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A História do Feminismo PDF

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1 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO CURSO # 44 “A HISTÓRIA DO FEMINISMO” COM PROFESSORA ANA CAMPAGNOLO AULA 04 - SINOPSE De acordo com o senso comum, o feminismo surgiu como um movimento legítimo que buscava igualar os direitos de homens e mulheres, tendo se pervertido somente depois. Ao olharmos para o passado, não é esta a história que ele nos con- ta. Nesta aula, Ana Campagnolo corrige esta situação ao explicitar uma série de mitos e mentiras que foram disseminadas a respeito do início do feminismo. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Ao final desta aula, espera-se que você saiba: como as mulheres adentraram na vida política; quais movimentos marcaram a luta pelo direito ao voto feminino; quais são os dois grandes mitos a respeito da luta pelo voto. BONS ESTUDOS! INTRODUÇÃO Sejam todos bem-vindos à nossa quarta aula do curso sobre femi- nismo. Para poder encerrar na aula de hoje o assunto da primeira onda do movimento feminista, vamos recapitular juntos o conteúdo visto até aqui. Na primeira aula, nós tratamos do protofeminismo, o qual antecedeu o feminismo definido com exatidão. Nós começamos a nossa análise em 1792. Desta época, abordamos principalmente as obras de Mary Wollstone- craft e outros revolucionários sexuais, como Marquês de Sade e William Godwin, marido de Mary. Além disso, discutimos como a origem do mov- imento feminista está inteiramente relacionada com a revolução sexual, a ponto de podermos dizer que ambas são a mesma coisa. Desde os seus primeiros passos, do período da Revolução Francesa até hoje, o movimento está intrinsecamente ligado às questões de moralidade, de combate à religião, de um comportamento anti-clerical e anti-casamento. Na nossa segunda e terceira aulas, nós nos concentramos na inserção da mulher nos espaços públicos, no mundo do trabalho. A partir da presente aula, também veremos como ocorreu a sua inserção no mundo da política. Esses três encontros são dedicados à primeira onda do movimento femi- nista, que começa em 1848 - mesmo ano em que Marx publica o “Manifesto Comunista” -, com a primeira Conferência de Mulheres em Seneca Falls, nos Estados Unidos, que visava discutir os direitos femininos. Este é um ano importante porque marca bem o início da primeira onda do movimento feminista, que, de acordo com o senso comum, buscava o reconhecimento de direitos civis. Na aula de hoje, vamos estudar a questão do sufrágio, da luta das mulheres pelo direito ao voto. Em outros termos, nós nos focaremos em compreender como aconteceu a inserção da mulher no mundo político. Apenas para lembrar, nós já tratamos da inserção da mulher no mundo do trabalho. Na segunda aula, expus principalmente quais foram 3 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO as razões que levaram as mulheres a adentrar o mundo do trabalho, esta- belecendo uma comparação resumida entre a situação do labor desde a Antiguidade até a Revolução Industrial. Na nossa terceira aula, revimos esse mesmo contexto de inserção da mulher no mercado de trabalho, mas enfocamos o pensamento marxista e o casamento desta ideologia com a ideologia feminista, representado de uma forma excepcional pela pessoa da Alexandra Kollontai, a qual defendia uma revolução feminista, o fim da família e uma sociedade socialista-marxista. Também elenquei o pensa- mento de Lênin, Trotsky, Stalin, essas personalidades envolvidas na questão de acabar com a família, e por que isto é a luta do movimento feminista. Novamente, continuaremos a tratar da revolução sexual pois um dos objetivos deste curso é demonstrar como o movimento feminista apresenta mais relação com a revolução moral, com a revolução nos costumes, com a revolução sexual propriamente dita, do que com a conquista de direitos civis ou com a luta das mulheres contra violência. A conquista de direitos civis e a luta das mulheres contra a violência são bandeiras marginais, em alguns momentos, até dispensáveis, dentro do movimento feminista. 2. SOBRE O TRABALHO Para findar o tópico do trabalho, quero trazer uma citação de um dos melhores livros para entender como as mulheres sempre estiveram em relativa condição de vantagem a respeito do universo laboral. O livro, que se chama “Sexo Privilegiado: O fim do mito da fragilidade feminina”, foi escrito por Martin L. Van Creveld, um israelense, historiador de Guerra. Embora a guerra seja seu tema predileto, Creveld acabou escrevendo essa obra em que compara a situação dos homens e das mulheres ao longo do tempo, desde a Antiguidade até os dias de hoje. O livro foi publicado nos anos 2000 e infelizmente não há mais novas edições. Na página 162, na conclusão do capítulo sobre trabalho - que também será o fim da nossa 4 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO exposição sobre trabalho, para podermos falar sobre política e voto -, Martin nos diz o seguinte: “As mulheres casadas, em menor grau, as solteiras, tendem a desem- penhar tarefas mais fáceis quando se trata de trabalhar. O que acontece quando as mulheres não têm esses privilégios pode ser ilustrado pelo des- tino dos kibutz ou da União Soviética. No último caso, o país literalmente entrou em colapso”. Nós comentamos sobre o que aconteceu na União Soviética após a inserção da mulher no mercado de trabalho e a vigência de uma legislação feminista. O resultado foi a proliferação de prostitutas e de meninos de rua. A situação atingiu um nível de calamidade que forçou Stalin a intervir e ret- roceder nas reformas que haviam sido feitas. Os kibutz eram comunidades israelenses que viviam de subsistência da agricultura, nas quais homens e mulheres eram tratados de forma igual. Os kibutz também não prosper- avam, vieram a falir. Esses são alguns exemplos que coadunam com o que já comentamos sobre o trabalho. Martin prossegue: “No que diz respeito ao trabalho, as mulheres sempre desfrutaram de mais privilégios que os homens. A raiz dessa diferença de tratamento está nas características biológicas de ambos os sexos. Enquanto o trabalho era considerado um fardo, as mulheres, como os homens, faziam o possível para evitá-lo, mas, ao contrário dos homens, contavam com a ajuda dos parentes do sexo masculino”. Os homens costumavam não ter essa opção. Na verdade, até hoje costumam não tê-la. Os pensadores socialistas e as feministas declaram que o trabalho é um direito e um privilégio, mas a situação permanece fun- damentalmente a mesma. Martin complementa: “Compreensivelmente, a maioria das mulheres compelidas a tra- balhar por circunstâncias econômicas continua a encarar o trabalho como um fardo. Como as estatísticas mostram, as mulheres costumam aproveitar 5 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO a primeira oportunidade para fugir do trabalho.”. Isso significa que, se a mulher puder trocar um trabalho de 40 horas semanais por outro de 20 horas, fará isso. As mulheres que podem trocar um trabalho mais difícil por outro mais fácil, sempre fazem isso. Mais do que isso: quando podem, em situações de maior privilégio e vantagem, simplesmente param de trabalhar e passam a ser sustentadas por seus maridos. Esta é uma condição que se estende desde a Antiguidade e per- siste até hoje, e, evidentemente, é uma possibilidade que existe muito mais para as mulheres do que para os homens. Os homens apresentam uma chance bem mais remota de parar de trabalhar. Aliás, parece que já nascem sabendo que terão de trabalhar até a aposentadoria e que, mesmo na apo- sentadoria, terão que pensar na esposa, nos filhos, nos netos. Martin ainda afirma que: “Quanto às mulheres que trabalham sem precisar, em sua maioria, elas também mantiveram os privilégios. A saber: desempenhar tarefas leves e em menor quantidade, o direito de abandonar o emprego quando bem entender, o direito de se aposentar mais cedo, e como cereja do bolo, o direito de afirmar hipocritamente que, ao contrário dos homens, o que lhes interessa no trabalho não é o dinheiro, mas as oportunidades de cresci- mento pessoal.”. Para encerrar de vez este tópico do trabalho, vou listar algumas per- guntas para que você possa pensar a respeito deste tema. Na aula ante- rior, eu recomendei a leitura de três livros do Chesterton para entender a condição das mulheres nas décadas de 1910 e 1920. Uma das obras era “O que há de errado com o mundo”. Se você a leu, está mais inteirado acerca do tema para responder as perguntas que vou fazer agora. 1) Homens e mulheres apresentam a mesma capacidade em relação a todos os tipos de trabalho? Homens e mulheres conseguem fazer tudo exatamente igual, com mesma força, velocidade e condição? Ou, ainda, isso depende da área? 6 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO 2) De todas as relações humanas que você conhece, quem costuma sustentar quem? Os homens costumam sustentar as mulheres ou as mulheres costumam sustentar os homens? Ou, ainda, é mais ou menos a mesma coisa, é empatado? 3) Como fica a vida de trabalho da mulher quando lhe falta o homem e como fica a vida de trabalho do homem quando não tem uma mulher? 4) Sustentar os outros é um privilégio ou uma desvantagem? 5) Quando há um casamento, quem costuma desembolsar o din- heiro? Seja para festa, seja para lua de mel. 6) Quem costuma pagar depois do divórcio? 7) Quem costuma sustentar familiares do cônjuge, como sogra, sogra, cunhados e filhos? 8) Quem contribui mais para o orçamento familiar? 9) Quem gasta mais do orçamento familiar? 10) Quem recebe mais pensões? 11) Quem recebe mais assistência social e benefícios do governo no nosso país? 12) Seja na rua como mendigo, seja como vítima de violência, seja como pai/mãe solteiro (a), quem desperta mais solidariedade das pessoas? 13) Para quem estão voltadas as prioridades dos programas do Estado? Estamos em uma época de pandemia. Reflita: para quem está vol- tada a maior parte dos benefícios econômicos da assistência social? Mesmo se tratando de políticas públicas implementadas por Bolsonaro, um presi- dente considerado de direita, machista, homofóbico. Se pensar sobre isso e ler o livro do Chesterton, você saberá as res- postas sobre quais as vantagens e desvantagens de ser homem ou mulher no mundo do trabalho. 7 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO 3. OS PRIMÓRDIOS DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Estar inserido no mundo do trabalho é uma das formas de participar da vida pública, mas existe uma segunda: a participação política. Sendo a primeira característica da primeira onda do movimento feminista a inserção no mundo do trabalho, a segunda, é a luta pelo sufrágio. Na verdade, estamos compreendendo juntos que a ideia de que o movimento feminista, no começo, era liderado por mulheres cristãs que defendiam a família e a vida e só queriam direitos civis é um grande mito. Para o senso comum, a primeira onda se concentra no direito de trabalhar e no direito de votar, mas não é bem assim. De qualquer forma, é importante entender como se deu essa construção tanto no mundo do trabalho quanto no mundo político. 3.1. O MOVIMENTO ABOLICIONISTA Para tornar a compressão da primeira e da segunda ondas do mov- imento feminista mais didática, vamos usar como ano de referência 1848. Podemos sinalizar que o movimento sufragista surgiu nesse ano, nos Estados Unidos. Em 1848, ocorreu a Primeira Convenção de Mulheres em Seneca Falls. Essas pioneiras na participação política estavam muito ligadas aos movimentos abolicionistas. Era uma questão bastante desumana permitir que os negros contin- uassem a ser explorados e escravizados e as mulheres, bem como homens de todos os espectros políticos, até mesmo conservadores, perceberam essas injustiças e começaram a combatê-las. Assim, surgiram movimentos abolicionistas em todos os países em que havia algum tipo de sociedade escravocrata ou que usava a escravidão. Algumas mulheres simpatizaram com essas causas e se introduziram em reuniões e eventos abolicionistas, sendo esta uma das primeiras formas com que as mulheres se inseriram na política. 8 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO Em seu livro “Política Sexual”, em que faz um resumo do ponto de vista feminista e da trajetória do movimento, Kate Millett, que é uma escri- tora de segunda onda, nos diz que as feministas aprenderam boa parte do que sabiam sobre luta política envolvidas nesses movimentos sufragistas. É importante pontuar alguns aspectos acerca do início do movi- mento. Por vezes, temos a impressão de que era um movimento, de certa forma, religioso, pois aconteceu em igrejas e contava com a adesão de mul- heres cristãs. Entretanto, é preciso considerar que, nessa época, no final do século XIX e início do século XX, a maior parte das pessoas se declarava cristã. Até hoje, a maior parte das pessoas se diz cristã, apesar de serem péssimos cristãos, de serem incoerentes e de, às vezes, se declararem feministas e cristãos. É fundamental ter em mente que as pessoas realmente se iden- tificavam ainda mais com a confissão de fé cristã. Por isso, é evidente que quase todos os envolvidos em quase todas as causas eram cristãos, mesmo que o movimento anticlerical, antiDeus, anti-Igreja tenha começado na Revolução Francesa, que é o ápice do movimento iluminista ateísta. Enfim, as pessoas já tinham se assentado na sua fé religiosa, a ponto de desprezar a revolução de Marquês de Sade e William Godwin. Então sim, havia muitas mulheres envolvidas na luta pelo voto que eram cristãs, exatamente porque muitas pessoas eram cristãs. Embora muitas mulheres tivessem um grande apreço pela causa abolicionista, não podemos dizer que a recíproca era verdadeira. Muitos movi- mentos abolicionistas não deram espaço para as mulheres. Elizabeth Stanton, Lucretia Mott e Lucy Stone são algumas das principais personagens na luta pelo sufrágio e já eram consideradas delegadas das causas das mulheres. Apesar disso, as duas primeiras foram paradas em um evento abolicionista. Em 1840, se não me engano, na Inglaterra, elas foram para uma reunião do movimento abolicionista, em que queriam falar inclusive sobre a luta das mul- heres. Todos concordavam que os homens negros deveriam votar e ser livres, mas nem todos concordavam que as mulheres também deveriam votar. 9 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO 3.2. A CONFERÊNCIA DE SENECA FALLS Nessa época, o movimento das mulheres era pequeníssimo. Hoje, vemos aquelas fotos em preto e branco de uma ou outra marcha e as femi- nistas tentam construir a impressão de que havia uma enorme mobilização social, como se as mulheres estivessem muitíssimo preocupadas com a questão do voto. Isso não é verdade. Ao serem vetadas do evento, Elizabeth Stanton e Lucretia Mott se sen- tiram muito discriminadas e resolveram abandonar a luta dos abolicionistas para se preocupar mais com as mulheres, afinal, muitas pessoas estavam preocupadas com a questão dos negros, mas poucas com a questão das mulheres. Foi por isso que, em 1848, em Seneca Falls, realizaram a Primeira Conferência de Mulheres para discutir seus direitos civis, que reuniu cerca de trezentas pessoas. O mais impressionante é que essas mulheres não foram recebidas nem nos movimentos abolicionistas, nem nos partidos políticos. Quem as recebeu, cedendo um espaço para debaterem acerca de suas pautas, foi uma igreja wesleyana dos Estados Unidos. Ou seja, uma Igreja protestante. De uma certa forma, um pouco da culpa do movimento feminista ter crescido tanto nos Estados Unidos é dos protestantes, os quais ajudaram que os eventos dessas mulheres acontecessem. A princípio, essas mulheres vendiam uma imagem de serem cristãs. Quando procuraram o reverendo da Igreja, Elizabeth Stanton e a Lucretia Mott utilizaram argumentos cristãos para convencê-lo de que aquele era um evento decente e justo. Isso realmente sensibilizou o referendo da Igreja, que autorizou a conferência. O argumento primário usado foi de que Deus nos fez todos iguais. Portanto, se somos todos iguais, brancos e negros, homens e mulheres, devemos todos ter os mesmos direitos. Elizabeth Stanton e a Lucretia Mott também se basearam na Declaração dos Direitos do Homem e na Constituição que havia se desenvolvido na formação dos Estados Unidos. 10 E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO

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