia para os Estados Unidos, país cujo consumo energético de combustíveis fósseis chega a quase 70% do total utilizado. 12 De um total de 8.400 mil barris de petróleo importados pelos Estados Unidos em 2005, 1.500 mil barris por dia provinham da Arábia Saudita e 2.300 mil do Golfo Pérsico como um todo, o que perfazia 30% do petróleo total comprado pelo país naquele ano. A Nigéria, o Canadá e o México apareciam também como importantes fornecedores, com 1.165, deram entrevistas argumentando que as bases de sustentação dos dois grandes edifícios eram sólidas demais para implodirem mesmo com um impacto de um avião em sua extremidade. De fato, o prédio caiu sobre si mesmo, lembrando uma implosão controlada. As aeronaves conseguiram um grande desvio de rota original sem que fossem abatidos ou perseguidos pela Força Aérea norte-americana. Os bólidos não se dirigiram a alvos que infligiram sérios danos ao país. (Somente o Estado de Nova York possuía seis usinas nucleares. Por que não atingi-las? Seriam os “terroristas” ineptos ou guardariam um resquício de reserva moral?). No Pentágono, não se viu destroços de avião algum, com as imagens das câmeras de um estabelecimento próximo mostrando uma explosão no jardim e a posterior queda de um dos muros do edifício. Como se verificou depois, o Iraque não possuía as alegadas “armas de destruição em massa” tão alegadas por Donald Rumsfeld e Colin Powell. Et cetera. Os indícios de uma outra história são tão grandes que não se pode deixar de aventar uma grande farsa que, como evento micropolítico, possibilitou uma intensa exploração de efeitos geopolíticos, cuja importância pode ser notada nas repetidas ênfases dadas nos documentos oficiais do Departamento de Estado e do próprio presidente W. Bush ao longo dos anos subsequentes àqueles eventos. O documento do cineasta Michael Moore, Fahrenheit 9/11, aborda especialmente estes aspectos dos eventos, problematizando-os em suas implicações histórico-políticas. 10 Talvez a narrativa destes eventos mais bem documentada, ainda que não cogite a hipótese aqui levantada, seja a de Luiz Alberto Moniz Bandeira, Formação do Império Americano (2005), especialmente os capítulos XXXII a XXXVI. 11 Governo dos Estados Unidos, Economic Report of the President, vários números. 12 U.S. Energy Information Administration, Annual Energy Review 2011, Figura 1.1., p.4, “Energy Overview.” 8 1.515 e 1.980 mil barris diários vendidos. 13 Porém, ao contrário de Canadá e México, no Oriente Médio não havia um perfil de alinhamentos políticos nacionais tão óbvio. A instabilidade política do Afeganistão, ou as tíbias relações iraquianas com a comunidade ocidental como um todo (baixa imigração, baixo investimento) tornavam estas duas nações economicamente debilitadas um alvo propício para uma guerra curta e com pequenas baixas para os invasores, e que no nível doméstico servisse bem à manipulação do patriotismo e unidade nacional estadunidenses (mesmo com a grande participação de mercenários e estrangeiros mal pagos nas forças de ocupação). A crise acionária de 2001, com o estouro da “bolha da tecnologia”, tornou esta possibilidade ainda mais atrativa. A presença militar norte- americana na área dava condições muito mais seguras para uma contenção de Irã e Síria, 14 o que agradava também o governo israelense. 15 Por estes motivos, as ações militares foram concretizadas, a despeito de sua elevada carga econômica e humana (particularmente civis locais), que evidentemente superaram os custos de manter intactos os regimes até então existentes pelo simples fato de os países não se encontrarem em guerra antes da guerra. III. ESTADOS UNIDOS E AMÉRICA LATINA NA ASCENSÃO DO POPULISMO DE ESQUERDA LATINO- AMERICANO (ANOS 2000) 16 Neste início dos anos 2000, durante o período da administração republicana de George W. Bush, a América Latina, devido aos eventos acima mencionados, apresentava interesse relativamente menor aos Estados Unidos. Quer dizer, o país não necessitou mobilizar recursos crescentes para manter a área atrelada a sua esfera de influência. De fato, não havia nenhum poder contra-hegemônico que pusesse em perigo a tácita liderança do país para a área. As prioridades dos capitais estadunidenses estavam asseguradas e economicamente havia muito mais abertura, comercial e financeira. Na América Central, os movimentos guerrilheiros estavam extintos e seus antigos líderes (Daniel Ortega na Nicarágua, por exemplo) convertidos ao jogo da vida democrática. O México vinha de uma administração de Vicente Fox, antigo executivo da Coca-Cola. Argentina e Brasil conheceram anos sucessivos 13 U.S. Energy Information Administration, Annual Energy Review 2011, Tabela 5.7, “Petroleum Net Imports by Country of Origin”, p.133. 14 Segundo o World Fact Book da Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), o Iran destinava 2,5% de seu PIB em gastos militares em 2005; a Síria, 5.9%, sendo o décimo primeiro país no mundo em termos relativos; para efeitos de comparação, o Brasil destinava 1,7% do PIB e o México 0,5% do PIB com os mesmos gastos no mesmo ano. 15 Segundo a Organização Mundial do Comércio, 43% das exportações iranianas desembarcavam em Taipei (Taiwan), 10% de suas importações vinham da China e 28% de suas importações provinham dos Emirados Árabes em 2011. A Síria, apesar de exportar 40% de sua produção à União Europeia e 20% ao Iraque, apresentava quase 9% de suas importações como provenientes da China. 16 O termo é usado sem nenhuma conotação negativa, seguindo Ernesto Laclau em La Razón Populista (2008). “Por populismo no entendemos um tipo de movimiento – identificable com una base social especial o com uma determinada orientación ideológica –, sino uma lógica política.” La Razón Populista (2008), p.150. 9 de administração “neoliberal” (Meném, Cardoso). Eleições presidenciais eram realizadas em todos os países, com vitórias sucessivas da centro-direita. Com exceção da Colômbia, as ameaças ao “estado democrático” haviam sido abafadas. E nenhuma das nações detinha um poder militar, em especial nuclear, que ameaçasse os Estados Unidos ou algum de seus aliados (mormente, Japão, Israel e países da Europa Ocidental). Neste contexto de atenções voltadas para o Oriente Médio e de rechaço popular às consequências econômicas do neoliberalismo, a conjuntura política em muitas nações latino- americanas modificou-se. Esta mudança expressou-se na eleição, pelo voto popular, de presidentes e partidos críticos das medidas neoliberais. Uma série de governos de orientação de centro-esquerda foi eleita em meados do primeiro quartel da década de 2000, ou ao longo da década. Hugo Chávez Frias, de tendências nacionalistas, foi eleito em 1998, pelo Movimiento Quinta República; Luiz Inácio “Lula” da Silva foi eleito em 2002, pelo Partido dos Trabalhadores, opositor do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), partido artífice do neoliberalismo e aliado às forças políticas mais conservadoras; Néstor Kirchner, opositor ferrenho dos militares e peronista de esquerda, foi eleito pela Frente para la Victória em 2003, derrotando Carlos Menem; Ricardo Lagos, antigo opositor do general Pinochet, foi eleito em 1999 pelo Partido por la Democracia; Evo Morales na Bolívia foi eleito pelo Movimiento al Socialismo, com 54% dos votos em 2005. No Equador, Rafael Correa foi eleito presidente em 2006 pelo Movimiento Patria Altiva y Soberana, declarando buscar uma “revolução cidadã”, e iniciando alianças com Hugo Chávez e Néstor Kirchner no âmbito sul-americano. Em 2009, Pepe Mujica, ex-guerrilheiro Tupamaro, foi eleito no Uruguai, pela Frente Ampla. Esta vaga de líderes que expressavam descontentamento popular, ainda que pela pacífica via do voto, era uma possível consequência do modelo de democracia que os próprios Estados Unidos oficialmente patrocinavam para a área. Mas a política externa norte-americana não os podia ver com toda a simpatia, já que tais líderes passaram a declarar publicamente a persecução da “autonomia nacional”, do “fim do neoliberalismo”, da “integração regional” e até mesmo de um “socialismo do século XXI”. Na América “Hispânica”, o grau de radicalidade das medidas superava muito o brasileiro, tal como pôde ser visto pelo tratamento dado aos militares argentinos responsáveis pela repressão ditatorial (1976-1983) ou pelo enfrentamento dos meios de comunicação conservadores por Rafael Correa. De toda forma, tais administrações obtiveram bons entendimentos pela administração Lula, sendo talvez o maior exemplo disto o rechaço, por alguns destes presidentes recentemente eleitos, ao projeto da ALCA, em Mar del Plata, em 2005. Ali a oposição corajosa e notável de Néstor Kirchner a George W. Bush destacou-se. Paralelamente, este mesmo presidente iniciou trabalhos para um aprofundamento da integração regional latino-americana, com medidas de favorecimento ao Mercosul (Mercado Comum do Cone-Sul) e depois com a criação da chamada Unasur (Unión de Naciones Suramericanas), em 2008. A Unasur, cuja carta constitutiva fazia menção às Declarações de 10

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