A mäo do autor e a mente do editor SJr FUNDAÇAOEDITORADAUNESP Roger Chartier PrésidentedoConselhoCurador MarioSérgioVasconcelos Diretor-Présidente JézioHernaniBomfimGutierre SuperintendenteAdministrativeeFinanceiro WilliamdeSouzaAgostinho ConselhoEditorialAcadêmico DaniloRothberg JoâoLuisCardosoTâpiasCeccantini LuizFernandoAyerbe A mao do autor e MarceloTakeshiYamashita MariaCristinaPereiraLima a mente do editor MiltonTerumitsuSogabe NewtonLaScalaJünior PedroAngeloPagni RenataJunqueiradeSouza RosaMariaFeiteiroCavalari Editores-Adjuntos AndersonNobara Traduçào LeandroRodrigues GeorgeSchlesinger editora unesp TraduzidodeTheAuthor’sHandandthePrinter’sMind, Vediçâo-traduzidaparaoinglesporLydiaG.Cochrane EstaediçâoépublicadaporacordocomaPolityPressLtd.,Cambridge 1 ©2014RogerChartier ©2013EditoraUnesp Direitosdepublicaçâoreservadosà: Sumério EundaçâoEditoradaUnesp(FEU) I PraçadaSé,108 01001-900-SäoPaulo-SP Tel.:(Oxxl1)3242-7171 Fax:(Oxxl1)3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livrariaunesp.com.br [email protected] CIP-Brasil.Catalogaçâonapublicaçâo SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ Prefacio 7 C435m PARTEI:O passadonopresente Chartier, Roger,1945- A mâodoautorea mentedoeditor / RogerChartier;traduçâoGeorge Capitulo1:Escutarosmortoscomosolhos 19 Schlesinger. 1.ed.-SäoPaulo:EditoraUnesp,2014. Capitulo2:Histöria:tempodeleitura 53 Traduçâode:Theauthor’shandandtheprinter’smind ISBN978-85-393-0571-1 Capitulo3: HistöriaeCiênciaSocial: 1.Livroseleitura Histöria.2.Interessesnaleitura-Histöria.Ti'tulo. um retornoaBraudel 79 14-15180 CDD:028.9 CDU:028 PARTEII:Oqueéumlivro? Capitulo4:Ospoderesdaimpressäo 103 Capitulo5: A maodoautor 129 Capitulo6:Pausasetônicas 153 Capitulo7:Traduçâo 175 Editoraafiliada: PARTEIII:Textosesignificados Capitulo8:Memoriaeescrita 213 AsociaciôndeEditorialesUniversitarias AssociaçàoBrasileirade deAmericaLatinayelCaribe EditorasUniversitârias Capitulo9:Paratextoepreliminares 235 6 ROGER CHARTIER Capitulo10:PuhlicarCervantes 259 Capitulo11: PublicarShakespeare 271 Capitulo12:Otempodaobra 295 Prefacio Referencesbibliogrâficas 311 Indiceremissivo 339 “ Escuchar a los muertos con los ojos” [Escutar os mortoscom os olhos]. A sentença de Quevedo, que forneceu o titulo para minha aulainauguralnoCollègedeFrance,parece-meindicarnaosoores- peitodopoetapelosseusantigosmestres,mastambémarelaçaoque oshistoriadorescultivamcom homensemulheresdopassadocujos sofrimentoseesperanças,decisöesracionaisesonhosextravagantes, liberdadeerestriçoeselesseempenhamemcompreender-eajudar outros a compreender. Apenas os historiadores de tempos muito recentes, graçasas técnicasdeinquiriçâooral, podemoferecer uma audiçaoliteraldaspalavrascujahistöriaescrevem.Osoutros-todos osoutros-precisamescutarosmortossomentecomosolhosereco- brarasvelhaspalavrasemarquivosnosquaisovestigioescritodelas foipreservado. Para desespero dos historiadores, esses vestigios, deixados em papirooupedra,pergaminhooupapel,geralmenteregistramapenas silêncios: os silêncios daqueles que nunca escreveram; os silêncios daquelescujas palavras, pensamentosou atosos mestresdaescrita julgaramnäoserimportantes. Apenasem rarosdocumentos,eape- sardastraiçoesintroduzidaspelatranscriçaodosescribas, juizesou 8 ROGER CHARTIER A MÄO DO AUTOR E A MENTE DO EDITOR 9 homensletrados,oshistoriadorespodemouviraspalavrasdosmor Olivrocontémdozeensaiosqueescrevinosültimosdezanos.O tosmovidosacontarsuascrençaseseusfeitos, recordar suasaçoes leitorreconhecerâquestöesedebatesquemobilizaramoshistoriado- ou relatarsuasvidas.Quandotaisdocumentosestâoausentes, tudo resnaprimeiradécadadoséculo,taiscomorelaçoesentremorfologia queoshistoriadorespodemfazeréassumiroparadoxaleformidâvel e histöria, entre micro-histöria e histöria global, e entreo evento e desafiodeescutarvozescaladas. processosde longa duraçâo. Depoisqueos historiadoreseos nào Mas podeanossa relaçâocornosmortosquehabitamopassado historiadoresqueosauxiliaramemsuareflexäodeixaramdeficartäo ser reduzidaa1er textosqueelescompuseram, ouquefalamdeles, obcecadospelodesafioaostatusdesuadisciplinacomoconhecimento talveznaointencionalmente?Nosültimosanos,oshistoriadorestêm ereconheceramoparentescoentrefiguraseformulasdeseescrevera tornadoconsciênciadequenaopossuemomonopolioderepresentar histöriaeaquelasquegovernamasobrasficcionais,passaramaestar o passadoedequesua presença podeser comunicada por relaçoes maisbempreparadosparaconfrontarcornmaisserenidadeodesafio corn a histöria infinitamente mais poderosasque seus escritos. Os lançadopelapluralidadederepresentaçoesdopassadoquehabitama mortosinfestama memoria ou memörias. Buscaressasmemörias nossaepoca.Issoexplicaaênfasedadanestelivroaobrasmaioresde nàosignifica “escutarosmortoscornosolhos”,masachâ-los sema literatura,que,aolongodosséculos,funcionaramdemodoatalharas mediaçâodapalavraescrita, naimediataproximidadedalembrança maneirasdepensaresentirdaquelesqueasleram(ouqueescutaram enabuscadeanamnese,ounaconstruçâodamemoriacoletiva. alguémlê-las),segundoaexpressàodeMarcBloch. Os historiadores também precisam admitir, gostem ou nao Obrascomo Dom Quixote ou as peças deShakespeare foram quea força e a energiadefabulaseficçoes podem soprar vida em criadas, encenadas, publicadaseapropriadas num tempodiferente aimas mortas. Essa vontade demiûrgica pode ser tipica de toda a donosso. Recolocâ-lasdentrodeseus pröprioscontextoshistöricos literatura, antesou depoisdomomentohistöriconoquaia palavra eumdosobjetivosdopresentelivro.Paraisso,tentamosidentificar começou a designar o que hoje chamamos “literatura” que supoe as descontinuidades bâsicas que transformaram a circulaçào da uma conexàoentre noçoesdeoriginalidadeestética e propriedade palavra escrita, tanto literâria como nào literâria. A mais essencial intelectual.MesmoantesdoséculoXVIIIedaconsagraçâodoescri- dessasdescontinuidades pode nàoser a obvia. Foi, comoésabido, tor,a ressurreiçâoliterâriadosmortosassumiaumsignificadomais uma invençâo técnica: a da imprensa por Gutenberg, em Mainz, literal quando certos generös buscavam aproximar-se do passado. em meados do século XV. Registrar sua decisiva importância nao Isto acontecia corn a inspiraçâo do épico, corn o detalhe narrativo devenospermitiresquecer,porém,queoutras“revoluçoes” tiveram e descritivo do romance histörico, ou quandoos atores histöricos tanta, se nao mais, importância no longo decorrer da histöria da eramtemporariamentereencarnadosporatoresdramâticosnopalco. culturaescritanoOcidente.Umadelasfoiosurgimento,duranteos Deste modo, obras de ficçào ou pelo menosalgumas delas-e a primeirosséculosdaeracristâ,deumanovaformadelivro,ocodice memoriacoletivaouindividualdavamaopassadoumapresençaque composto de folhas dobradas e reunidas. Em diversas ocasioes ao cornfrequênciaeramaisfortedoqueaquelaqueoslivrosdehistöria longo dos séculos, mudanças nas maneiras deleituradas pessoas podiamfornecer. Umamelhorcompreensàodesseselementoscon- foramqualificadascomo “revoluçoes”. Ademais, a vigorosasobre- correnteséumdosobjetivosbâsicosdopresentelivro. vivência da produçâo manuscrita na era da imprensa obriga-nos a 10 ROGER CHARTIER A MÄO DO AUTOR E A MENTE DO EDITOR 11 reavaliaropoderdapalavraimpressaesitua-laemalgumpontoentre Algunsleitorespoderaoacharsurpreendentequeumhistoriador autilidadeeainquietude. searrisqueaaventurar-seemliteratura.Otextoqueabreestacoletâ- Menosespetacular,mastalvezmaisessencialparaosnossospro- neadeensaiosexplicarâessaaudâcia.Baseia-senaideiadequetodos pösitos,foiaemergência,duranteoséculoXVIII(mascomvariaçoes ostextos-mesmoHamleteDomQuixote-ternumaformamaterial, locais),deumaordernderevelaçàofundamentadanaindividualiza- uma “materialidade”. Quer sedestinassem ao teatroou näo, eram çaodoescrever,naoriginalidadedaobraliterâriaenaquiloquePaul lidosemvozalta, recitadoseencenados, easvozesqueosfalavam Bénichouchamou lesacredel’écrivain[aconsagraçàodoescritor].A davam-lhesumasonoridadecorpöreaqueosconduziaaosouvintes. ligaçàoentreessastrès noçoes, quefoi decisiva para adefiniçàode Essasonoridade,noentanto,estaforadoalcancedohistoriador,que propriedadeliterâria, chegou aoseu âpice no fim doséculo XVIII “escutaos mortoscomosolhos”.O quechega a nosdo passadoé corn a fetichizaçâo do manuscrito assinado e uma obsessâo pela outro“corpo”:umcorpotipogrâfico.HamleteDomQuixote(paraos caligrafiadoautorcomogarantiadeautenticidadeeunidadedeuma quaisnàoexistemmanuscritosassinados)nosoferecemamateriali- obradispersaemdiversaspublicaçoes.Essanovaeconomiadapala- dadedesuainscriçâoimpressaemlivros(oulivretos)naspaginasque vraescritarompeucomumaordernmaisantigabaseadaemprâticas ostornaram acessiveisaosleitoresdesuaépoca.Vâriosdosensaios bastantediferentes:colaboraçàofrequenteentreautores, reutiliza- que se seguem tentam decifrar as significaçoes construidas pelas çâodeconteüdo usadoanteriormente, lugares-comunsfamiliärese variasformasdessasînscriçoes. formulastradicionais,juntocomcontinuarevisâoeprosseguimento Textosestâoligadosadiversostiposdematerialidade.Amateria- de obras que permaneceram abertas. Foi dentro desse paradigma lidadedolivro,em primeirolugar,quereüneoudissémina,apartir deescritaqueShakespearecompôssuaspeçaseCervantesescreveu dofatodeincluirou nàoobrasdiferentesdeumautoroudistribuir DomQuixote. citaçoes de seus trabalhos em coleçoes de lugares-comuns. Nos Ressaltarissonàosignificaesquecerque,paraambososautores, séculosXVIeXVII umlivronàocomeçavacornotextoquetencio- o processo de canonizaçào que transformou suas obras em monu- nava publicar:começavacorn umasériede peças preliminaresque mentos começou bastantecedo. Esse mesmo processo, porém, foi expressavamasmültiplasrelaçoesimplicitaspelopoderdoprincipe, longamente acompanhado por uma forte consciência da dimensào asexigênciasdo patronato, asleisdomercadoeasrelaçôesentreos coletivadetodaproduçàotextual(enàosodeobrasteatrais)eporum autoreseseusleitores.Ossignificadosatribuidosàsobrasdependiam frâgilreconhecimentodoescritorcomoautor.Seusmanuscritosnào empartedo“portico” textualquelevavaoleitorparadentrodotexto mereceramconservaçào;suasobrasnàoeram propriedadesua;suas emsiequeguiava(masabsolutamentenàorestringia)aleituraaser experiências de vida nào foram registradas em qualquer biografia feitadessasobras. literâria, mas apenas em coleçoes de anedotas. A situaçào mudou Amaterialidadedolivroéinseparâveldamaterialidadedotexto, quando a afirmaçàoda originalidadecriativa entrelaçou a vida do seoqueentendemosporestetermosàoasformasnasquaisotextose autor esuasobras, situando-asdentrode umcontextobiogrâficoe inscrevenapâgina,conferindoàobraumaformafixa,mastambém tornandoossofrimentosemomentosdefelicidadedoautoramatriz mobilidadeeinstabilidade.A“mesma” obranàoédefatoamesma desuaescrita. quando muda sua linguagem, seu texto ou sua pontuaçào. Essas 12 13 ROGER CHARTIER A MÄODO AUTOR E A MENTE DO EDITOR importantes mudanças nos trazem de volta aos primeiros leitores ouacertoscapitulosdoDornQuixote,deCervantes,em particulara de obras: tradutores que as interpretavam, carregando-as de seus visitadohidalgoaumagrâficadeBarcelona.Elaseenraizaemreali- pröprios repertörios lexicais, estéticos e culturais, bem como dos dadeshistöricas. DuranteseuSéculodeOuro, aEspanhafoi, como deseu publico; revisores,quefixavamotextopara preparâ-lopara escreveuFernandBraudel,uma"terrazombada,depreciada,temida impressäo,dividindoacopiaquerecebiamemseçoes,acrescentando e admirada ao mesmo tempo". Foi uma terra cuja linguagem era pontuaçaoeestabelecendoaformaescritadaspalavras;compositores consideradaamaisperfeitaequeproduziraexemplosbrilhantesdos outipögrafos,cujoshabitesepreferences,restriçoeseerrostambém maissedutoresgenerösliteräriosdeescritaimaginativa:oromancede contnbuiamparaamaterialidadedotexto;semesqueceroscopistas, cavalaria, aautobiografia picaresca, a novacomedia,bemcomo Dorn queproduziamcopiaslimpasdosmanuscritosdoautor eoscensores, Quixote,umaobraquenäoseencaixavaemnenhumgêneroestabele- queautorizavamaimpressaodolivro. Emcertoscasosespeciais, a cido.SeaEspanhacapturaminhaatençàoemdiversoscapitulosdeste cadeiadeintervençoesquedavaformaaotextonäoparavanaspâgi livro,étambémporqueosimpressoresnasgrâficasusavammetaforas nasimpressas;ela incluiaacréscimosdeleitores porsuas proprias quetornavamolivroumacriaturahumanaeDeusoprimeiroeditor, maos, aoslivrosque possuiam. Nopresentelivro, o processo pelo enquantoescritoreselaboravamseuscontosusandoosaspectosmais quaiasobrasrecebemsuaformaparticularéanalisadocornbaseem humildes e mais concretos de escrita e publicaçao, novidades que exemplosindividualssugeridospelostradutoresfrancesesdeautores haviamsurgidonummundoaindadominadopelapalavrafalada,pela espanhöis, por urn ator inglês frente à dificil tarefa de interpretar conversaçao(tantopopularcomoletrada)epelolegadodamemoria. o papel do principe da Dinamarca e pelos revisores e tipögrafos É o dificil encontro entrea memoria iletrada deSancho Pança e a empregadospelosmestresimpressoresdoSéculodeOuroespanhol. bibliotecadememoriadoleitorqueera DornQuixotequeempresta Ea propriacomplexidadedo processode publicaçaoqueinspi- forçaaoscapitulosdeSerraMorenadoDornQuixote,lidosaquiàluz rou otitulodeste livro, queenvolveigualmentea maodoautorea dasdistinçoeselaboradaspelograndelivrodePaulRicoeur. mentedoeditor. Estequiasmatalvezinesperadopretendedemons- Os ensaios que compöem este livro, habitados como säo por trarque, embora todadecisaotomadanagrâfica, atémesmoamais grandesfantasmasdopassado, tambémesperamcontribuir paraas mecânica,impliqueousoderazàoecompreensao,acriaçàoliterâria questoeslevantadaspormutaçoescontemporâneasnaculturaescrita. sempreconfronta umaimaterialidadeinicial dotexto ada pagina Atextualidadedigitalabalaascategoriaseprâticasqueeramasfun- queaguarda ser escrita. Essefato justifica a tentativadecriar uma daçoesparaaorderndosdiscursoseoslivrosnocontextedosquaisas conexao estreita entre histöria cultural ecritica textual. Em parte, obrasaquiestudadasforam imaginadas, publicadaserecebidas.As tambémexplicaafortee repetida presençadaEspanhadosséculos questoesporelalevantadassaomuitas:Oqueéum"livro"quando XVIeXVIInosensaiosquecompöemestelivro. näoémaissimultâneaeinseparavelmentetextoeobjeto? Quaissäo Essaconexaonäosedeve unicamenteà mmhaafeiçâoporobras as implicaçoes para a percepçào de obras e a compreensao de seu doSéculodeOuroespanhol ou a estudosque anteriormentededi- significadode umacapacidadede1er unidadesdetextoindividuals queiaoBuscôn,deQuevedo,aoArte nuevode hacercomediaseneste radicalmentedesvinculadasdanarrativaoudoargumentodasquais tiempo[Novaartedefazercomédiasnestetempo],deLopedeVega, säoparte?Comodevemosconceberaediçaoeletrônicadeobrasmais 14 ROGER CHARTIER A MÄO DO AUTOR E A MENTE DO EDITOR 15 antigas,taiscomoasdeShakespeareeCervantes,dadoquetaistéc- aposteremsido publicadospela primeira vez.Seeuosreescrevesse nicasnospermitem, paradoxalmente,tornarvisiveisapluralidadee hoje, provavelmente seriam bem diferentes, mas eles se mantêm ainstabilidadehistöricadostextos,quenormalmenteignoramospor dentro do projeto bâsico que os colocou numa certa trajetöria de causa das escolhas que uma versäo impressa nos impöe, enquanto pesquisaereflexäo.Semprepensei,eaindapenso,queoslaboresdo aomesmotempoessastécnicasfornecem umaformadeinscriçàoe historiadorouhistoriadoraatendemaduasnecessidades.Elesdevem recepçâodapalavraescritaqueécompletamenteestranhaàformaeà propornovasinterpretaçoesdeproblemasclaramentedefinidos,mas materialidadedelivroscomoeramoferecidosaosleitoresnopassado tambémdialogarcomcolegasestudiososdasvizinhasdisciplinasde (e, pelomenosaindaporalgumtempo,nopresente)? Filosofia, Critica LiterâriaeCiênciasSociais, demodoaestar mais Tais questoes nào sào discutidas diretamente neste trabalho. bem armados para refletir sobre suas prôprias prâticas e sobre os Outrosfaràoestatarefamelhordoqueeupoderiafazer.Noentanto, rumos para os quais a disciplina sedirige. E nesta condiçào que a elasestäopresentes,explicitaouimplicitamente,emtodososensaios. Histöria podeajudar naconstruçàodeumconhecimentocriticodo Issotalvezsedêpelofatodeomundodigitaljâestar modificandoa nossopropriopresente. disciplinade Histöriaaopropornovasformasdepublicaçào, trans- Detalhes bibliogrâficos completos de cada capitulo sào dados formar os procedimentos parademonstraçàoetécnicasde provase abaixo: nos permitir uma relaçào nova, maisbem informadaemaiscritica entre o leitor e o texto. Ou talvez porque enfatizar as categorias e 1 “Écouter les morts avec les yeux”, aula inaugural para a as prâticas da cultura escrita que herdamos pode nos autorizar a cadeira “Écrit et Culturedans l’Europe moderne’’, 11 out. situar melhorasmutaçoesdaeracontemporânea.Entrejuizosapo- 2007,CollègedeFrance,CollègedeFrance/Fayard,2008. calipticosqueidentificam essasmudançascomoa mortedaescrita 2 Versäo inédita e corrigida do Posfâcio da nova ediçào de eavaliaçoesotimistasqueapontam continuidades reconfortadoras, RogerChartier,Auborddelafalaise.L'histoireentrecertitudes outro caminho é tanto possivel como necessârio. Ele se apoia na et inquiétude, Paris:Albin Michel, Bibliothèquedel’Évolu- Histöria,nàoparafornecerprofeciasincertas,masparachegaraum tiondel’Humanité,2009. melhorentendimentodacoexistênciacorrente(etalvezdurâvel)de 3 Aula nào publicada, “ Histoire et science social: Retour à diferentesmodalidadesde palavraescrita-manuscrita, impressae Braudel’’,dadaemfrancêsem Iasi, Romênia,em2002. eletrônica-e,acimadetudo,anotarcommaiorrigorcomoeporque 4 Publicadoemfrancêscomo“Lespouvoirsdel’imprimé’’,em o mundodigital desafia as noçoes que sustentavam a definiçàode RicardoSaez(ed.), L'impriméet ses pouvoirsdans les langues obracomoobra,arelaçàoentreescritaeindividualidadeeaideiade romanes, Rennes:PressesUniversitairesde Rennes,2010. propriedadeintelectual. 5 Aula nào publicada dada como Professor Visitante Lord Para um autor, mesmo um historiador-autor, reler o proprio Weidenfeld em LiteraturaComparada na Universidadede trabalho é sempre uma provaçào. Os ensaios aqui reunidosforam Oxford, maio2010. cuidadosamenterevistosparacorrigirerros,evitarrepetiçoeseacres- 6 Aula nào publicada dada em Cambridgecomo Clark Lec- centar as necessârias referências a obrase artigosque apareceram ) ture,maio2009. li 16 ROGER CHARTIER 7 Otextofrancêsoriginaldesteensaiofoipublicadoemespa- nhol como “La Europa castellana durante el tiempo del Quijote” ,emAntonioFeroseJuanGelabert(eds.),Espanaen tiemposdelQuijote,Madri:TaurusHistoria,2004, p.129-58. 8 Publicado em francês como “Mémoire et oubli. Lire avec Ricoeur”,emChristianDelacroix, FrançoisDosseePatrick Garcia(eds.), Paul Ricoeuret lessciences humaines,Paris:La Découverte, 2007,p.231-48. 9 O original francês deste ensaio foi publicado em italiano como“Paratestoepreliminari.CervanteseAvellaneda”,em MarcoSantoro e Maria Gioia Tavoni (eds.), I Dintorni del testo, Roma:Edizionidell’Ateneo, 2005,p.137-48. 10 Publicadoemfrancêscomo “Lesauteursn’écrivent pasles Parte I: livres, pas même les leurs. Francisco Rico, auteur du Qui- chotte”, Agenda de la pensée contemporaine 7, Primavera O passado no presente 2007:13-27. 11 Publicado em francês como “Editer Shakespeare (1623- 2004)”,2004, Ecdotica1:7-23. 12 Publicado em francês como “Hamlet 1676. Le temps de l’oeuvre”, em Jacques Neefs (ed.), Le temps des oeuvres. Mémoire et préfiguration,Vincennes: Presses Universitaires deVincennes, 2001,p.143-54. R.C. Capitulo1 Escutar os mortos com os olhos “Escutarosmortoscomosolhos” [Escucharalosmuertosconlos ojos\.] Este versode Quevedo nos vem à mentequando inaugura- mosumacadeiradedicadaaospapéisdapalavraescritanasculturas europeiasentreofimda IdadeMédiaeosdiasatuais. Pelaprimeira vez na histöria do Collège de France, uma cadeira é dedicada ao estudo das prâticas da escrita, nao no mundo antigo ou medieval, masnolongointervalodetempodeumaeramodernaquepodeestar sedesenrolandoantenossosolhos. Umcursodeestudosdessetipo teriasidoimpossivel semostrabalhosdaquelesquetransformaram profundamenteasdisciplinasqueformamabasedestenovocampo: ahistöriadolivro,ahistöriadostextoseahistöriadaculturaescrita. E recordandoa minhadivida corn doisdessesestudiosos, quehoje näoestâomaisconosco,queeugostariadecomeçarestaaula. Hâpoucoshistoriadorescujosnomesestäoligadosàinvençàoda disciplina.Henri-JeanMartin,quemorreuemJaneirode2007,éum 1 Estetextofoiapresentadonaaulainauguraldacadeirade“EscritaeCultu- rasnoIniciodaEuropaModerna”,proferidaem11deoutubrode2007no CollègedeFrance.