Em uma época onde era considerado inapropriado para uma mulher escrever livros, Anne Brontë concebe um dos primeiros libelos feministas da literatura
Foi preciso uma jovem, morrendo de tuberculose, para levantar a questão do papel da mulher em uma Inglaterra imersa na Era Vitoriana. A MORADORA DE WILDFELL HALL, publicado em 1848, é considerado um dos primeiros livros a denunciar a submissão feminina na sociedade inglesa. Para Anne Brontë, autora da obra, a mulher deveria ser dona do próprio destino, o que implica em um novo posicionamento em relação ao homem.
Para a autora, a mulher ideal é Helen, uma decidida jovem que recusa vários pretendentes ao casamento. Ela se apaixona por Arthur Huntingdon, apesar dos protestos de sua tia, com quem mora. Por isso, Helen não está segura de que tomou a decisão certa.
Porém, Helen não ficaria em dúvida por muito tempo, já que, depois de casada, seu marido se mostra propenso a retomar a vida desregrada dos seus tempos de solteiro. Ela se vale da religião para tentar corrigir os hábitos libertinos de Arthur, que por sua vez os justifica como uma espécie de carpe diem. Nesse ínterim, nasce o primeiro filho do casal.
A situação vai se tornando insustentável para a jovem, que se agarra ainda mais à religião – desta vez, como consolo aos crescentes abusos que sofre de seu marido. Com as frequentes visitas de seus amigos, Arthur se torna alcoólatra e ainda mais devasso, a ponto de traí-la com a esposa de um dos seus companheiros.
Ao mesmo tempo, Arthur começa a disputar a atenção do seu filho com a mãe, que se desespera ao ver o garoto aprender os vícios da bebida e da dissipação com seu pai. Helen então arquiteta uma fuga, que é frustrada por Arthur.
No entanto, auxiliada por seu irmão, Frederick, Helen consegue abandonar Arthur e se estabelecer anonimamente em outra cidade. E, então, conhece alguém que a recompensará por ter lutado tanto pelo seu destino.
A obra é discorrida por meio de escritos dos personagens – na primeira e na terceira partes, a trama se desenrola em cartas; na segunda, lê-se o diário de Helen. Isso faz com que a autora privilegie uma linguagem ágil e viva, caracterizando as personagens por meio de seus atos.
A relação conjugal do casal parece refletir o choque entre puritanismo e liberalidade que dominou as discussões morais na Inglaterra vitoriana. Na visão da escritora, considerada a mais pia das irmãs Brontë, a religião e os bons costumes oferecem a redenção; por outro lado, a insistência no desperdício leva à morte prematura. Brontë não separa o mal do bem por sexo: para ela, ambos existem na consciência do indivíduo e apenas a religião pode eliminar um e promover o outro.
Quando de seu lançamento, “A MORADORA DE WILDFELL HALL” foi classificado como inapropriado para o público feminino. Na época, ninguém sabia que o livro fora escrito por uma mulher: já que a literatura era restrita a homens, a escritora utilizou o dúbio pseudônimo de Acton Bell.
Considera-se que o livro seja a resposta de Anne a “O Morro dos Ventos Uivantes”, de sua irmã Emily Brontë.