Gadet, Françoise; Pêcheux, Michel A Língua inatingível — Françoise Gadet; Michel Pêcheux Tradução: Bethania Mariani e Maria Elizabeth Chaves de Mello -- Campinas — Pontes, 2004. Bibliografia. ISBN 85-7113-186-4 1. Análise do discurso 2. Lingüística 3. Semântica 4. Linguagem e história I. Françoise Gadet II. Michel Pêcheux III. Bethania Mariani e Maria Elizabeth Chaves de Mello(traduçâo) IV. Título CDD - 410 401.4 índices para catálogo sistemático: 1. Análise do discurso : Lingüística 410 2. Discurso : Análise : Lingüística 410 3. Análise semântica : Lingüística 410 4. Linguagem e história 401.4 2004 Copyright by © dos autores, gentilmente cedido para a publicação língua portuguesa para a Pontes Editores Ltda. Coordenação editorial: Ernesto Guimarães Editoração eletrônica e capa: Eckel Wayne Revisão: Equipe de revisores da Pontes Editores PONTES EDITORES Av. Dr. Arlindo Joaquim de Lemos, 1333 Jardim Proença 13095-001 Campinas SP Brasil Fone (019) 3252.6011 Fax (019) 3253.0769 E-mail: [email protected] www.ponteseditores.com.br 2004 Impresso no Brasil SUMARIO SOBRE O INTANGÍVEL,O AUSENTE E O EVIDENTE............7 PREFÁCIO.............................................................................................11 INTRODUÇÃO............................................................................... 17 A LÍNGUA DE MARTE.....................................................................19 I. A METÁFORA TAMBÉM MERECE QUE SE LUTE POR ELA..........................................................27 1. LINHA RETA, PÊNDULOS, ESPIRAIS......................................29 2. A FORMAÇÃO DAS LÍNGUAS NACIONAIS.........................35 3. A ANTROPOLOGIA LINGÜÍSTICA ENTRE O DIREITO E A VIDA....................................................................41 4. OS HOMENS LOUCOS POR SUA LÍNGUA..........................45 5. O REAL DA LÍNGUA É O IMPOSSÍVEL................................51 6. DOIS SA USSURE?..........................................................................55 7. A IRRUPÇÃO DO EQUÍVOCO NO REAL............................(63 8. OUTUBRO DE 17 EA FORÇA DAS PALAVRAS..................ÁSÍ 9. OS PROTAGONISTAS DO OUTUBRO LINGUÍSTICO E LITERÁRIO...................................................................................73 10. OS CAMPONESES DA INTELLIGENTSIA............................77 11. A DUPLA FACE DO GIGANTE MAÍAKOVSKI.................83 12. COMEÇA A GRANDE LIMPEZA............................................87 13. O HUMOR PERDIDO NO GRANDE MÉTODO..................93 14. A DUPLA LINGUAGEM...........................................................97 15. A "LINGUÍSTICA MARXISTA ”.............................................101 16. DE CÍRCULO EM CÍRCULO.................................................105 17. O ÚLTIMO DOS CÍRCULOS...................................................111 18. A LINGÜÍSTICA TORNA-SE SÉRIA......................................115 II. PERTENCEMOS A UMA GERAÇÃO QUE ASSASSINOU OS SEUS POETAS.........................................119 1. A GRANDE TRAVESSIA..............................................................121 2. A LÍNGUA: MODELO LÓGICO OU REALIDADE FÍSICA?...........................................................................................[127 3. POPPER EM CHOMSKY............................................................133 4. DEUS INFINITO CRIOU O MUNDO FINITO......................139 5. A AMBIGÜ1DADE COMO PARÓDIA DO EQUÍVOCO.... <J45 6. O SISTEMA POSTO A NU PELAS SUAS FALHAS............J4$~ 7. QUAL É A COR DAS IDÉIAS VERDES?................................153 8. SOMOS DA GERAÇÃO QUE FAZ LINGÜÍSTICA..............163 9. NUNCA O MACACO O MAIS INTELIGENTE.....................173 10. ESTRATÉGIAS FAGOCITÁRIAS...........................................179 11. DOIS CHOMSKY?.......................................................................183 12. ENSINARA GRAMÁTICA OU NÃO?...................................Ç85 13. DIREITO CONTINENTAL EUROPEU E DIREITO ANGLO-SAXÔNICO...............................................189 14. ENIGMA, WITZ E JOKE..........................................................193 15. A LINGUAGEM HUMANA VISTA POR UM MARCIANO..........................................................................199 16. AS FALHAS DE UMA RAZÃO SEM FALHA.....................Í203 17. NAS CABEÇAS, A MÁQUINA DE ESTADO.......................ZÓ7 CONCLUSÃO...................................................................................211 A LÍNGUA PERDIDA?....................................................................213 BIBLIOGRAFIA 215 SOBRE O INTANGÍVEL, O A USENTE E O EVIDENTE Este livro, escrito a quatro mãos (e temos aqui o privilégio de um prefácio feito por um dos autores, Françoise Gadet), merecia há muito uma boa tradução para que os leitores de Michel Pêcheux, ou da análise de discurso que ele inaugura, pudessem apreciar a sua maestria em mos- trar o saber como incompleto e instalar o deseio de compreender mesmo assim. Mantendo sempre como objeto o discurso. O título que escolhi para a apresentação brasileira da tradução me é muito caro: o intangível, o ausente e o evidente são modos de presença muito diversos de proces sos inconfundíveis que tocam a relação da língua com a história. A disci plina capaz de tratar dessa relação em sua materialidade contraditória é a análise de discurso. Nessa obra podemos ver como a noção de equívoco trabalha a refle xão sobre a análise de discurso, sem trégua. Mas não é só das noções discursivas que trata este livro. Seu nome já aponta para o que inquieta os autores: a língua em seu real que, como diz J-C Milner, é o impossí- ^yel. Para compreêlkitíi isSo, e pai Lindo da idéia de que há língua e há línguas, os autores se dão a difícil tarefa de compreender a relação língua/discurso. Para tal, fazem uma belíssima história da lingüística, sem deixar de lado o sujeito do conhecimento, o político, a ideologia e a própria histó ria. E sua tomada geral dessa história de idéias se faz pela contradição. Contradição que interroga a línmiq em sua vizinhança imediata com o paradoxo e o absurdo: aí ele introduz a noção de “witz” e um deslizamen to nas certezas lógicas do “american joke”. Criticando o empreendimento lingüístico que se encontra constituti vamente afetado por uma dupla deriva - a do empirismo e a do raciona- lismo - ele vai mostrar, com sua reflexão sobre esta história, que esta dualidade contraditória se realiza materialmente na própria estrutura das teorias lingüísticas e na história de seus confrontos. Trabalhando todo o tempo a contradição de que existe língua e existem línguas, pas sando pela reflexão sobre a formação das línguas nacionais, ele toma partido junto mas ao mesmo tempo contra J-C Milner pois se para Milner há só o real da língua para Michel Pêcheux há também o real da histórig.. É assim, diz ele, que se pode sair da pessimista oposição ’simplista(formalismo/sociologismo) e encontrar razões em uma com plexidade contraditória. Eu considero esta questão fulcral para a análise de discurso em geral e para este texto em particular. Na “conversa” com Milner po demos ler no texto: “O materialismo histórico pretende se fundar so bre uma tomada desse real como contradição. É precisamente o que recusa J-C Milner considerando na hora atual a história como um puro efeito imaginário, eventualmente mortífero, e sobretudo não como um real contraditório”. Portanto, é pela discussão do real da história em sua relação com o real da língua, pelo absurdo, pelo impossível, pelo equívoco, pela contradição e não pela oposição formalismo/socio- logísmo que Pêcheux sustenta teoricamente a história da lingüística que ele formula. Se a questão do real da língua e da história e sua relação com o conhe cimento assim como a questão da contradição é um eixo dessa reflexão, não podemos deixar de realçar o modo como ele introduz e sustenta teo ricamente a questão do sério, do jogo, da piada como forma de argumen tar sobre a praxis discursiva que toca a materialidade da língua. E o faz porque a esta altura a análise de discurso voltava-se com empenho para materiais de linguagem que não se esgotavam metodologicamente no cor- pus do discurso político. Já na citação sobre Brecht (p.95 do original) podemos ler: “B. Brecht escreveu que era difícil aceder ao Grande Mé todo (a dialética) quando se era desprovido de humor”. Nesse ponto o impossível e a contradição se conjugam manifestando o real da história. E a história de. _qne fala Michel Pêcheux é a de Stalin, dos intelectuais soviéticos, e dos camponeses, atingidos paradoxalmente pela divisão do processo revolucionário contra si mesmo. E se falo nesse paradoxo, e no humor necessário para poder vivê-lo em sua contradição, é porque a teoria também não é indiferente a este processo. O que Michel Pêcheux compreende bem quando, com Gadet, escreve o capítulo sobre “A lingüística se toma séria”. Pretende-se co mandar a língua, apagando sua materialidade, seja pela “falaciosa trans parência da lógica e no arbitrário mistificado da “loucura””. Suportar então a irrupção do non-sens no pensamento, dizem os autores, é respon der a uma profunda necessidade política. Essa é uma prática de quem trabalha na relação da materialidade da língua com a materialidade da história, ou como Pêcheux define, a discursividade: efeito da língua su jeita a falha que se inscreve naJiistóría. Sao fartos os trabalhos em que Michel Pêcheux fala da passagem do irrealizado para o sentido possível, do non-sens, do trabalho do equívoco e da falha não como defeito mas como modo constitutivo de existência e de funcionamento do/suieito e do sentido. Indo mais longe, a partir do que que diz Lacan £obre a metáfora, ele faz dela, ilocalizável como a poesia, um efeito revolucionário, pois a metáfora faz mexer as evidênci as do “mundo nortnal”. £ É assimque pie e Gadet contam a história da reflexão sobre a lin guagem, a partif de uma perspectiva discursiva, falando sobre Saussu- re, Chomsky, 4 Círculo de Praga e outros, desfiando histórias sobre o enigma, o witi, o joke. E aqui vale a pena observar como se pode falar da ciência, através de argumentos teóricos inesperados. Segundo o que diz o texto, o encontro do humor judeu e do absurdo anglo saxão é o lugar de uma contradição. A ambigüidade anglo-saxã é fundamental- mente dicotômica, inscrevendo-se no mundo lógico, reduzido, do mun do que constrói o raciocínio lógico. Já a relação do humor judaico ao absurdo é diferente: ele não se dá jamais à pura lógica, mas supõe sempre um desvio pela história, pela língua, pelo Texto. Reconhece mos aí a materialidade do discurso. Por aí podemos também deduzir que a liripn^fi^st-^prirafírr-^ pnr.nntra Hg outro lado, do lado de uní humor lógico,-^urdo ao equívoco^ Mostrando este jogo enlre_Q witz~ecT jõke,~C) qué os autore^3tão^pg5gurando evitar, sempre, é uma concep ção biõlogizahte, a-histórica do homem. Chamo a atenção para o fato de que os autores tomam a questão do humor, do witz, do joke, não para fazer uma descrição ou apresentar uma explicação, mas para produzir uma teoria que abra a compreensão de uma história, no caso, da ciência. F. este o procedimento da análise de discurso em uma reflexão que se dá como objeto a elaboração de uma análise de discurso que Michel Pêcheüx propôs. . Gostaria de referir ao trabalho da tradução tão bem cuidado pelas tradutoras. Eu as conheço de muito e sei de como, para elas, uma tarefa como essa coloca em pleno o que diz Pêcheux quando fala da interpreta ção: é uma questão política, é uma questão de responsabilidade. Cumpri da com esmero e à risca. E para terminar, reproduzo o humor com que, exemplarmente, os au tores fecham (e não fecham) seu texto: “Sobre o tempo lógico: o camponês, o burguês e o oficial. Quando se conta uma história a um camponês, ele ri três ve zes. A primeira, quando a contamos. A segunda quando a explica mos para ele. A terceira quando ele a compreende. Um burguês, ele, ri duas vezes. A primeira quando a contamos. A segunda quando a explicamos. Mas de todo modo ele não a compreende. O oficial ri uma só vez, quando a contamos; ele não lhe deixará o tempo de explicá-la, e ele não está aí para compreendê-la”. Espero que esta história que contam os autores encontre nos leitores o tempo de rirem muitas vezes, estejam em que lugar esti verem. Eni P. Orlandi Campinas, Outubro de 2003 PREFÁCIO Françoise Gadet O pedido da tradutora da obra para que eu escrevesse um prefácio, quase 20 anos após a redação de La langue introuvable, e quase 20 anos após a morte de Michel Pêcheux, me causa evidentemente prazer; mas tal solicitação não é para mim insignificante e me obriga a percorrer um caminho intelectual que não foi renegado nem esquecido, mas de certa forma colocado a distância por diferentes razões que ultrapassam ampla mente meu percurso pessoal. La langue introuvable, livro denso, constitui, sem dúvida alguma, um gênero dificilmente identificável (para mim como aparentemente para ou tros, pois - como foi pouco citado - parece ter encontrado poucos leito res quando de sua publicação em 1981): simultaneamente reflexão epis- temológica no âmbito de uma disciplina, estado da arte daquilo que veio a se chamar mais tarde “ciências, dã linguagem” (termo adotado oficial- mente na França apenas errf1983) ao colocar em realce contradições fundamentais que a atormentavam (daí o diagnóstico, já na época, de uma “crise” da disciplina), e retomo a seus fundamentos, sobretudo filo sóficos. E, como pano de fundo, reflexão sobre as condições de constitui ção da análise de discurso, cujos fundamentos são em parte determinados pelo fato de que foi na lingüística (embora nem sempre através de lin- güistas) que ocorreu sua emergência. Uma distância de 20 a 25 anos parece constituir um tempo suficiente para permitir o retomo a um texto com um olhar, por assim dizer, um pouco mais exterior. Assim, antes de mais nada, reli o texto, supondo que ele certamente tinha conservado algum interesse, já que existem pesquisa dores que desejam lê-lo, atualmente, e fazer com que seja lido, ao ponto de se darem ao trabalho de traduzi-lo. Mas busquei sobretudo reler o texto não com um espírito de inventário que de início se impôs a mim e do qual tive dificuldade de me desprender (gosto/não gosto, mantenho /assumo / modulo / recuso...), mas como um texto, e não mais como meu texto (meu, apenas em parte, pela distância temporal como também pela escritura a dois que maltrata a pretensão de autoria; e, justamente, não sou sempre capaz de dizer sem hesitação qual de nós dois é a fonte de quê - o que é mais motivo de prazer, pois é sinal de que é um texto e não uma colagem).