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3. A CAIXA DE PANDORA: IBA E como ficou chato ser moderno Agora serei eterno. Carlos PDF

42 Pages·2008·3.24 MB·Portuguese
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3. A CAIXA DE PANDORA: IBA E como ficou chato ser moderno Agora serei eterno. Carlos Drummond de Andrade, Eterno. 140 3. A CAIXA DE PANDORA: IBA Para escrever sobre o período pós-moderno na arquitetura e no urbanismo, poderíamos optar por fazê-lo de maneira não convencional. Poderíamos, por exemplo, escolher um tipo de letra para cada uma das linhas que seguirão daqui por diante, para contar como se deu este período de enorme diversidade formal. Cores diferentes também ajudariam a ilustrar o cenário e, se possível fosse, colocaríamos texturas nas letras, configurando assim um mosaico pluralista de informação1. Fato é que, com as mortes de Le Corbusier em 1965 e Walter Gropius em 1969 – tratados neste trabalho como pedras fundamentais do Estilo Internacional –, os pilares modernistas abalaram-se profundamente. É importante lembrar, contudo, que as mortes de Le Corbusier e Gropius, cronologicamente, aconteceram em meio a outros fatos determinantes para o surgimento e fortalecimento de uma teoria pós-modernista. Três obras literárias são importantes para iniciar ataques críticos ao pensamento moderno: Morte e vida de grandes cidades (1961), de Jane Jacobs; Complexidade e contradição em arquitetura (1966), de Robert Venturi e A arquitetura da cidade (1966) de Aldo Rossi2. Além das letras, a implosão do conjunto residencial Pruitt-Igoe em Saint Louis em 1972, é categórica quanto à obsolescência dos espaços modernos na habitação coletiva e ilustrou que algo precisava mudar nos conceitos da arquitetura e do urbanismo. De maneira reduzida, parte do problema com o Movimento Moderno foi a distância de comunicação entre as formas produzidas e seus usuários. Pode-se dizer que tal afastamento deveu-se à perda da capacidade comunicativa por parte da arquitetura moderna, por ser, na visão da maior parte de seus críticos, demasiadamente técnica, anônima, repetitiva, abstrata e redutiva. Os espaços modernos, contínuos e transparentes não se mostraram compatíveis com o homem real, pois eram projetados para um usuário ideal ao qual a vanguarda se dirigiu. 1 “Em seu livro The Language of Post-Modern Architecture, 1977, Charles Jencks caracterizou eficientemente o pós- modernismo como uma arte populista-pluralista de comunicabilidade imediata”. FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.355. 2 Nesbitt ressalta a importância das obras literárias no momento de crítica ao modernismo: “Outra forma de reação à crise profissional na arquitetura moderna foi o florescimento de uma literatura teórica com a criação de revistas comerciais independentes e periódicos ligados a instituições acadêmicas”, além de “Os arquitetos pós-modernos usaram a palavra escrita para solucionar problemas complexos” NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.24 e 26. 141 Como aproximar a arquitetura e o urbanismo do dito homem real3? Caminhos levaram a crer que as respostas a esta questão estavam na utilização de elementos de conexão entre obras e pessoas, como metáforas, símbolos e resgate de elementos históricos. O arquiteto finlandês Pallasmaa faz um relato interessante que ilustra exatamente este período de mudanças conceituais: Por que tão poucas construções modernas tocam nossos sentimentos, quando qualquer casa anônima numa velha cidadezinha ou o mais despretensioso galpão de fazenda nos dá uma sensação de intimidade e prazer? Por que as fundações de pedra que descobrimos num campo de mato crescido, um celeiro desabado ou um hangar abandonado desperta nossa imaginação, enquanto as casas em que moramos parecem sufocar e reprimir nossos devaneios?4. Ainda na década de cinqüenta, o embrião do pós-modernismo emergiu de dentro dos próprios Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – os CIAM –, momento em que um grupo de arquitetos modernos mostrou descontentamento com o formalismo da Carta de Atenas. Conhecido como Team 10, o grupo deteve-se em críticas aos conceitos modernos de espaço e cidade especialmente no que diz respeito aos valores universalistas e concepções funcionalistas do desenho moderno. Montaner cita em seus escritos a tendência característica do pós-modernismo contextualista de valorização do lugar em contraponto à universalidade do Estilo Internacional. Sobre o Team 10, escreve que acenou a vontade de continuar no caminho moderno, aproximando a arquitetura ao mundo da ciência, da tecnologia e da produção, porém sem a necessidade de definir 3 Sobre a diferença entre homem-tipo moderno e o homem real, uma passagem do livro de De Botton é bem ilustrativa, ao se referir ao projeto de Le Corbusier de uma vila de casas operárias em Pessac, França, 1923. Exemplos claros do modernismo, as unidades se mostravam como “uma série de caixas simples, com longas janelas retangulares, tetos planos e paredes nuas (...) sua admiração pela indústria e a tecnologia expressou-se nos espaços de concreto, nas superfícies sem decoração e nas lâmpadas elétricas nuas, sem lustres”. Porém, segundo De Botton, os moradores tinham uma idéia diferente de beleza: “No final de um dia de trabalho na fábrica, continuar lembrando o dinamismo da indústria moderna não era uma prioridade psicológica urgente. Em poucos anos, os operários transformaram os seus cubos corbusianos idênticos em espaços privados, diferenciados, capazes de fazê- los lembrar das coisas que a sua vida funcional lhes havia tirado. Sem se preocuparem se estavam estragando os projetos do grande arquiteto, eles acrescentaram às suas casas telhados pontudos, persianas, pequenas janelas de caixilho, papéis de parede floridos e cercas de estacas no estilo vernacular e, feito isso, passaram a instalar uma variedade de fontes ornamentais e duendes nos jardins em frente de casa”. DE BOTTON, Alain. A arquitetura da felicidade. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, p.164. 4 PALLASMAA, Juhani. A geometria do sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura. In: NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.482. 142 grandes teorias, “mas sim imitando o método científico experimental que analisa caso a caso”. Tratava-se, portanto, de refletir sobre a arquitetura com olhos para as diversidades sociais e culturais próprias de cada local, propondo idéias como a identidade – que aparecerá no discurso de Aldo Rossi – e vizinhança – em Jane Jacobs. Para isso, “era necessário provocar a crise definitiva dos princípios simplificadores da Carta de Atenas e expor a complexidade da vida urbana”5. Destacam-se no grupo do Team 10, os britânicos Alison e Peter Smithson e o italiano Giancarlo de Carlo, arquitetos saídos do Movimento Moderno e que criticaram parte do que aprenderam. Para os Smithson, a relação entre os habitantes e o território era fundamental para o alto grau de identidade do homem com o seu espaço na cidade. A leitura urbana proposta pelo casal, segundo Barone, (...) abandonava o entendimento do espaço a partir de sua funcionalidade e adotava o critério da escala da aglomeração humana: a casa, a rua, o bairro e a cidade, cada uma delas com tipos específicos de relações interativas entre indivíduos, entre grupos e entre pessoas e espaços.6 Giancarlo de Carlo analisou o urbanismo moderno e chegou a classificar seus teóricos de ingênuos por considerarem que dividir a cidade em funções seria a solução para organizar seus problemas. O trabalho do Team 10 foi de fato uma espécie de atitude auto-reflexiva de figuras internas ao modernismo, que se tornou fundamental para abrir espaço aos críticos que o seguiram – Jacobs, Rossi, Venturi e outros –, contribuindo para o enfraquecimento da universalidade de pensamento, incentivando idéias novas e diversas. Antes do mergulho nas críticas de Jacobs, Venturi, Rossi e tantos outros, faz-se necessário um pensamento sobre o termo pós-moderno. A realidade pós-moderna configurou-se de maneira a enfatizar para si adjetivos como pluralista7, fragmentário e multidirecional, conceitos diversificados e ao mesmo tempo instáveis, frutos do padecimento e do esvaziamento da verdade única do modernismo. 5 MONTANER, Josep María. Depois do movimento moderno. Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.30. 6 BARONE, Ana Cláudia Castilho. Team 10. Arquitetura como crítica. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2002, p.142. 7 Nesbitt define o período pluralista pós-moderno entre 1965 e 1995. Ver NESBITT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.15. 143 Colquhoun também cita o pluralismo pós-moderno como substituto da teoria universal modernista. Para tal, utiliza a definição do termo pós-moderno de Andreas Huyssen: O termo pós-moderno parece ora vazio, ora tendencioso. Provavelmente, o mais próximo que poderíamos chegar de uma definição aceitável seria algo na linha da proposição de Andreas Huyssen: os movimentos da arte e da arquitetura que tomaram o lugar de um alto modernismo extenuado. Essa definição deixa implícito que os conceitos unificadores do modernismo foram substituídos por uma pluralidade de tendências e que seria tolo esperar uma única idéia orientadora na prática pós-moderna.8 A crítica ao modernismo e especialmente ao que se chamou de Estilo Internacional, seria fundamental para o surgimento das posições pós-modernistas. Lyotartd lê o pós-modernismo como uma simples sucessão do modernismo, sendo cada um dos tempos claramente identificáveis: “o pós indica algo como uma conversão: uma nova direção depois da anterior”9. Jameson, por sua vez e de maneira mais direta, diz que “pode-se saudar a chegada do pós- modernismo de uma perspectiva essencialmente antimodernista”10, ao passo que Harvey, de modo um tanto mais contido, afirma que o pós-modernismo advém de uma reação ao modernismo, ou afastamento11 dele, assim como Featherstone, que afirma a condição de ruptura presente em pós: O prefixo ‘pós’ significa algo que vem depois, uma quebra ou ruptura com o moderno, definida em contraposição a ele (...) o termo ‘pós-modernismo’ apóia-se mais vigorosamente numa negação ao moderno, num abandono, rompimento ou afastamento das características decisivas do moderno.12 8 COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p.229. 9 LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p.94. 10 JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002, p.81. e JAMESON, Fredric. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995, p.28. 11 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992, p.19. 12 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p.19. 144 OS CRÍTICOS DA RACIONALIDADE Quando Jane Jacobs em 1961 publica o livro Morte e vida de grandes cidades, o planejamento urbano moderno ganha uma importante crítica. A obra é, de fato, nas palavras da própria autora, “uma ofensiva contra os princípios e os objetivos que moldaram o planejamento urbano e a reurbanização modernos ortodoxos”13. A crítica maior de Jacobs encontra-se no fato do urbanismo moderno criar cidades irreais para homens que não existem, “cidades imaginárias perfeitas – qualquer coisa que não as cidades reais”14, e deixar de lado as escalas da rua, do pedestre, da qualidade das relações de vizinhança, do uso misto de atividades, das quadras pequenas, características próprias das cidades anteriores ao planejamento moderno. A maneira com que Jacobs questionou as idéias do Movimento Moderno, valorizando a heterogeneidade da escala dos bairros, a diversidade das ruas e calçadas e as relações de vizinhança como fatores vitais para a dinâmica urbana, levou ao entendimento de que, a partir daquele momento – início da década de sessenta – as cidades não deveriam mais sofrer novas e devastadoras renovações urbanas segundo os princípios racionais e funcionalistas modernistas, mas sim valorizarem-se enquanto espaços vitais, complexos e atraentes que são15. Aldo Rossi, em 1966, publica A arquitetura da cidade. Uma importante contribuição de Rossi, neste momento de repensar a cidade racional e funcional dos modernistas, está no resgate da questão histórica para o campo da arquitetura e do urbanismo, tratando a cidade como um artefato, um objeto que nasce do trabalho humano e, por isso, repleta e recheada de valores 13 JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.1. 14 Idem, p.5. 15 Registra-se aqui uma leitura da crítica a Jacobs feita por David Harvey, na qual o autor revela o teor utópico do discurso de Jacobs: “Quando Jacobs lançou sua famosa crítica aos processos modernistas de planejamento de cidades e de renovação urbana (amaldiçoando, como o fez, Le Corbusier, a Carta de Atenas, Robert Moses e a grande influência maligna da estupidez de que eles e seus acólitos revestiram as cidades no pós-guerra), ela na realidade apresentou sua versão preferida de livre organização espacial por meio do recurso a uma concepção nostálgica de um ambiente íntimo e etnicamente diversificado em que predominavam formas artesanais de atividade empreendedora e de emprego, bem como formas interativas de relacionamento social direto. Jacobs foi à sua própria maneira tão utópica quanto o utopismo que atacou. Ela se propôs a organizar livremente o espaço de uma outra maneira, mais íntima (de escala menos ampla), a fim de alcançar um propósito moral distinto. Sua versão de livre organização espacial trazia em si seu próprio autoritarismo, oculto na noção orgânica de ambiente habitacional e de comunidade como base da vida social. Ainda que ela tenha acentuado sobremaneira a diversidade étnica, só mesmo um certo tipo de diversidade controlada poderia de fato funcionar da forma feliz que ela concebera. A busca da realização dos objetivos de Jacobs poderia facilmente justificar todas aquelas comunidades fechadas e todos aqueles movimentos comunitários excludentes que hoje fragmentam cidades”. HARVEY, David. Espaços de Esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2006, p.216. 145 culturais. “De fato estou convencido de que uma parte importante de nossos estudos deveria ser dedicada à história da idéia de cidade, em outras palavras, à história das cidades ideais e à história das utopias urbanas”16. Nesse sentido, cabe citar Weil: “Não faz sentido afastar-se do passado para pensar apenas no porvir. É uma ilusão perigosa imaginar que isto seja possível. (...) Dentre todas as exigências da alma humana, nenhuma é mais vital que a do passado”17. Contudo, a maior contribuição de Rossi para a teoria pós-moderna foi a utilização de um termo que aparece em seu livro e modifica sensivelmente a escala dos projetos e intervenções a partir da segunda metade da década de sessenta: Lugar. O lugar ao qual Rossi faz referência resgata parte da história da cidade e sedimenta por um momento a prática modernista de tábula rasa que desconsiderava o sítio do projeto urbano, para evidenciar o traço novo vanguardista e teoricamente revolucionário. A substituição das teorias do Plano por teorias do Lugar, procurou, a partir deste momento, conceber de modo menos abstrato, sistêmico e autoritário a cidade pós-moderna. Pensar a cidade enquanto lugar será questão a ser tratada no decorrer deste capítulo. Aldo Rossi encara o projeto arquitetônico, e cada um deles em particular, como um ‘fato urbano’ e, como tal, diretamente vinculado ao seu ‘lugar’ de inserção, não apenas do ponto de vista físico ou topográfico, a sua ambiência imediata, mas um gesto referido a um espaço construído por ‘elementos primários’ – os monumentos, (...) a ‘alma da cidade’ – fatores da memória coletiva que configuram a imagem da cidade de que partirá o arquiteto18. A rejeição ao funcionalismo ortodoxo, ou seja, a idéia expressa no discurso de alguns arquitetos modernistas de que a forma segue a função, fez dos profissionais que desprezavam a rica complexidade própria das cidades, bem como sua história, formas urbanas, traçados, cores e elementos, o alvo principal das críticas de Rossi. Robert Venturi, por sua vez, em Complexidade e contradição em arquitetura (1966), bateu na tecla da crítica ao racionalismo das formas puras dos modernistas, revelando seu descontentamento com a sua produção, considerando-as, de modo geral, frias, por demais simplórias e excessivamente reducionistas. O autor se contrapõe à arquitetura e ao urbanismo 16 ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.5. 17 WEIL, Simone apud PORTOGHESI, Paolo. Depois da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.59. 18 ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p.46. 146 modernos que, em sua prática de tábula rasa, preferem transformar radicalmente o ambiente existente e seus usuários a tentar interpretá-los e revalorizá-los. Para ele, adaptações de modelos históricos apropriadamente modificados para atender a necessidades contemporâneas permitem que o arquiteto desenvolva projetos mais ricos em significado e atitude. O ponto focal de sua crítica foi o que considerava a pobreza de significado do projeto modernista. Gosto de complexidade e contradição em arquitetura. Não gosto da incoerência ou arbitrariedade da arquitetura incompetente nem das afetadas complexidades do pitoresco ou do expressionismo. Prefiro falar de uma arquitetura complexa e contraditória baseada na riqueza e na ambigüidade.19 A novidade que emerge com a chegada de Venturi está na contradição que ele trouxe para a discussão arquitetônica e urbanística, especialmente quando “louvava o predomínio da vitalidade confusa sobre a unidade óbvia, da riqueza sobre a clareza de significado e do ‘não só, mas também’ sobre o ‘ou isto ou aquilo’”20. Venturi propõe uma visão contrária à da arquitetura moderna, elogiando a realidade contraditória, complexa e ambígua, transgredindo assim alguns dos princípios sobre os quais fundou-se o racionalismo do movimento moderno, em especial o princípio de coerência, onde as soluções projetuais universalistas procuraram dar conta dos mais variados problemas. Venturi escreve, em 1972, em parceria com Denise Scott Brown e Steven Izenour, o livro Aprendendo com Las Vegas, obra cuja importância neste período está na contextualização das paisagens construídas e na análise delas, criticando assim a ortodoxia moderna de ignorar o existente. Para Venturi, Brown e Izenour, os arquitetos poderiam aprender consideravelmente com o estudo das paisagens populares e comerciais, mais do que com a perseguição de ideais doutrinários, teóricos e aparentemente abstratos. Não à toa, característica importante do movimento pós-moderno constitui-se na vinculação do homem com a vida cotidiana real, levando em consideração toda a diversidade social e cultural próprias desta prática, fato que remete a uma arquitetura de riqueza e ambigüidade de significados, em vez da clareza e do purismo próprios da modernidade. Os arquitetos perderam o hábito de olhar para o ambiente sem emitir julgamentos porque a arquitetura moderna ortodoxa é progressista, se não revolucionária, utópica e purista; ela 19 VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.1. 20 GHIRARDO, Diane. Arquitetura contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.14. 147 está insatisfeita com as condições existentes. A arquitetura moderna tem sido de tudo, menos tolerante: os arquitetos preferiram mudar o entorno existente em vez de realçar o que já existe.21 Philip Johnson, arquiteto de importante participação neste período pós-moderno, fala sobre a importância de Venturi e da necessidade de voltar às questões específicas inerentes ao lugar, distanciando-se das generalidades racionais: “Tudo começou com o livro de Bob Venturi. Nós – Venturi, Stern [Robert], Graves [Michael] e eu – percebemos que devíamos nos ligar mais à cidade e às pessoas. E que devíamos ser mais contextuais: que devíamos prestar atenção nos velhos edifícios”22. Rubino, ainda sobre a participação de Venturi na consolidação do início do pós-modernismo na arquitetura e no urbanismo, compara seus escritos aos de Le Corbusier: É possível afirmarmos que se o leitor quer entender as duas rupturas simbólicas que a arquitetura empreendeu no breve e interessante século XX, há pelo menos dois autores obrigatórios: Le Corbusier com Por uma Arquitetura e Urbanismo, e Robert Venturi com Complexidade e Contradição em Arquitetura e Aprendendo com Las Vegas. Pouco mais de cinqüenta anos separa os dois blocos, e os textos são tão distintos como uma singela e exata casa branca corbuseana, de um lado, e um colorido e iluminado shopping-center suburbano, de outro.23 A aproximação da arquitetura pós-moderna do homem comum – e não da abstração fantasiosa do homem-tipo moderno –, ou seja, a “humanização” da arquitetura como ponto importante do discurso pós-moderno fica evidente na fala de Venturi, crítica e ao mesmo tempo irônica, quando cita a utopia modernista e seu papel: Em geral, o mundo não pode esperar que o arquiteto construa sua utopia, e a preocupação maior do arquiteto não deveria centrar-se no que deveria ser, mas no que é – e em como ajudar a melhorá-lo agora. Trata-se de um papel mais humilde para os arquitetos do que o movimento moderno gostaria de aceitar.24 21 VENTURI, Robert, BROWN, Denise Scott & IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.25. 22 JOHNSON, Philip apud NESBITT, Kate (org.) Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac & Naify, 2006, p.27. 23 RUBINO, Silvana Barbosa. Quando o pós-modernismo era uma provocação. Resenha 72, Portal Vitruvius, agosto 2003. 24 VENTURI, Robert, BROWN, Denise Scott & IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.160. 148 SUBSTITUIÇÃO DA IDÉIA DE VERDADE ÚNICA O ecletismo é o grau zero da cultura geral contemporânea: ouve-se reggae, vê-se western, come-se McDonald ao meio dia e cozinha local à noite, usa-se perfume parisiense em Tóquio, e roupa retrô em hong Kong.25 Evidente que o pluralismo tão citado nos escritos da década de sessenta não se restringe às participações de Jacobs, Rossi e Venturi – ainda mais considerando que a primeira não produziu formas como os dois seguintes. O fato de passar a considerar com propriedade e fundamento os contextos locais na produção de arquitetura e urbanismo abriu um leque quase infindável de possibilidades. Nota-se, portanto, que as críticas ao racionalismo e ao funcionalismo ortodoxos do modernismo defensores de uma única verdade teórica de fazer arquitetura e planejar cidades, formam o alicerce da produção pós-moderna. A substituição da idéia única de verdade – própria da modernidade – por uma condição pluralista e multidirecional26, permitiu o surgimento de várias verdades, e esta diversidade de pontos de vista, concentradas nas diferenças e condicionantes locais, atuou no sentido de iluminar a tendência modernista que obscurecia estas mesmas diferenças locais, regionais e étnicas sob a sombra de uma verdade universal. Prova desse período de inúmeras correntes e diversos modos de fazer o pós-modernismo foi a Bienal de Veneza realizada em 1980. Nesta exposição, a novidade apresentada esteve focada em importante ponto da produção pós-moderna, cujo novo mostrou-se sob uma de suas essências principais: a provocativa. Segundo Arantes, à época da Bienal de Veneza, “fazia tempo que não se reeditava com algum sucesso a atmosfera de provocação que, em princípio, anuncia a presença do novo”27. A importância do título e do subtítulo da exposição: “A presença do passado – O fim da proibição” abria caminho para a “liquidação definitiva das restrições aos laços com a história, vista como acuada pela ortodoxia moderna”28. De fato, o resgate de questões históricas – como já vimos em Rossi – constituiu-se parte da crítica ao Movimento Moderno. Reviver elementos 25 LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, p.19. 26 Ver GHIRARDO, 2002, p.2; MEDRANO, 2000, p.246; NESBITT, 2006, p.16. 27 ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p.28. 28 NOBRE, Ana Luiza. Apresentação. In: PORTOGHESI, Paolo. Depois da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.IX. 149

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de cinqüenta anos separa os dois blocos, e os textos são tão distintos Um projeto de lei do Senado de Berlim regulamentou, em 1978, a IBA –
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