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A opção brasileira PDF

160 Pages·1965·105.054 MB·Portuguese
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A Opção Brasileira É da mais alta importância a contribui- são que Mário Pedrosa traz, presentemen- te, ao pensamento sociológico do País. Inicialmente, êle se. dispôs a escrever um ensaio — Imperialismo, Brasil, Revolu- ção — tendo como objetivo o estudo e a enálise da situação brasileira. Aprofun- dando-se neste tema, desenvolveu sua obra A OPÇÃO BRASILEIRA que, mais tarde, se dividiu em duas: A Opção Imperialista e A Opção Brasileira. Embora sendo independentes entre si, elas se completam, formando o mesmo todo, Trata-se, sem dúvida, de um exame pro- fundo e esclarecedor da realidade nacional. Mário Pedrosa executou, com prodigio- sa riqueza de côres, uma admirável pintu- ra do quadro histórico brasileiro, apresen- tando o grande mural dos últimos tempos do govêrno de João Goulart e a instaura- ção do regime ditatorial com o golpe mi- ltar de abril de 64. Pode-se divergir desta ou daquela parte da obra de Mário Pedrosa. Mas não se pode deixar de reconhecer o que ela signi- fica para a melhor compreensão do pro- blema econômico, social e político do País. É uma obra que se torna impres- cindível a todos os que se dedicam séria- mente ao estudo desta questão. Mário Pedrosa nos dá uma nítida visi ; dentro do socialismo científico, da socie- dade brasileira, em sua dinâmica histórica que a conduz para a sua própria revolução. Ele sabe de sobra que esta revolução, por um Processo permanente, tenderá a Mário Pedrosa A OPÇÃO BRASILEIRA civilização brasileira desenho de capa: ALUÍSIO CARVÃO INTRODUÇÃO T (hjhe) Opção Brasileira, que ora vem a público, foi concluído em setembro de 1965 como parte final do livro que comecei a ela- Exemplar No 0681: eo btoadroasr, eimn dempeeino dednet es1 964e ntre e fois i deemsbdoorbar,a do é ncolsa ro,q ue liagagdoorsa spãoor eudim- pensamento comum. Escrevo esta introdução quando se 'come- moram dois anos do movimento de abril e vinte de Volta Re- — donda. São datas importantes para a nossa história econômica e nossa história política. De Volta Redonda nada mais se pode dizer do que aclamá-la como o marco inicial de nossa indústria T pesada, prenúncio mal assegurado ou quase embotado do des- TT tino histórico dêste País, como nação industrializada, moderna e independente. Quanto à outra data — já se pode dizer — não definiu nada, marca uma transição. Daí sua irremediável ambi- T valência. Veio para uma coisa, mas abre caminho para outra. T Ou para outras. Veio ostensivamente para limpar a Administração Pública da corrupção e esmagar no País dissoluto a subversão. Veio para acabar com a inflação, restaurar a livre emprêsa na pleni- tude de seus privilégios mortalmente ameaçados por um inter- vencionismo estatal sem escrúpulos e progressivo. Veio também, naturalmente, para repor o Brasil no lugar que lhe está reser- Direitos desta edição reservados à vado de combatente na trincheira ocidental. Dêsses propósitos EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. Rua 7 de Setembro, 97 que resta hoje? Durante algum tempo, o íntegro marechal-presi- RIO DE JANEIRO dente afagou a idéia de que subira ao poder na vaga de um mo- vimento popular, de modo que a cerimônia de sua “eleição” pelo Congresso era apenas a consagração formal de um inexpres- 1966 so mas autêntico conteúdo popular. Essas veleidades o tempo as levou. A ditadura bonapartista perdeu os apoios sociais de Impresso nos Estados Unidos do Brasil massa sôbre que pensou poder basear-se. Assim, o govêrno de Printed in the United States of Brazil 1.º de abril comemorou seus dois anos de exercício em plena E crise, não de popularidade prôpriamente dita mas de regime. ditadura está ministrando. Estão sendo “marginalizadas”, gritam Financeiramente, econômicamente, social e politicamente o regi- as suas sociedades representativas; “em plena crise”, protestam, me de 1.º de abril faz água. Nessas horas de crise é que a au- “o govêrno toma medidas que as afetam vitalmente sem que se- têntica fisionomia do regime aparece com maior nitidez. jam ouvidas”. As queixas continuam: “As emprêsas estão à bei- Agora, na crise de regime que assinalamos, é de se per- ra de colapso, pela retração do crédito, queda nas vendas, des- guntar: qual é o seu ponto de sustentação? O pronunciamento capitalização, sobrecarga fiscal e falta de perspectivas”. O cla- militar de 1.º de abril está esgotado. Isto não quer dizer que já mor cobre as principais regiões econômicas do país. Ainda a 14 não tenha fôrças para impor, de seus altos círculos, um sucessor de abril do corrente ano, o presidente do Sindicato da Indústria para o marechal-presidente. Nôvo pronunciamento, sob a forma Nacional de Plástico denunciava pela imprensa a Resolução n.º de nôvo “ato institucional” ou não, pode, com efeito, ter fórças 404 do Conselho de Política Aduaneira como acarretadora, a para escolher o sucessor do chefe do govêrno, nos moldes por curto prazo, da destruição daquela indústria; o govêrno unifi- Este traçados; não o terá, porém — não é difícil especular — ca as categorias de importação para introduzir no mercado uma sôbre a marcha próxima dos acontecimentos, e muito menos “livre” concorrência, capaz de provocar baixa nos preços vi- para traçar uma política econômica e social ao País, a seu gentes. Os interêsses feridos da indústria não concordam e o talante. presidente do Sindicato vem a público mostrar o absurdo da pre- No combate à inflação, no empenho pela restauração de tensão governamental de forçar uma baixa percentual nos pre- um regime autêntico de livre emprêsa, que seria a resultante cos unitários de produtos já largamente fabricados no País, com ideal da desinflação e da estabilização da moeda, a ditadura não facilitar a importação de similares estrangeiros, “oriundos de mediu esforços e, ao cabo de dois anos de intervenção e dieta, o países de economia superdesenvolvida totalmente libertos dos resultado é pelo menos paradoxal. Pouco a pouco, os dirigentes cruciantes problemas que nos afligem”. O resultado seria a des- de sua política no plano econômico e financeiro foram criando truição, a curto prazo, da indústria nativa, sem possibilidade de um ente de razão perfeitamente inexistente, qual seja um capi- concorrer em igualdade de condições com as emprêsas indus- talismo ideal. Essa criação foi não direi espontânea, mas invo- triais alienígenas. É injusto, reclama aquêle representante titular luntária ou consegiiência paulatina de uma série de medidas, de da indústria, acusar o industrial nacional de vender seus pro- reformas, de cortes, suspensões, retenções, substituições, ou dutos a preços excessivos, escorado na categoria especial, equi- contingentes para atender ao momento, ou a longo prazo, em valente ao importado naquela categoria. A tese não era discuti- obediência a normas, prescrições ou presunções preestabeleci- da enquanto durou a política de industrialização através o pro- das. De tudo isso se foi pouco a pouco delineando a imagem ou cesso de substituição das importações. Eis que agora ela é ne- os contornos de um regime capitalista de livre emprêsa que não gada abertamente e, o que é mais grave, para ter efeitos nuli- existiu nem provavelmente poderá chegar a existir, isto é, a fun- ficadores daquela política de imediato. Se se quer, contudo, co- cionar realmente, empiricamente, nesses Brasis tropicais e sub- meter êste País ao desenvolvimento, há que proteger sua indús- tropicais. O Dr. Bulhões, despido de imaginação, com o Dr. tria nascente. Campos, farto desta, acabaram propondo essa entidade mítica O exemplo da indústria plástica foi destacado a êsmo. Mas à qual não se conformam ou se adaptam as classes capitalistas é perfeitamente generalizável a ramos e mais ramos da indústria brasileiras em sua existência ao vivo. Nas suas engrenagens brasileira, de capitais perfeitamente brasileiros ou naturalizados. tampouco se encaixam ou enquadram as classes trabalhadoras, s As grandes — de capitais alienígenas — essas não são subme- a a não ser como os supliciados nas rodas de suplício. As classes ç tidas a idênticos regimes correcionais. A determinação dos seus empresariais, industriais e comerciais não estão propriamente preços escapa na prática ao alvitre do govêrno. O contrário é apaziguadas com êsse brilhante resultado. Ao contrário, clamam que é mais correto dizer. A lógica da “reforma” do capitalismo, contra o tratamento ortopédico do capitalismo nacional que a que move seus ideólogos e tecnicistas à frente do comando 2 > econômico do País, os leva a desalojar os grupos industriais de ao mesmo tempo.” Isto é lógico, claro, positivo, e se enten, onde se encontram instalados, mediante o mecanismo de trans- mesmo quando não se concorde. Y ferência de categorias de importação — de especial para geral Da maximização à minimização dos lucros ao tempo n —. para os produtos similares de fabricação estrangeira. Por essa velhas crises de superprodução a volta se fazia com esta deix: alteração ou supressão de tarifas, os privilégios de que gozavam à deriva para que por si mesma encontrasse sua exaustão, O EN êsses grupos brasileiros são ameaçados ou desfeitos pela che- desde pelo menos Keynes, as práticas intervencionistas mod gada livre daqueles similares. Os fanáticos do capitalismo ideal nas tendem a obstar. Mas, intervir para forçar a queda nos ENE ficam satisfeitos: vencerá, afinal, a eficiência competitiva. Há, ços sob o pretexto de criar condições ideais para a “livre et. aqui, apenas duas objeções a fazer: 1) o bom seria que a com- corrência” é acreditar demais nas imanências do capital. É PA petição pela eficiência se fizesse entre competidores do mesmo doutrina de economistas de gabinete. ty país; 2) as armas dos competidores não são as mesmas; en- Intervenções no sentido negativo da ordem da Resolu, quanto os brasileiros são desalojados de posições relativamente 404 para corrigir hábitos ou inverter o processo natural de nt entrincheiradas, desprovidos de armas técnicas mais aperfeiçoa- ximização de lucros criam uma cadeia de efeitos imprevisív. das, os americanos, perdão, os estrangeiros entram na liça mu- entre os quais ameaças de colapso geral e aguçamento explost, nidos das melhores técnicas e protegidos por monopólios ou oli- de tensões sociais e políticas não são os menores. Um govêrh gopólios com o poder de agir e atuar de longe, para além das de país subdesenvolvido ou em desenvolvimento, mas polit No próprias fronteiras. A diferença não é desprezível (Nota bene: mente dependente, não pode criar condições ultimatistas que N + estamos falando não de pessoas humanas, mas de “capitais”). nham em risco indústrias nativas em atividade. A Ademais, não é provável que o govêrno vá conseguir uma baixa acentuada nem muito menos generalizada nos preços vi- gentes. A procura da maximização dos lucros, imperativo de Numa declaração passível de cobrir a situação da qu, tôda emprêsa capitalista, é a mola que permite o mecanismo unanimidade das indústrias que se submeteram ao mesmo ek, de sua expansão e através desta o alargamento do mercado. É dicionamento, O presidente do Sindicato das Indústrias Plásih. mera utopia pensar em impor de fora, por decisões burocráti- explica ter sua indústria, num esfô:r ço de colaboração co: NaN s cas ou no papel, uma racionalidade abstrata ótima a emprêsas Govêrno, aceito o “apêlo” dêste “à estabilização dos preç a industriais que nasceram de favores, numa perspectiva de mer- e aderido, à primeira hora, à Portaria GB-71. Nesse sentido N EO) cado permanentemente sustentado ou mesmo mecânicamente in- tou absorver seus preços na forma pela mesma determinada. NÉ flado. Forçar a baixa de preços de produtos industriais corren- aos compromissos assumidos, manteve estáveis os preços, Su tes num tal contexto econômico e social implica em violenta re- rando as dificuldades impostas pela restrição de crédito e ph. baixa de salários que, por* sua vez, concorre acentuadamente alta percentual dos custos que atingiram principalmente as na para deprimir o mercado para os produtos manufaturados, Êsse térias-primas utilizadas. Esta experiência é também a de outh. ideal pequeno-burguês de baixa de preços industriais só pode setores da indústria. Disso deu testemunho o professor Eugê nc ser realizado em têrmos, pela provocação de um recesso eco- Gudin, na entrevista de março, em São Paulo, aqui já citada, No nômico generalizado, ou, numa segiiência lógica consegiiente, mostrar as incongruências das intervenções do govêrno: A Rig conforme preceitua o Dr. Gudin que, ao criticar (!) recente- taria 71 obriga o industrial a manter os preços, mas não lhe mente, em conferência pública para empresários, em São Paulo, rante os preços das matérias-primas. Manifestando-se contra a política econômica dos seus amigos, dizia, com um topête afi- sas intervenções abusivas ou unilaterais, o economista liberal e nal simpático e sem rebuços: “Não é possível ao Govêrno ado- lava dessa vez em nome dos industriais cansados já de tao tar uma política de desinflação paralela ao desenvolvimento eco- Às nômico. Governar é escolher. Não se pode fazer as duas coisas 1 Correio da Manhã, 14/4/66. 4 “portarias, leis, decretos, regulamentos em excesso”. Então po- dia reatualizar, paradoxalmente, com os aplausos da assistência, pido possível um dos meios para vencer o hiato daquelas defi- seu anacrônico axioma — “o Govêrno deveria intervir o menos ciências. O futuro do País pedirá contas aos liquidadores da- possível”. Tornou-se a palavra de ordem mais sentida do em- quela indústria, ou mesmo embrião de indústria, pois que terá presariado brasileiro em todos os setores dos homens de negócio num desenvolvimento radicalmente acelerado dessa indústria um do Brasil, sem distinção de ramos, dos banqueiros aos comer- dos fulcros para uma rápida transformação da estrutura econô- ciantes, dos industriais aos financiadores. Pague os credores, in- mica do Brasil. A vara de medir dos governantes atuais parece vista nos setores da infra-estrutura conforme prometido, liberte muito mesquinha e, no fundo, são céticos quanto às possibili- os depósitos compulsórios aos bancos, largue o mercado de ca- dades potenciais e tecnológicas do País. Não sabem ou fingem pitais, é o que liberalmente querem todos êles do Govêrno. não saber que nos dias de hoje, de guerra no Vietnã e de con- No caso concreto de plásticos, a indústria nacional não po- tatos crescentes com a Lua e os planêtas irmãos, o mundo das derá sobreviver em têrmos de competição com a indústria es- patentes não é mais o mundo fechado, o mundo concentracio- trangeira, integrada por grupos de emprêsas privadas de largos nário de quando os monopólios capitalistas de ramificações in- recursos financeiros, a longo prazo, e possuidoras dos equipa- ternacionais controlavam o progresso tecnológico. A competição mentos mais modernos (em geral subsidiárias ou filiais das tecnológica entre os países de economia competitiva e o bloco de países de economia planificada é uma válvula de escape con- maiores corporações americanas) mormente em face dêste fato: as matérias-primas essenciais à produção de um dos artigos mais tra as tendências monopolizadoras. importantes da indústria, como laminados plásticos, têm preços As restrições de crédito, com periódicas e tímidas libera- acentuadamente mais altos no Brasil que no mercado internacio- ções de conjuntura, atuam de modo limitativo sôbre o mercado nal (o fenol, o papel Kraft, etc.). A consegiiência desnaciona- comprador que, por sua vez, tende a obrigar a indústria a res- lizadora aqui é patente: passaremos a importar plásticos ou a tringir suas próprias atividades. Mas os produtos estrangeiros montar novas sucursais da Dupont ou de outro monopólio rival, que chegam, ao mesmo tempo, pela abolição da categoria geral sem atentarmos para o fato de que está nessa indústria de plás- vêm de produtores que não se sentiram na contingência de res- ticos, sem dúvida, um dos dois ou três campos inteiramente tringir atividades; ao contrário, encontram no mercado brasi- abertos a um desenvolvimento tecnológico positivamente prodi- leiro mesmo restrito, um mercado para êles “nôvo”. Também gioso e de perspectivas ilimitadas. Já hoje e se não hoje, lite- não deparam aqui com problemas sociais e de desemprêgo. Em ralmente, amanhã, o desenvolvimento dessa indústria é pelo face dessa situação, é perfeitamente legítima e oportuna a per- menos tão importante para o futuro de um país quanto o da gunta do mesmo industrial aqui já citado: “Nesse clima em que produção do aço. Se até, digamos, a II Grande Guerra as gran- as autoridades responsáveis parecem demonstrar insensibilidade des economias nacionais eram fundadas no complexo ferro-car- para os problemas, como falar em produtividade?”. Realmente, vão, a revolução tecnológica na química, nos plásticos, nos me- como falar em produtividade? Nem a propósito, no dia seguinte tais ligeiros, nos combustíveis libertou as economias nacionais à angustiosa pergunta do industrial! como se estivesse a res- das servidões geográficas daquele complexo. O Brasil sofre de ponder-lhe, em debate público, o Dr. Garrido Tórres, diretor do deficiência numa lista enorme de metais não ferrosos e vai pre- BNDE, reduz êsse nôvo mito da produtividade subdesenvol- cisar importar nesses próximos anos, para não retroagir no seu vida, que o Dr. Bulhões persegue, impâvidamente, na chuva desenvolvimento, cêrca de um bilhão e oitocentos milhões de e no sol, a mera “figura de retórica”. Assim: “Pretendemos dólares em minério. Em face de tal contingência, o Govêrno que a nação, integrada com... organismos governamentais e de age como se pretendesse começar por destruir o pequenino acer- braços dados com a iniciativa privada, contribua (sic) para vo de experiências que vamos acumulando na fabricação nacio- transformar esta figura de retórica — a produtividade — em nal de plásticos. Ora, está no seu desenvolvimento o mais rá- 1 Jornal do Brasil, 15/4/66. 6 conceito e norma concretos de ação...” O empreendimento é grande parte devido ao não pagamento dos compromissos assu- considerável, Como pretende o diretor do BNDE atacá-lo? midos para com seus fornecedores e à suspensão das obras pú- Por uma nova modalidade de empréstimos destinada a ajudar as blicas. Na outra etapa, o govêrno não quer mas emite dinheiro emprêsas nacionais a atravessarem a atual “fase de transição”, mais do que todos os seus antecessores, inclusive o Sr. João que êle mesmo caracterizou “pelo comportamento típico de Goulart. Depois, atua o problema dos preços dos produtos no alheamento aos problemas da produtividade por fôrça dos deses- mercado consumidor. Exige compromissos dos industriais para tímulos inflacionários?. O Dr. Bulhões, porém, armado da vara contenção dos preços, em troca de estímulos fiscais indiretos e do mestre-escola, entrou a corrigir os empresários privados bra- facilidades creditícias condicionais. Ao mesmo tempo, para fe- sileiros, visando a forçá-los a passar a “uma posição de cons- char qualquer escape ao setor industrial, deixa entrar na liça tante preocupação quanto aos problemas de qualidade e custos nacional da concorrência poderosos competidores estrangeiros. de produção”. A inflação era diagnosticada nos idos de abril de Em relação ao setor agrário, sua ofensiva antiinflacionária qua- 1964 pelos novos comandos financeiros e econômicos do País se não chega, exceto indiretamente, através a supressão dos sub- como tipicamente salarial; depois passou a ser estatal, no abuso sídios às companhias de serviços públicos, com os grandes au- das emissões para pagar contas; afinal, diante da persistência mentos de tarifas em todos êles (transportes, energia, etc.). Mas do mal, o Dr. Bulhões não teve dúvidas em retificar seu diag- a medida teve efeito contrário, acarretando elevação de preços nóstico. Com efeito, numa conferência, a 10 de março de 1966, que afeta particularmente as atividades agrícolas. Em compen- no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, discorrendo sôbre sação, tenta facilitar créditos e, sobretudo, determinou a políti- as causas da inflação, admitiu que, ao contrário do que se pen- ca de preços mínimos para os produtos agrícolas. Os industriais sava, residem elas particularmente no setor privado, cujas de- brasileiros se vêem assim entre as lâminas de uma tesoura: pre- ficiências de capital, organização e empreendimento manifesta- ços sustentados da agricultura com a alta geral das matérias- ram-se Ultimamente de maneira notória. Assim, a seu ver o primas, preços rebaixados no setor industrial para conter a in- fator principal do mal inflacionista está na emprêsa privada, nas flação. Se os empresários industriais não podem se mover dentro deficiências de sua formação, no abuso de suas práticas não or- do ângulo daquela abertura, serão cortados: não faz mal — pela todoxas extensivas ao grande setor da circulação das riquezas, porta aberta da categoria. geral produtos industriais similares onde práticas usurárias são de praxe e onde banqueiros e em- chegarão de fora e escoar-se-ão, àgilmente, pelo mercado, den- prestadores de dinheiro denunciam no exercício de suas funções tro dos limites de preços, à conveniência dos comandantes da um sistema ainda primário, sem envergadura e parasitário, de grande operação. Nunca, desde décadas, a classe empresarial financiamentos e investimentos. Assim é o sistema capitalista brasileira se viu acuada a tal dilema. Não revela a circunstância mesmo do Brasil, que não presta. tôda uma política? Temos, agora, êsse quadro com as várias etapas do proces- Resta agora a última etapa do processo, que se desenrola so antiinflacionário encetado pela ditadura. Por êle se desco- na área da circulação monetária. A despeito da lei de reforma bre — ou se revela — o caráter social de sua política econô- bancária anterior, a etapa inaugura-se com a Circular 21 do mica. Mais do que isto, a missão que veio assumir. Assim, na Banco Central. O Govêrno prepara-se para uma intervenção que primeira etapa da luta contra a inflação, a ditadura congela o poderá ter graves consegiiências para o mercado de capitais pri- mercado de trabalho, depois de cortar sem piedade os níveis vado. O Govêrno pode decidir, em face da inércia ou pouca salariais do Brasil, etapa em que é bem sucedida, porque nesse disposição das emprêsas de financiamento privado, entrar na- plano atuam não só os meios “indiretos” dos “estímulos” ou quele mercado e competir com elas na tarefa de mobilizar ca- “desestímulos” financeiros econômicos, mas o aparelho mes- pitais e captar poupanças. Em face dessa perspectiva, vozes as- mo de coerção do Estado, a polícia. Na segunda, tratam de sustadas se têm levantado contra a estatização do crédito. Elas equilíbrio do orçamento do Estado, quase obtido, embora em denunciam o Banco Central como detentor dos contrôles do apa- 8 y relho creditício nacional, desde os depósitos bancários compul- nham um capital de 5 bilhões de cruzeiros, para rs sórios, redescontos e as faixas específicas de aplicação dos esta- a longo prazo, a partir de doze meses, limitados às ep e belecimentos bancários. As obrigações do Tesouro e o câmbio capital fixo e operações de underwriting. Não nin em E são armas nas mãos do Estado. Financiador indireto, pode tor- outras emprêsas a extenção das faculdades dadas aquelas supe nar-se, sem formalidades, investidor direto, principal captador sociedades no sentido de servirem de intermediação a recursos da poupança privada. O mercado de capital poderá vir a ser de terceiros. Tal não deveria ser função dêsses Bancos de Inves- uma cancha exclusiva dêle. Pode tudo isso ser apenas hipótese timento ou Desenvolvimento. A idéia é de fazer do nôvo sistema ou mera potencialidade. Entretanto, os obstáculos formais âque- de captação um mecanismo menos expropriativo da poupança la estatização, já tão denunciada, estão superados ou em vias de confiada a terceiros, através não mais o deságio imediato ne O ser. Por enquanto, limita-se o Govêrno a dar aos financiadores a correção monetária a posteriori (ainda ditada por so a privados uma escolha (que tem subjacentemente algo de um di- confiança generalizada em títulos do Estado e numa estabi Es lema): Tomem a iniciativa, entrem firmes no mercado, reco- ção da moeda próxima) e com pagamentos de juros io lham dinheiro, emitam títulos capazes de substituir as letras de investidor ao comprar os títulos terá a garantia de que sai i- câmbio, a deságios, o único instrumento de crédito que sobre- nheiro será reajustado em função do valor exato, na época do viveu à maré inflacionária e à política de retenção oficial, o resgate. (Calcula-se, nos círculos especializados, privados oa único a prover capital de giro às emprêsas ávidas. O Estado oficiais, com uma desvalorização monetária que deverá atingir propõe: emitam, e lhes asseguramos juros compensatórios, e ao até o fim de 1966 o coeficiente de 30 a 40%.) A aa invés do deságio antecipado, defesa contra a progressiva des- entre a taxa de correção do empréstimo (12%) e a taxa E valorização, terão correção monetária a posteriori, subvencio- de desvalorização do empréstimo será coberta pelo paro Na- nada pelo Estado. Nesse ínterim, enquanto se espera pela reação cional, sob a forma de na vã emprêsas industriais e ao mercado das emprêsas financeiras privadas, os títulos do iais que aderiram à Portaria e : lo Banco Central, as obrigações do Tesouro vão sendo lançadas à Ee neste abril de 1966, em face da Eai venda pelos balcões do mercado de dinheiro quase indiscrimi- cada vez mais aparente de anular a inflação e alcançar-se j de- nadamente, como se a varejo (agências do Banco do Brasil, ca- sejada estabilidade monetária por meio de cortes salariais, ao sas de câmbio, Bôlsa de Valôres), a ponto de as sociedades fi- forçada de preços, retenção de créditos e estagnação, Ce nanceiras terem reclamado contra a concorrência. Outro fator vêrno se decide a intervir no mercado de capitaise subsi E de remodelação do mercado de capitais são as supersociedades os tomadores de dinheiro. Desta vez O subsídio será pago pelo de crédito que a reforma da lei bancária permitiu viessem a público mediante a elevação dos impostos, na hora ponta em existir. Essas organizações, pelo seu £igantismo, amedrontam a que os empresários pedem atenuação no impôsto de renda e E própria Associação de classe das emprêsas de crédito e finan- impôsto de sêlo e os financiadores costumeiros querem a co ciamento (AcREFI). São “bazares de investimento” que vêm tinuação do anonimato dos títulos ao portador. o fisco, de aglutinar tôdas as atividades específicas do mercado de capitais: não perdoa. O capitalismo livre em tudo isso onde é que oia á investimento, financiamento, distribuição de valôres, corretagem, suspensão dos subsídios às emprêsas públicas de a a etc., que a lei reguladora do mercado havia, no entanto, muito outras foi ditada pela necessidade de salvar a rentabilidade e bem discriminado. Trata-se dos Bancos de Investimento ou de las, a ser paga pela bôlsa anônima dos usuários. EA 2 = “Desenvolvimento”. No espírito de seus idealizadores a finali- tado intervém para compensar a “falta” de rentabilidade do dade precípua dêles é de financiamento, a médio e a longo pra- nheiro em circulação, subsidiando-o. O contribuinte pagará êsse zos, de investimentos e reinvestimentos. A ACREFI não os quer subsídio, através novos impostos e o cidadão comum através ver, porém, entregues a financiamento própriamente dito de ca- emissões novas ao menos parcialmente inflacionáriasO.s encar- pital de giro. Exige por isso mesmo a lei que os criou que te- gos fiscais sôbre o empresário já chegaram, pela primeira vez 10 RPA , 1 no País, ao nível percentual dos países onde são realmente pe- trutura, no principal captador de poupança, no principal ou úni- sados. (Cálculos do cnE dão um nível de 34 à 40%.) O co manipulador de capitais em circulação, no senhor ou deten- Estado faz a sustentação dos preços agrícolas; faz também a tor do monopólio do mercado de capitais. Então, não estare- sustentação da moeda, para que não continue a desvalorizar-se. mos mais diante de um sistema vivo, capaz de criar capitais; Só os preços dos produtos industriais não são sustentados. São, tampouco estaremos em face de um capitalismo de Estado fun- ao contrário, compelidos a baixar. É êste o preço digamos só- cional e que como ta] se tome. Mas antes em face de um regime cio-econômico total que haveria de ser pago para que o capi- sui generis, encabulado ou disfarçado, que se nega e se renega, talismo nacional funcione dentro das regras, os negócios se rea- num descompasso entre o que faz e o que explicitamente ten- nimem e o setor industrial (que mal fôra instalado e já se en- ciona e num contexto à parte, abstrato, sensivelmente contradi- contra numa faixa quase geral de ociosidade) seja reposto em tório com o contexto social mesmo que deveria ser o seu. De sua plena atividade. Essa ociosidade é positivamente um escân- nada disso, porém, se trata. Os operadores na cabina de co- dalo num País subdesenvolvido como o nosso, de proporções mando não têm pensamentos teratológicos. Querem apenas mo- continentais. Revela uma precariedade na oferta ou uma incer- dernizar o sistema de financiamento vigorante no País, antiqua- teza da demanda quase congênita; no fundo e apesar da indus- do, primário, a fim de pô-lo em dia com o que de mais evoluído trialização urbana bastante intensa não se criou uma economia existe nos grandes centros financeiros internacionais. verdadeiramente de escala. Até para haver capital de giro, o Ao procurar entregar o mercado de capital a grandes e ; Estado concorda em endividar-se. O normal seria endividar-se pouco numerosas emprêsas de capitalização e investimento, o / para não minguarem investimentos de base. Esta é a grande po- Estado estimula a concentração do poder financeiro em mãos lítica. A outra é inventar um ersatz de mercado de trabalho, ou de poucos, entre os quais a participação dos grupos estrangeiros na verdade um ersatz de capitalismo. E, ao cabo, não se ati- é considerável ou preponderante. ss na — num plano de autêntica racionalidade — porque se há Como se sabe, a lei bancária não incluiu entre as insti- de inventar tantos artifícios que resultarão sempre no sacrifício tuições financeiras os bancos de investimentos. Em compensa- da bôlsa do povo, nas insuficiências de desenvolvimento, na fra- ção escancarou as portas do mercado brasileiro de capital, real gilidade de um sistema incapaz de alcançar seu momento de e potencial, num liberalismo verdadeiramente escandaloso e con- auto-sustentar-se e autopropulsionar-se, dentro de relativo auto- trário à tendência exclusivista prevalecente no País desde dé- matismo funcional. Ora, na pretensão de natureza ideológica cadas, às firmas estrangeiras de financiamento em pé de igual- de seus promotores, aquêle automatismo é o apanágio, o traço dade com as firmas brasileiras. (O Sr. David Rockefeller lavrou de superioridade específica do capitalismo de livre emprêsa sô- um tento com a promulgação da lei.) Ao assegurar a igualdade bre qualquer outro tipo de sistema econômico. Com efeito, dian- de tratamento a bancos de investimento nacionais e estrangei- te dos assinalados fracassos do Estado em pôr de pé um mo- ros, a lei na realidade decretou a desigualdade entre êles, não délo de capitalismo, clássico ou neoclássico ou apenas cômoda- só pelo maior poder de organização e recurso de alguns grupos mente viável, por que, então (a pergunta é de simples bom sen- estrangeiros que para cá vieram como pelo fato de que as gran- so), há de êle ser obrigado a intervenções de tôda ordem, a des corporações podem disputar o nosso mercado interno às renovarem-se constantemente, de ordem criativa ou de ordem emprêsas brasileiras, mas estas não têm condições de, por sua corretiva, mas em pura perda? Nas medidas corretivas, não sabe vez, lhes disputar os mercados internacionais. Eis ainda que o o Estado onde parar. O resultado paradoxal é que vai fazendo, Govêrno decidiu subsidiar as emprêsas de financiamento para pouco a pouco, uma reviravolta de 180 graus, em tôrno do seu estimulá-las a explorarem o mercado de capital parado, escas- ponto de partida intervencionista, para chegar à iminência de so, controlado ou ainda inexplorado. É mais um privilégio que se tornar também, além do maior cliente capitalista, do maior se abre aos grandes grupos estrangeiros, isolados ou associados investidor nos setores fundamentais da infra-estrutura e da es- a organizações brasileiras de financiamento. Os privilégios dêles 12 15;

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