fado é /zís/ór'ía 709 Gerson Moura B Era uma vez uma Constituinte ./oâo ,4/Hino B Getúlio Vargas e a OligarquiaP aulista -- Vavy P. Borgas 8 Pactos Políticos Do populismo à redemocratização Luü Bresser Peneira A CAMPANHA DO PETRÓLEO Coleção Primeiros Passos B O que é Imperialismo -- .4Érán/o/ b#er7deCsa iam/ B O que é Nacionalidade -- GullZermoH aú/ Ruben e O que é Subdesenvolvimento f/orác/o Gonzo/ez Coleção Tudo é História B Revolução de 30: A dominação oculta /la/o Tranca e Tio Sam chega ao Brasil -- A penetração culturala mericana Gerson Moura 1986 Cbpyr@Àr © Gerson Moura Responsável editorial. Lilia M. Schwarcz Capa e ilustração Ettore Bottini Revisão: Orlando Parolini Cyntia M. M. Panzani ÍNDICE Incrível! Fan tâstico! Extraordinário! 7 Hâ/não hâ petróleon o Brasil? 13 O petróleo na Constituinte 30 O petróleo é nosso! 51 Nasce uma estrela 76 Indicações para leitura 91 Editora Brasiliense S.A R. General Jardim. 160 01223 -- São Paulo -- SP Fine {011 ) 231-1422 INCRÍVEL! FANTÁSTICO! EXTRAORDINÁRIO! Já ouviu falar? Era um programa de radio apre- sentado por Almirante nas noites de quinta-feira, com casos estranhos, coisas do além, fatos inexpli- cáveis... Na quinta-feira, 24 de setembrod e 1948, os jornais anunciavam, para aquela noite, mais um pro- grama de Almirante; no dia seguinte teriam um caso tão incrível para narrar em suas primeiras paginas quanto as estórias do famoso radialista. Aquela quinta-feira foi um dia de primavera no Rio de Janeiro, de fraca nebulosidade e temperatura cálida. Osjornais matutinos anunciavam que, no dia anterior, duzentos convidados tinham homenageado na Câmara de Comércio Americana o sr. John Ab- ..4 memória de bink, bem-sucedidoe mpresário que viera ao Brasil DanieIMoura, no comando de uma missão económica, em nome do trabalhista e nacionalista, governo americano. Quase ao mesmo tempo, o de- operário ferramen leito, putado Café Filho criticava na Câmara Federal a meu pat. 8 Gerson Moura A Campanha do Petróleo 9 presençad a Coca-Colan o Brasil, enquantoa UNE e presidente de honra do Centro de Estudos e Defesa realizava a Convenção Estudantil do Petróleo, na de- do Petróleo. Ao seu lado, sentavam-seo s generais fesa das tesesn acionalistas. Na Câmara Municipal, o Júlio Horta Barbosa, antigop residented o Conselho vereador Breno da Silveira protestava contra a prisão Nacional do Petróleo e também fundador do Centro de membros da Comissão de Defesa do Petróleo em deE studos, e Raimundo Sampaio, que hâ pouco dei- Cascadura e Jacarepaguá. A questão do petróleo co- xara o comando da Região Militar Sul (anualC o- meçava a se tornar um tema político explosivo no mando Militar do Sul) em Porto Alegre. Os discursos Distrito Federal. pronunciados naquela solenidade sublinhavam a ne Nas paginas dos classificados de espetáculos, cessidade de resistir às investidas dos trustes estran- anunciava-se para o dia seguinte no Teatro Muni- geiros e estabelecer a política de exploração estatal cipal a estréiad e ''Los Chavalillos'', grupo de baile do petróleo brasileiro. espanhol. Na Cinelândia -- o centro do lazer carioca Ao final da sessão, sugeriu-se que os presentes de então -- o Cine Vitória anunciava o filme ''Taça seguissem até a Cinelândia para depositar uma coroa da Amargura'', enquantoo s cinemas São Cardose de flores no pedestal da estatua de Floriano Peixoto. Odeon anunciavam respectivamente ''Capitão Fúria'' E foi assim que os dignatários presentese suas fa- e ''Máscara de Sangue'', augúrios talvez do que es- mílias, acompanhados de duas ou três centenas de tava para ocorrer na própria Cinelândia. pessoas, caminharam até a Praça Floriano Peixoto, a Quem estivessen o centro da cidade, no começo pouca distância da ABI. Lá chegando e depositadas da noite, notaria que muitas pessoas se dirigiam à as flores na estatua do marechal, o coronel Arthur sede da Associação Brasileira de Imprensa, onde par- Carnaúba fez um breve discurso ''exaltandoo Conso- ticipantes e interessados enchiam rapidamente os sa- lidador da República e fazendo um paralelo entre a lões daquela entidade. Tratava-se da sessão inau- luta pelo mesmo empreendida em prol da nossa so- gural da Convenção de Defesa do Petróleo, que con- berania política, ameaçada então por pretensõese s- gregava representantes dos núcleos de defesa do pe- trangeiras, e a situação atual tí61eo,p rofissionais de varias áreas, deputados, ve- De repente, poucos minutos depois da meia- readores, assim como oficiais do Exército, Marinha e noite, o imprevisívele inacreditável: a cerimónia co- Aeronáutica, além do público em geral. Ã mesa, três mandada por três generais foi interrompida pela pre- generais do Exército; presidindo a sessão, o general sença inesperada da Polícia Especial, que chegou Estêvão Leitão de Carvalho, um dos mais destacados distribuindo pancada, jogando bombas de gâs lacri- representantes brasileiros na Comissão de Defesa mogêneo e dando tiros de revólver. Segundo os ge- Brasil-Estados Unidos durante a ll Guerra Mundial nerais, que na ocasião foram protegidos em sua inte- 10 Gerson Moura 11 l .4 Ca/npanÀa do /'efl'ó/eo lu gridade física por populares, a polícia espancava in- naram a ação do governoe anunciaram sua disposição discriminadamente, ''esbordoando os pacíficos e de- redobrada de luta pela defesa do petróleo. Cinco dias sarmados manifestantes''. Confusão, pânico, e a po- mais tarde, o Clube de Engenharia aderiu à tese na- lícia efetuando prisões, enquanto ambulâncias co- cionalista da exploração do petróleo. Como em geral meçavam a recolher os feridos, entre os quais o ator acontece, a ação repressiva da polícia chamou a aten- Modesto de Souza, o vereador José Junqueira, o jor- ção do público para o acontecimentoe contribuiu a nalista Gentil Noronha( ferido a bala) e o deputado seu modo para difundir e ampliar o movimento. Eusébio Rocha. Este, ao ver um popular sendo ata- cado ao seu lado, puxou a carteira de identidade e declinou sua condição de representante do povo; re- cebeu de volta um ''não interessa!'', seguindo-se um O incrível 24 de setembro de 1948 foi um marco corpo-a-corpo que colocou o deputado no rol das ví- importante da grande campanha do petróleo, que timas da noite. O ator Modesto de Souza, um dos empolgou a consciência nacional no final dos anos 40 últimos a deixar o hospital, teve o desprazer de ser ali e início dos 50. O tema do momento era a discussão interpelado aos brados pelo próprio chefe-de-polícia ao anteprojetod e lei conhecidoc omo Estatuto do do Distrito Federal como ''perturbador da ordem'' e Petróleo. O governo federal, presidido pelo general ''comunista'' Eurico Gaspar Dutra, enviara ao Congresso Nacional, O mesmo chefe-de-polícia alegou, algumas ho- em janeiro, o prometo de regulamentação do proble- ras mais tarde, que o conflito ocorrera porque a Po- ma do petróleo,c om dispositivosq ue permitiama lícia Especial tinha sido hostilizada por elementosc o- presença do capital estrangeiro em todas as fases de munistas infiltrados na concentração da praça, que produção, desde a prospecção até a distribuição. ele classificava de reunião ilegal. O ministro da Jus- Procurava, porém, assegurar aos nacionais o controle tiça deplorou os acontecimentos e declarou que ''os da rl:glnaçâo e do rransporfe do petróleo destinado ao sucessosd a madrugada( ...) nos dão o triste teste- mercado interno, mediante exigência de que pelo munho da solércia dos comunistas empenhados na menos 60% do capital das empresas dedicadas àque- confusão e divisão do povo brasUeiro". No decorrer las atividades fossem brasileiras. Para os seus formu- do dia 25, choveu protesto de todo lado. Nas casas ladores, essa abertura ao capital estrangeiro deveria legislativas, o vereador e o deputado atingidos exi- permitir a descoberta do petróleo e assegurar o abas- biam seus ferimentos e recebiam a solidariedade dos tecimento nacional. colegas. Também no Senado ouviam-se vozes de pro- Aquela altura, o petróleo estava se tornando a testo. Associações estudantis e profissionais conde- pedra de toque do nacionalismo brasileiro e o ponto r 12 Gerson Moura de aglutinação das forças políticas e sociais interes- sadas num modelo de desenvolvimentoe conómico que favorecessea transição para uma econ(müa ur- bano-industrial. Nesse modelo, o Estado teria um papel eminente na criação de setores básicos da eco- nomia e na criação de melhores condições de atuação do capital, tal como acontecera no primeiro governo de Getúlio Vargas( 1930-1945.) Por isso, para entendermos as origens e a razão HÃ/NÃO HÃ PETRÓLEO de ser da campanha do pefró/eo, convém voltar os NO BRASIL? olhos para as grandes mudanças que se operavam na sociedadee na política brasileira nos anos 30 e du- rante a ll Guerra Mundial. Há pouco mais de 50 anos, dois lavradores da região de Lobato, na Bahia, viviam brigando e se acusando mutuamente de sujar as aguas de seus res- pectivos terrenos, que apareciam freqüentemente po- luídas com óleo. O fenómeno do óleo minando na terra interessou o agrónomo Manuel Início Bastou, que procurou convencer o presidente da Bolsa de Mercadoriasd a Bahia, Oscar Cordeiro, a visitar a região. Juntos, eles percorreram os campos de Lo- bato e puderam constatar a presença do ''óleo no 0 chão''. Â noite as casas dos lavradores e pescadores n da região iluminavam-se com lamparinas que usa- vam aquele mesmo óleo. Impressionado com o que êl vira, Oscar Cordeiro solicitou ajuda do organismo responsável pelas questões de solo e subsolo na admi- nistração federal, o Serviço Geológico do Ministério m da Agricultura, para verificar a existênciad e petró- A ação dos EUA nas relaçõese conómicas internacionais. leo. Mais ou menos na mesma época, outros brasi- b 14 Gerson Moura A Campanha do Petróleo 15 !eiras se movimentavam em outros estados com a solo aos estrangeiros, possibilitando-lhes,p orém, a mesma finalidade de encontrar o ouro negro. E emü exploração dos seus recursos minerais. Jâ o deputado bora Cordeiro não tenha sido bem-sucedido em suas Gracho Cardoso abria aos estrangeiros tanto a pro- requisições ao governo, foi precisamente em Lobato priedade como a exploração do subsolo. que se furou o primeiro poço de petróleo na Bahia, em 1939. Não se poderia dizer que as preocupaçõesc om o Os primórdios petróleo tenham nascido nessa época. As cogitações sobre a sua presença em nosso território e sobre os Não é de se admirar, portanto, que no programa problemas técnicos, financeiros e políticos de sua ex- do fenenflsmo aparecesse com destaque a questão ploração já se faziam há mais tempo. Nas três pri- das riquezas do subsolo brasileiro. Muitos desses te- meiras décadas do século XX, as atividades petrolí- nentes teriam uma posição de destaque no governo feras se caracterizaram pelo amadorismo das inicia- provisório, inaugurado com a Revolução de 1930, tivas particulares, pelo interesse crescente, embora como, por exemplo, Juarez Tâvora, que se tornou limitado, dos governos estaduais e federal na questão ministro da Agricultura em 1933. Foi ele o respon- l e, finalmente, por uma preocupação com os possíveis sável por uma ampla reorganização daquela Pasta, l interesses estrangeiros na matéria. De acordo com cuja finalidade declarada era torna-la mais eficiente Luciano Martins, em .l)ozzvoír ef Z)eve/ordene/zf .Z;co- tecnicamente, rompendo a imobilidade burocrática nomíqzze,n a década de 20, os deputados se pergun- que constituía uma das dificuldades enfrentadas pela tavam no Congresso Nacional se o capital estrangeiro jovem revolução.A pós uma série de mudanças, o poderia contribuir para o processo de industrializa- Serviço Geológico passou então a fazer parte do De- ção do Brasil, sem se transformar em instrumento de partamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) dominação económica puro e simples, ou se não se- e se transformou no Instituto Geológico e Mineraló- ria necessárioa ação soberanad o Estado para con- gica do Brasil. trolar a força do capital estrangeiro em território na- Paralelamente às tentativas de romper com os cional. Recorde-se que na questão específica dos re- compromissos da antiga estrutura burocrática dos mi- cursos do subsolo houve iniciativas variadas. Simões nistérios e orientar sua ação por padrões técnicos mo- Lopes e Marcondes Filho apresentaram prometor e- dernos, o governo tomou decisões de grande alcance, servando apropr/idade do subsolo e a exp/oração do como a promulgação do Código de Minas de 1934, petróleo somente a nacionais. Eusébio de Oliveira que separou a propriedade do solo da propriedade do propunha que se interditasse a propriedade do sub- subsolo, reservando esta à própria União. As ri- l 16 Gerson Moura A Campanha do Petróleo 17 quezas do subsolo passaram de um só golpe a ser plesmente económicas relativas ao petróleo. Petróleo património público, isto é, só poderiam ser explo- significava polêmica. radas pelo Estado ou mediante concessão ou autori- Quando Monteiro Lobato fundou juntamente zação. O código ecoava as preocupações e progra- com Edson de Carvalho a Companhia de Petróleo do mas dos tenentesc om a afirmação da soberania da Brasil e proclamou a descoberta de petróleoe m Ria- nação sobre suas próprias riquezas. cho Doce, nas Alagoas, iniciava-seu ma intensa po- Apesar dessas mudanças, as limitaçõese m re- lémica entre o escritor e os técnicos do governo fe- cursos técnicos e conhecimento especializado eram deral, que duvidavam do valor comercial de suas des- enormes, o que freqüentementep roduzia resultados cobertas, pois as pesquisas governamentaiss e con- pouco alentadores, quando não equívocos sérios. Foi centravam em outra região do estado de Alagoas, o caso do sr. Oscar Cordeiro que, ao constatar a pre- considerada mais promissora. Para Monteiro Lo- sença de óleo em Lobato, pediu insistentemente ajuda bato, a divisa do governo era ''não tirar o petróleo do a vários órgãos públicos, tendo recebido invariavel- chão e nem permitir que outros o tirem''. Os magros mente respostas negativas. O Ministério da Viação, resultados que os técnicos do governo federal alcan- por exemplo, assim respondeu a um dos seus incontá- çavam em suas pesquisas significavam duas coisas veis ofícios em 193S: ''Vossa impertinência não altera para Monteiro Lobato: evidenciavam a absoluta ine- a perenidade deste Ministério. . .''. ficiência do governo enquanto empresário e reve- Impertinência à parte, o fato de que estivessem lavam na prática uma política que fazia o jogo das em jogo na questão do petróleo tantos interesses -- companhias estrangeiras que detinham o monopólio económicos, estratégicos, políticos, de empresas pri- da venda de combustíveis derivados de petróleo no vadas, de grandes companhias internacionais, do es- Brasil e não possuíam interessem aior em ver surgir tado brasileiro, de estados estrangeiros --, numa dé- uma atividade petrolífera genuinamente brasileira. cada de depressão económica e pe(turbação política, Enquanto atuava como empresário, o intelectual fazia com que o tema se tornasse virulentamente po- Monteiro Lobato não descurava os aspectos de co- lémico. No contexto das transformações que se ope- nhecimento e divulgação da matéria que tão de perto ravam no Brasil após a Revolução de 30, ele seria ne- Ihe interessavam. Tanto em O Esconda/o do Pefró/eo cessariamente definido como uma questão ?zacfona/ e e do .Flerro como no livro infantil O /)oço do Visconde, não apenas como um assunto de exploração econó- o tema petróleo aparece de modo apaixonado mas mica. Daí passaremn ecessariamentep ela discussão pragmático. Discutindo em termos históricos, de da relação Estado/iniciativa particular/capital es- análise económica e de política pública, Monteiro trangeiro mesmo as questões mais técnicas ou sim- Lobato argumentava que a razão do sucesso dos Es- r 18 Gerson Moura A Campanha do Petróleo 19 tados Unidos no campo do petróleo assentava-se em ''quem lidou lâ com o petróleof oi a iniciativa parti- cular, não foi o Governo''. Como política a ser adi- tada, atacavat anto a entrega da exploraçãod o pe- tróleo ao Estado como às companhias estrangeiras. ''Produzir não é função dos governos e muito menos do governo brasileiro que sempre se revelou um pro- dígio de ineficiência e inépcia. A solução boa. . . não é a entrega de nosso petróleo a uma empresa de fora, nem ao Governo Brasileiro -- e sim a nós, povo; a nós, Iniciativa Particular.'' A frase está na .A/en- sagem de Morteiro Lobato à mocidade do Brasil sobre o problema do petróleo. Outros atores Boa parte da polémica de Monteiro Lobato com os técnicos do governo federal se centralizava no ar- gumento da capacidade dos trustes estrangeiros em impedir a descoberta e exploração do petróleo no Brasil. Gabriel Cohn mostrou, em .Pefró/eo e .Nbclo- na/ümo, que não se sustenta a ideia de que os interes- ses e vontades das grandes companhias petrolíferas constituam o fio explicativo de toda a política do pe- tróleo nos anos 30. Ele admite que, embora a inca- pacidade governamental em localizar e explorar o pe- tróleo interessasse aos trustes naquele momento, não se pode atribuir os resultados negativos a uma ação deliberada ou de ''sabotagem''. Nesse caso, a impos- sibilidade de dinamizar a economia advinha de difi- Onde esta o petróleo brasileiro ?