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A História da Princesa Isabel - Amor, liberdade e exílio PDF

304 Pages·2015·4.846 MB·Portuguese
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D   urante  dois  anos  de  pesquisas  em  arquivos  raros  sobre  a  Família  Imperial,  a j  ornalista   e   biógrafa,   Regina   Echeverria   teve   acesso   a   uma   série   de d   ocumentos  pessoais  da  Princesa  Isabel.  O  material  inclui  centenas  de  cartas e   scritas  por  ela,  endereçadas  aos  pais,  o  Imperador  D.  Pedro  II  e  a  Imperatriz D   .  Tereza  Cristina,  ao  marido,  o  Conde  D'Eu,  e  à  sua  preceptora,  a  Condessa  de Barral  –  cobrindo  um  período  que  vai  de  sua  adolescência  até  o  exílio.   C   ombinando  essas  cartas  a  outros  registros  e  análises  históricas,  a  autora  nos a   presenta  um  vasto  panorama  do  período  imperial,  enriquecido  com  detalhes dos  bastidores  da  corte. O    livro  também  reconstitui  com  riqueza  de  detalhes  o  dia  13  de  maio  de 1   888,  domingo  em  que  a  Princesa  Isabel  desceu  da  residência  de  verão  da f  amília  real,  na  cidade  serrana  de  Petrópolis,  para  a  assinatura  da  Lei  Áurea n   o   Paço   Imperial,   e   as   festas   comemorativas   que   se   seguiram   no   Rio   de Janeiro  e  em  todo  o  Brasil. R   egina  Echeverria  resgata  a  história  de  Isabel  desde  o  seu  nascimento,  no P   alácio  de  São  Cristóvão,  em  1850,  até  sua  morte,  em  1921,  exilada  no  castelo d   a   família   na   região   da   Normandia.   Nesse   percurso,   é   destacado   ainda   o r  elacionamento  com  seus  professores;  o  encontro  e  o  casamento  com  o  Conde D   ´Eu;  o  nascimento  dos  ]ilhos;  suas  ideias,  nem  sempre  coincidentes  com  as d   e  seu  pai  e  seu  marido;  as  Regências;  sua  participação  no  Abolicionismo;  seu exílio,  ordenado  pelos  republicanos,  e  os  últimos  tempos  em  Paris. [ capítulo I ] | 1888 Fevereiro O bárbaro crime da Penha do Rio do Peixe: um mártir para a Abolição ram três horas da madrugada do dia 11 de fevereiro de 1888, na pequena E Penha do Rio do Peixe, cidade da região leste do estado de São Paulo, distante 166 quilômetros da capital. Abrigava, então, perto de 10 mil habitantes,1 a maior parte da população dedicada à cultura do café. Entre eles, cerca de 2 mil eram escravos. O delegado de polícia local, Joaquim Firmino de Araújo Cunha, dormia tranquilamente em casa com a família quando acordou assustado com o barulho que vinha do lado de fora. Era de gente gritando, agressiva e, de repente, outros sons o alertaram para o súbito e inesperado ataque — pedras quebrando vidros das janelas, tiros para o alto e gritos, muitos gritos. Na rua aglomeravam-se pelo menos duzentas pessoas armadas, prontas para invadir o sobrado de Joaquim Firmino. Estavam alteradas. E furiosas. O motivo? A constante recusa do delegado em perseguir e prender escravos fugidos das fazendas e, mais grave ainda, o fato de esconder alguns deles debaixo de seu próprio teto. O bando barulhento era formado por fazendeiros da região com seus capangas – quase todos velhos conhecidos de Firmino, nascido em Mogi Mirim, cidade vizinha. Carregavam espingardas, garruchas, facas, cacetes e “cabos de relho” (no vocabulário da época). Muitos eram impulsionados por generosas doses de aguardente. Em segundos, entraram pela casa, em atitude bélica, arrebentando tudo o que encontraram pela frente e gritando o nome do delegado. Obviamente, a família de Firmino tentou fugir. A mulher, Valeriana, escondeu-se no grande forno de tijolos e uma das filhas, de 9 anos, não sabendo como se defender, segundo depoimentos, chegou a pedir de joelhos pela integridade física do pai. O próprio Joaquim Firmino correu até os fundos da casa e, da janela do quarto, tentou pular para a casa vizinha, sem sucesso. Caiu em seu próprio quintal, já tomado pela gente em fúria que, sem dó nem piedade, ali mesmo o atacou a golpes e pauladas. Firmino foi espancado até a morte. Tinha 33 anos. O fato foi amplamente divulgado pela imprensa nacional em tons de barbárie e a tragédia causou mais do que alarde em todo o país, principalmente na Corte, no Rio de Janeiro. Houve revolta indignada. Era a primeira vez que brancos matavam outro branco por causa de negros. Joaquim Firmino em pouco tempo transformou-se no “mártir da abolição” e, certamente, seu assassinato foi um elemento a mais de que se valeram a princesa Isabel, o ministro João Alfredo e os abolicionistas para convencer o congresso a apressar a assinatura da Lei Áurea, o que aconteceu apenas três meses depois. Este episódio da história, que tanto repercutiu nos jornais da Corte, só se salvou do esquecimento graças ao trabalho persistente de um pesquisador local, Jácomo Mandato, falecido em 2009. Ele registrou toda a história em livro,2 em que revela detalhes do caso, iluminando a passagem trágica que muitos fizeram questão de apagar. Joaquim Firmino e seus assassinos viraram assunto tabu em Penha do Rio do Peixe. Diante da repercussão negativa, dois anos depois, em 1890, mudou-se o nome da cidade para Itapira, em mais uma tentativa de esconder o crime cruel. Em seu precioso trabalho de pesquisa, Jácomo Mandato detalhou o episódio com informações curiosas. Revelou, por exemplo, que o linchamento de Firmino foi comandado por um médico casado numa das grandes famílias da região (os Cintra). Chamava-se James Warne, mais conhecido como Boi. Chegara ao Brasil em 1865, aos 23 anos, depois da derrota dos estados do Sul na Guerra Civil americana. Ficaríamos por aí nas informações sobre o assassino, não fosse a revista britânica The Economist ter publicado uma reportagem sobre Warne, revelando que o médico havia nascido em Somersetshire, sudoeste da Inglaterra, quando por aqui todos achavam que ele fosse norte-americano. A reportagem traz a visão inglesa do crime da Penha do Rio do Peixe, mostra a trajetória dos Warne e traça um interessante relato sobre o comércio de escravos no Brasil: O crime foi grande demais para uma cidade tão pequena. Para começar de novo, Rio do Peixe mudou seu nome para Itapira. Localiza-se em uma área agrícola quente, úmida e verde — onde o solo fértil permite o cultivo de cana-de-açúcar, laranja, café e a criação de gado — do estado de São Paulo, mas longe da maior cidade do hemisfério sul, o equivalente municipal de um primo distante de um astro de Hollywood. Itapira é conhecida, quando muito, por seus três hospitais psiquiátricos, um número grande para uma população de 70 mil pessoas e base para seu apelido de “cidade dos loucos”. O assassinato era inusitado, não tanto pela violência, mas pelas pessoas envolvidas. Um delegado de polícia, cidadão de certa posição que havia se oferecido voluntariamente para o cargo, era uma vítima incomum. O suspeito era ainda mais esquisito. De acordo com os jornais da época, era um médico americano chamado James Warne. Como o Dr. Warne apareceu nessa cidade pequena, no meio da noite, com as mãos na garganta do delegado? A jornada de Warne até a cena do crime começou no sudoeste da Inglaterra, levou-o aos campos de batalha da guerra civil americana e de lá para o Rio de Janeiro. Sua história mostra como os Estados Unidos da América e o Brasil foram unidos pela escravidão e como o fim desta instituição em um país ajudou, de forma indireta, a acabar com a escravidão no outro país […] Segundo a The Economist, Warne era de uma família moderadamente abastada, que chegou à América na década de 1850 assumindo uma companhia de mineração de estanho no Tennessee. Com a corrida do ouro, os Warne seguiram para a Carolina do Norte – que já havia possuído as minas mais ricas da América – mas perderam tudo o que tinham apostando numa mina vazia. James H. Warne estudou na Filadélfia e cursou Medicina em Nashville. Recém-formado, alistou-se no 39º regimento da Carolina do Norte em abril de 1862, como cirurgião. Lutou durante um ano e foi dispensado. Com o fim da guerra civil americana, veio para o Brasil, assim como muitos dos sulistas derrotados. Ainda que os Estados Unidos tenham proibido a importação de escravos africanos em 1808, seus navios continuavam indo para África com o objetivo de participar desse tipo de comércio. Empresas americanas, como a Maxwell e a Wright and Co., ajudaram a financiar a escravidão brasileira. Barcos americanos saíam da Costa Leste — frequentemente disfarçados de baleeiros para não chamar atenção —, viajavam até o sul da África para pegar os escravos que venderiam no Rio de Janeiro. Às vezes, os navios negreiros viajavam para a África com uma bandeira brasileira e voltavam com a bandeira americana, para enganar os esquadrões antiescravistas que tinham medo de abordar um navio americano. Valia o risco: na década de 1850, um escravo podia ser comprado no Congo por 25 dólares e vendido por 500 dólares ou mais. O apetite brasileiro por escravos fez com que o comércio transatlântico só chegasse ao auge em meados do século XIX, três décadas depois de ingleses e americanos supostamente o terem proibido. O resultado é que o Brasil recebeu dez vezes mais escravos africanos do que os Estados Unidos. A demanda por escravos tornava o Brasil a solução óbvia para a questão que havia atrasado a abolição na América —, ou seja, como compensar os agricultores sulistas pela perda de sua propriedade? Vendendo seus escravos para fazendeiros brasileiros. “Assim como o vale do Mississippi foi a válvula de escape para os escravos agora livres do Norte,” pensou Matthew Maury, um proeminente homem da Virgínia, “a Amazônia vai ser a mesma coisa para o Mississippi.” Ele organizou uma expedição para explorar a Amazônia e testar a praticidade da ideia. Isso não foi tão esquisito quanto parece. Lincoln apoiou vários esquemas de deportação em massa dos negros livres para o Caribe (ele gostava particularmente de mandá-los para Belize e Guiana). Depois da guerra civil, o Brasil passou a atrair os sulistas que buscavam novas oportunidades, mas que também desejavam que a vida continuasse como antes. Em 1866, o reverendo Ballard Dunn publicou Brazil, a home for southerners [Brasil, um lar para os sulistas]. Dunn, um pastor episcopal de Nova Orleans, fundou uma colônia no estado de São Paulo e a batizou de Lizzieland, em homenagem à sua falecida esposa. No ano seguinte, James McFadden Gaston, um médico da Carolina do Sul, publicou Hunting a home in Brazil [Caçando um lar no Brasil], uma mistura de diário de viagem e panfleto imobiliário. Cerca de 10 mil sulistas se mudaram para o Brasil nas décadas de 1860 e 1870, segundo Gerald Horne, da Universidade de Houston, e essa foi uma das maiores imigrações da história americana. Entre eles — segundo os registros dos passageiros de navios que atracaram no Rio de Janeiro — estava James H. Warne. (…) O Brasil era muito diferente dos Estados Unidos da América. Lá, só o Mississippi e a Carolina do Sul tiveram maioria negra. No Brasil, os brancos eram minoria. A elite basicamente branca se preocupava em controlar um número tão grande de negros. Ao mesmo tempo, o Brasil urbano começava a se envergonhar da fama que o país tinha de capital escravista do mundo. (…) Na década que se seguiu à chegada de Warne, o Brasil viveu problemas similares àqueles que levaram o Sul a se separar dos Estados Unidos. A partir de 1850, o sucesso das plantações de café no Sudeste havia sugado mais de 100 mil escravos do Nordeste. Os cafeeiros não queriam abrir mão deles. Mais uma vez, a questão de como compensar os proprietários de escravos pela perda de sua propriedade impedia a abolição. O Brasil encontrou uma solução engenhosa. Em 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que garantia que os filhos de escravas não seriam escravizados. Com a proibição de novas importações de escravos, isto dava um prazo para a abolição. Em 1885, dois anos antes do assassinato, uma lei libertou os escravos entre 60 e 65 anos em troca de mais três anos de serviço. Poucos escravos viviam tanto, mas o princípio contido nesse dispositivo legal era mais importante que seus efeitos práticos: o governo podia libertar os escravos contra a vontade de seus donos. No início do ano seguinte, os escravos não estavam mais esperando que a lei os libertasse. Eles fugiam em grande número, desafiando a polícia a persegui-los e aplicar uma lei que grande parte do país agora considerava inválida. São Paulo, terra dos grandes cafezais, estava no coração desse conflito. Alguns delegados do estado haviam perseguido escravos foragidos, que — segundo Karl Monsma, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — eram espancados e às vezes torturados quando devolvidos a seus donos. Outros delegados escolhiam ignorar a lei. Entre eles estava Araújo Cunha, de Rio do Peixe. E, assim, quando a multidão derrubou a porta de sua casa, Araújo Cunha devia saber o que ela queria. Os líderes do grupo, segundo o relatório da polícia, eram os agricultores locais. Eles queriam sua propriedade de volta. “Traz os negros pra fora”, eles gritaram na casa de Araújo Cunha. De acordo com um jornal, quando o delegado escorregou e caiu na rua, seus algozes gritaram que ele tinha sangue de barata. Para alguns dos que lamentavam o fim do Sul de antes da Guerra da Secessão, ver um homem com traços mulatos como Araújo Cunha em uma posição de poder era enlouquecedor. Raivoso, alimentado talvez pelas decepções acumuladas nos últimos trinta anos — a mina vazia, as batalhas perdidas, os fracassos neste novo país —, Warne bateu em sua vítima até a morte. Uma reportagem particularmente teatral escrita duas semanas depois do crime menciona que o médico estrangulou Araújo Cunha “com uma ferocidade sinistra”. Para quem defendia a abolição, o crime forneceu um arquétipo útil do escravista malvado. A Revista Illustrada de 25 de fevereiro de 1888 relata que, ainda que os suspeitos tivessem fugido, “o mundo não tem uma caverna escura e profunda o bastante para escondê-los”. O jornalista estava errado. A polícia relutou em ir atrás dos donos de terra e deu à multidão bastante tempo para fugir. Um julgamento subsequente não resultou em condenações. Segundo o consulado americano em Santos, no início do século XX, Dr. Warne e a esposa ainda viviam na cidade cujo nome seu crime mudara. A ideia de um assassino viver uma aposentadoria tranquila cercado pela família é perturbadora. Mas o crime não ficou totalmente impune. Warne viajou metade do mundo em busca de um modo de vida que muitos de seus contemporâneos consideravam desumano. Às três e meia da madrugada, em uma pequena cidade de um país estrangeiro, ele matou um homem que interferia com seus direitos de propriedade, um policial que não aplicava a lei. Mas ao fazê-lo, ajudou a matar o que ele amava. Três meses depois daquela noite em Rio do Peixe, o Brasil aboliu definitivamente a escravidão. Foi o último país do Ocidente a fazê-lo.3 Em consequência do crime, o movimento abolicionista, que já estava em ebulição, ferveu ainda mais. Os detalhes da invasão da residência de Joaquim Firmino, em plena madrugada, as agressões sofridas pela mulher e os quatro filhos do casal, a selvageria do assassinato chocaram profundamente os abolicionistas e a opinião pública. Mas por que os fazendeiros resolveram pessoalmente se encarregar da fatal lição a ser dada no delegado? Por que fazer justiça com as próprias mãos? Com certeza, porque estavam cansados da atitude de Joaquim Firmino de não apenas não prender como não “caçar” escravos fugidos. Ele se negava terminantemente a obedecer as ordens recebidas. Fora isso, agravava a situação o fato de o delegado esconder em sua própria casa escravos de figuras importantes da cidade, como era o caso do major David Pereira, neto do cofundador de Penha do Rio do Peixe, Manoel Pereira da Silva. Mais ainda: desde o ano anterior, ou seja, desde 1887, Joaquim Firmino e Joaquim Ulisses Sarmento, seu conterrâneo de Mogi Mirim, participavam de movimentos abolicionistas nas duas cidades. Tanto que, nos dias 10 e 17 de julho de 1887, sócios do Clube Euterpe Comercial, de Mogi Mirim, convidados por Firmino e Sarmento, promoveram um meeting em pleno largo da Matriz da Penha, a favor da abolição. Tudo às claras, para quem quisesse testemunhar. A implicância dos fazendeiros com seu delegado já vinha ocorrendo havia meses. O caso chegou à princesa Isabel, que o mencionou em carta à condessa de Barral, na ocasião sua ex-preceptora: Querida queridíssima Queria ter-lhe escrito no dia 17, mas não me foi possível, apesar do quanto me lembrei de vocês nesse dia. Muitos e muitos parabéns, e que Deus lhe dê todas as venturas! Gaston lhe tem escrito e lhe tem mandado os jornaizinhos dos meninos onde você verá tudo o que se fez pela emancipação dos cativos de Petrópolis. Como já lhe disse, atualmente é quase tolice empregar dinheiro em libertar escravos, mas vimos que podíamos libertar já os que ficarão livres daqui a ano e meio (é convicção minha e da maioria). É sempre uma caridade grande, e de além disso o que mais nos influenciou foi a ideia de dar um empurrão ao pensamento da abolição com pequeno prazo que parece estar no ânimo de todos, exceto no dos empurrados, que é necessário acordar. Ou acordam ou a onda os levará. Que Deus nos proteja, e que mais essa revolução ou evolução nossa se faça o mais pacificamente possível. Você terá lido o horrível assassinato do delegado da Penha do Rio do Peixe. Parece que os instigadores do crime tão horroroso foram dois sul-americanos (sic) escravagistas. Antes isso! Mil saudades! De ambos para vocês todos. Sua muito e muito de coração Isabel Condessa d’Eu4 Depois da morte de Firmino, segundo a descrição de Jácomo Mandato, o grupo de linchadores ainda seguiu para a casa de outra figura da cidade, Pedro Cândido de Almeida, onde se ouviu novamente o estampido de tiros e os gritos revoltados. Foram arrombadas as portas e a horda invadiu a casa, que foi encontrada deserta, porque os moradores fugiram a tempo. Vários jornais dedicaram espaço extra ao episódio da Penha do Rio do Peixe: em São Paulo, o Correio Paulistano e o Diário Popular; no Rio de Janeiro, a Gazeta de Notícias, o Jornal do Commercio e a Cidade do Rio (este de José do Patrocínio). O assuntou rendeu até quando o advogado paulista Brasílio Machado aceitou defender os réus, o que provocou enorme repercussão negativa entre os que desejavam a emancipação dos negros. O baiano Rui Barbosa justificava a decisão do colega paulista, afirmando que a um advogado “não era lícito negar defesa ao perseguido da justiça que, em qualquer circunstância, lhe vinha bater à porta”. Reconhecido não só como advogado, mas também como professor, Brasílio Machado havia ocupado vários cargos públicos sendo, inclusive, presidente da província do Paraná, entre agosto de 1884 e agosto de 1885. A imprensa abolicionista foi implacável em seus ataques ao advogado por aceitar a defesa dos réus incriminados na morte de Joaquim Firmino. Não escapou Brasílio às pilhérias, às galhofas, à gozação. A Revista Illustrada, de Ângelo Agostini, por exemplo, publicou em seu nº 488, de 10 de março: “A bolada de 100 contos, que os indigitados assassinos do delegado Joaquim Firmino ofereceram pelo patrocinato dessa causa perdida, acaba de encontrar quem lhe sorria e lhe faça: gró-gó-tó!” Brasílio empenhou-se na defesa dos réus e conseguiu absolvê-los. Primeiro, desqualificando a vítima, ao apresentar cartas em que o delegado Firmino deixa dúvidas quanto às suas convicções abolicionistas. E, depois, ao sustentar que, com tantos autores, não se conseguiu produzir um só e único culpado – assim absolveu todos, mesmo diante da revolta da opinião pública. Um texto intitulado “O Processo da Penha” foi impresso pela tipografia do Diário Popular, de São Paulo, em junho de 1888, e reuniu oito artigos, em que o advogado Brasílio Machado reúne as provas para sua defesa. A partir de então, os cidadãos de Penha do Rio do Peixe se dedicaram a esconder a história, que começou e terminou mal, sem direito a orgulho e festejos para ninguém. Em 1901, José do Patrocínio ainda lembrava-se do episódio: […] e a bandeira republicana, que sempre tremulava na mão de Glicério sobre os cativos, desfraldava-se sobre o cadáver de Joaquim Firmino, o mártir da Penha do Rio do Peixe, pedindo vingança contra o escravismo que linchara esse herói abolicionista.5 Em 1967, Jácomo Mandato trabalhava na prefeitura e propôs ao prefeito que se desse o nome de Firmino a uma rua da cidade. A sugestão foi elegantemente rejeitada, para evitar problemas com as famílias Cintra e Pereira da Silva, descendentes dos fazendeiros. Só em 1978, noventa anos depois de seu assassinato, Firmino conseguiu ser nome de rua na cidade em que morreu. Três meses depois da trágica morte de Joaquim Firmino, a princesa Isabel decretaria a libertação de todos os escravos do país. Junto às fugas dos negros em massa, à ação dos quilombos, à compra de cartas de alforria e às tramas políticas dos abolicionistas, o crime da Penha do Rio do Peixe foi também um fator que contribuiu para a assinatura da lei. E esse foi, certamente, o ato mais importante da curta carreira política de Isabel, que governaria o país por três breves períodos. Com a lei Áurea, Isabel desenhou seu destino para longe do país onde nasceu e para o qual seria preparada para governar. 1. Recenseamento de 1890. 2. MANDATO, Jácomo. Joaquim Firmino, o Mártir da Abolição. Edição do autor, 2001. 3. The Economist, dezembro de 2013, Edição Especial de Natal. 4. Arquivo do Grão-Pará. Pasta: XLI – 5 – 15 (1888). 5. Jornal Cidade do Rio, 13 de maio de 1901.

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