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2017 – Estado da Questão PDF

16 Pages·2017·4.3 MB·Portuguese
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2017 – Estado da Questão Coordenação editorial: José Morais Arnaud, Andrea Martins Design gráfico: Flatland Design Produção: Greca – Artes Gráficas, Lda. Tiragem: 500 exemplares Depósito Legal: 433460/17 ISBN: 978-972-9451-71-3 Associação dos Arqueólogos Portugueses Lisboa, 2017 O conteúdo dos artigos é da inteira responsabilidade dos autores. Sendo assim a As sociação dos Arqueólogos Portugueses declina qualquer responsabilidade por eventuais equívocos ou questões de ordem ética e legal. Desenho de capa: Levantamento topográfico de Vila Nova de São Pedro (J. M. Arnaud e J. L. Gonçalves, 1990). O desenho foi retirado do artigo 48 (p. 591). Patrocinador oficial manifestações lúdicas na cerâmica do gharb al-andalus Maria José Gonçalves1, Susana Gómez Martínez2, Jaquelina Covaneiro3, Isabel Cristina Fernandes4, Ana Sofia Gomes5, Isabel Inácio6, Marco Liberato7, Constança dos Santos8, Jacinta Bugalhão9, Helena Catarino10, Sandra Cavaco11, Catarina Coelho12 – Grupo de Estudo sobre Cerâmica Islâmica do Gharb al-Andalus – CIGA ([email protected]) – Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património. Resumo Malhas, marcas e “pedras” de jogo surgem com maior ou menor frequência no registo arqueológico, em supor- te cerâmico. A sua forma, mais ou menos circular, não levanta grandes dúvidas quanto à associação a muitos dos jogos fruídos pelas classes populares no Garb al-Andalus. Mais raramente, surgem formas cerâmicas se- melhantes às utilizadas no quotidiano das populações, mas de dimensão reduzida, tendo a sua interpretação funcional sido já objecto de estudos vários sem que, contudo, se estabilizasse a sua integração no mundo do lazer. Mais raramente ainda, surgem pequenos objectos coroplásticos, configurando sobretudo animais mas também figurações humanas, cuja associação a jogos e rituais diversos também tem sido aceite com reservas. Uma reflexão sobre estas problemáticas, e uma sistematização dos objectos cerâmicos que se poderão inscrever no mundo das manifestações lúdicas, é o objectivo do Grupo CIGA para este segundo congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Palavras ‑chave: Gharb al-Andalus, Lúdico, Pedra de jogo, Miniaturas, Objectos coroplásticos. AbstRAct Ceramic disks and game pieces, in ceramic, appear with some frequency in the archaeological record. Their shape, more or less circular, do not raise much doubt as well as their association with many of the games en- joyed by the popular classes in the Gharb al-Andalus. More rarely, other ceramic forms of reduced size appear. Their functional interpretation has been subject of several studies without agreement on their integration into the world of leisure. Even more rarely do small coroplastic objects arise, configuring mainly animals but also human figures. Until now, its association with games and rituals has not been consensual among researchers. The objective of the CIGA Group for this second Congress of the Association of Portuguese Archaeologists is a reflection on these issues, and a systematization of the ceramic objects that can be included in the world of ludic manifestations. Keywords: Gharb al-Andalus, Ludic, Play disks, Miniature, Coroplastic objects. 1. Câmara Municipal de Silves; [email protected] 2. Campo Arqueológico de Mértola; Universidade do Algarve; [email protected] 3. Câmara Municipal de Tavira; [email protected] 4. Museu Municipal de Palmela; [email protected] 5. Direcção-Geral do Património Cultural; [email protected] 6. Direcção-Geral do Património Cultural; [email protected] 7. Bolseiro de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia; [email protected] 8. Arqueóloga; [email protected] 9. Direcção-Geral do Património Cultural; [email protected] 10. Universidade de Coimbra; [email protected] 11. Câmara Municipal de Tavira; [email protected] 12. Direcção-Geral do Património Cultural; [email protected] 1417 Arqueologia em Portugal / 2017 – Estado da Questão 1. INtRoDuÇÃo – o JoGo No IsLÃo Em boa parte, a aversão do Islão aos jogos de azar também se prende com o ilícito de obter um benefí- Embora este artigo incida sobre uma compilação de cio económico ilegal ou gratuito, sem esforço, fun- objectos que, de uma forma ou outra, foram relacio- damento semelhante para a condenação da usura e ‑ nados com funções lúdicas, não podemos deixar de do roubo. Assim, Rosenthal distingue entre k.imar, fazer algumas reflexões sobre o conceito e o signifi- jogos de azar que implicam dinheiro e, portanto, cado do jogo numa perspectiva alargada histórico- estritamente proibidos pelo direito muçulmano, -cultural, se bem que esta tarefa se revista de com- mas nem por isso menos praticados e sujeitos a uma plexidade e controvérsia. controversa jurisprudência (Encyclopedie, 1986, - Já Johan Huizinga, em 1938, iniciava o Homo Ludens ‘K.IMAR’), e la‘ib, termo mais genérico que lhe ser- com a afirmação de que todo o jogo significa alguma ve para debruçar -se sobre os jogos infantis, mesmo coisa (Huizinga, 2000) e alertava para a sua impor- reconhecendo que não existia uma demarcação en- tância como manifestação cultural e para a complexa tre estes e os dos adultos, mas que seriam mais per- relação do jogo com a identidade de grupo, a festa, o missíveis entre as crianças como meio de aligeirar os ritual e o sagrado. Sendo assim, nem sempre é claro rigores da educação e de os iniciar em aptidões mais que deva ser incluído apenas dentro do estrito âm- sérias (Encyclopedie, 1986, ‘LA‘IB’). bito “lúdico” e que deva ser enquadrado, por exem- Num âmbito de análise mais sociológico, cabe fazer plo, na esfera da competição, da expressão musical, também um alerta sobre a diferença entre o concei- do espectáculo ou da função didáctica de apreensão to de criança no islão medieval e na actualidade. Os do papel que cada indivíduo desempenha na socie- autores do Islão Clássico dedicaram importantes ‑ ‑ dade. De facto, o verbo latino ludo podia significar reflexões à infância, tanto do ponto de vista pediá- jogar, divertir -se, passar o tempo, exercitar -se, re- trico como da sua educação, que são frequentemen- presentar, cantar ou recitar, em função do contexto te atribuídas a influências helénicas e helenísticas em que era usado. (Gil’adi, 1992, Gutiérrez e Pernil, 2004). Uma das Para o período medieval, alguns autores preferem ideias implícitas nestes textos é a importância do circunscrever o lúdico apenas aos jogos de azar, aos exemplo dos pais para a formação do carácter do intelectuais e aos desportivos, excluindo outras for- futuro adulto e para o relacionamento com outras mas de “diversão” e “entretenimento” como a mú- crianças, na aprendizagem dos papéis que cada um sica e o teatro (Mehl, 2003, JUEGO). deve desempenhar na sociedade. Deve ser nes- No caso específico do Islão, quando se fala do jogo, te contexto, de preparar o pequeno para a sua vida costumam ser citados os versículos 90 -91 da Surata adulta e de exercitar as suas capacidades cognitivas e ‑ al ‑Maida do Alcorão: sociais, que devemos considerar o jogo infantil. 90. “Ó crentes, as bebidas inebriantes, os jogos de O jogo, tanto de adultos como de crianças, pode ser azar, (o culto aos) altares de pedra, e as adivi‑ considerado, deste modo, como fazendo parte de nhações com setas, são manobras abomináveis rituais quotidianos de quem procura a fortuna nos de Satanás. Evitai ‑as, pois, para que prospereis. dados ou nos jogos de tabuleiro, ou de rituais de 91. Satanás só ambiciona infundir ‑vos a inimizade iniciação na vida adulta das crianças que assim apre- e o rancor, mediante as bebidas inebriantes e os endiam o papel e os gestos que lhe seriam próprios jogos de azar, bem como afastar ‑vos da recorda‑ (Gómez Martínez, 2011, 43). ção de Allah e da oração. Não desistireis, diante disto?” (Alcorão, 2010, 5:90 -91). 2. mALHAs, mARcAs, “PeDRAs” De JoGo A palavra árabe usada nesta surata para expressar jo- e JoGos De tAbuLeIRo gos de azar é maysir (CORAN, 1986: 5:90), que se É comum, em sítios arqueológicos de diversos perío- refere a um jogo específico da arábia pré -islâmica. O dos, encontrar fragmentos de cerâmica recortados facto de a sua proibição estar associada, no mesmo habitualmente em forma de disco mas, por vezes, versículo, ao culto aos altares e à adivinhação com também em forma de losango ou de pétala. Consi- setas é, segundo T. Fahd, um sinal claro do carác- derados objectos menores no estudo da cerâmica, ter mágico e sacrílego que se dá ao jogo, condenado mereceram pouca atenção também entre os estudos pela sua ligação a cultos pagãos (Enciclopedie, 1991, de cerâmica islâmica. ‘MAYSIR’). Com dimensões entre 1 e 6 centímetros, caberia dis- 1418 tinguir entre as formas mais pequenas que poderiam to, um exercício de habilidade em que, basicamente, servir de pedras de jogo, e as maiores de 5 centíme- um disco plano, a “malha”, é lançada sobre um ci- tros que poderiam ser utilizadas como malhas ou, lindro de madeira, o chito, a uma distância determi- inclusive, como tampas para jarras e panelas. nada, num terreno plano e livre de obstáculos (Mar- As pedras de jogo serviram como marcas em jogos tínez Gámez, 1995; Cabral, 1998, 41 -42). Enquanto de tabuleiro, normalmente gravados em pedra. Po- os jogos de tabuleiro se podem enquadrar nos jogos deriam também ser inscritos em outros suportes intelectuais, os jogos de malha e de terreiro terão cerâmicos como tijolos ou telhas, ou no caso do ta- melhor enquadramento no âmbito dos jogos de ha- buleiro de Alquerque do 3 registado num fragmento bilidade e de exercício físico. Muito difundidos pelo de ânfora romana e que, embora de cronologia inde- território peninsular, vários autores atribuem -lhes terminada, foi recolhido em contexto de época islâ- uma origem romana, sem revelarem a fonte que jus- mica na Rua dos Correeiros, em Lisboa (Fernandes, tifica esta afirmação, e alguns também os relacionam 2013, 145, n.º 23), ainda que não tenhamos conheci- com desportos praticados na Antiguidade Grega, mento de qualquer caso do período islâmico. nomeadamente, o lançamento de disco. Embora sejam frequentes as pedras de jogo em ce- râmica, qualquer pedrinha poderia servir para essa 3. mINIAtuRAs função. De facto, conhecemos pedras de jogo feitas em pedra como, por exemplo, o conjunto de 9 pe- Contamos com um conjunto considerável de peças dras de jogo recortadas a partir de pequenas lajes de de tamanho reduzido que têm vindo a ser conside- xisto cinzento encontradas no tanque da casa IX do radas por vários autores como brinquedos (Mari- Bairro almóada da Alcáçova de Mértola, junto das neto, 2006; Flores et alii, 2006). Replicam formas quais também apareceram outras duas talhadas a conhecidas na sua dimensão utilitária, recorrendo partir de fragmentos de cerâmica branca, sugerindo a muitos dos acabamentos de superfícies usados fazer parte dum mesmo conjunto (Gómez Martí- em objectos de função doméstica (aguadas, engo- nez, 2014, 171). be e vidrado), tal como a muitas das suas técnicas São muito numerosos os exemplos medievais de ornamentais, sobretudo a pintura, as caneluras e tabuleiros de jogo gravados sobre diversos suportes as linhas incisas e, mais raramente, os traços de de pedra, incluindo paramentos verticais, em toda a manganês. No Gharb al -Andalus, não se verificam Península Ibérica (Larrén, 2009). Pertence ao Caste- recursos ornamentais de maior complexidade de lo Velho de Alcoutim o maior conjunto e a maior va- materialização, no entanto, exemplares da Andalu- riedade de jogos de tabuleiro de época islâmica pro- zia Oriental apresentam decorações vidradas com- venientes de um único sítio arqueológico. Gravados plexas (Flores, 2006). por incisão em lajes de xisto, estes tabuleiros perten- Purificação Marineto (1995 e 2006) deu a conhecer a cem a seis tipologias diferentes: Alquerque, Tábua, mais completa colecção de réplicas de vasilhame do- Moinho ou Trilha, Tapatan ou Galo, Mancala e Sol- méstico, designando -as com o nome popular de ca‑ dado (Catarino, Dias e Teixeira, 2007, 655; Catarino, charritos e considerando -as objectos lúdicos para as Teixeira e Dias, 2011). Algumas das pedras poderiam brincadeiras das meninas abastadas da cidade pala- estar associadas ao Jogo do Xadrez, no entanto, este tina de Alhambra. Cláudio Torres rebate a interpre- era um jogo aristocrático, pouco difundido entre os tação destas miniaturas como simples brinquedos, grupos menos favorecidos da sociedade. argumentando que o jogo dos meninos e a própria Ainda no que diz respeito às pedras de jogo de for- noção de criança devem ser interpretados no con- ma cilíndrica, foi esboçada a hipótese de que algu- texto medieval e não em função do conceito con- mas delas substituíssem moedas. Realizaram -se temporâneo de infância. O jogo do “pequeno adul- comparações entre alguns exemplares de pedras e to”, revestido de capacidades mágicas e poderes pro- moedas do mesmo período, mas sem qualquer con- filácticos, nunca poderia ser considerado uma banal clusão definitiva. Apenas o estudo de grandes séries brincadeira (Torres, 2004, 3 -4). Mais recentemente, de umas e de outras permitiria obter conclusões de- Isabel Flores Escobosa e Guillermo Rosselló -Bordoy finitivas (Gómez Martínez, 2014, 171). comissariaram a exposição Del Rito al Juego, onde se Algumas “pedras” de maiores dimensões podem voltou a insistir no valor salutar dos brinquedos e na ser relacionadas com o jogo da malha ou jogo do chi- importância do jogo no processo de adestramento, 1419 Arqueologia em Portugal / 2017 – Estado da Questão aprendizagem e assimilação da realidade, ou ainda apitos mas, no geral, relacionava estes objectos com na interacção com o meio (Peral e López, 2006, 114). brinquedos e citava um tratado de hisba de Ibn Rusd, Porém, alguns autores têm equacionado a possibili- avô de Averroes, que criticava o costume de fabricar dade de que se trate de protótipos ou amostras, mais brinquedos em forma de animais no contexto da fáceis de transportar no comércio de longo curso, celebração do ano novo. Também Al -‘Uqbani assi- que servissem ao almocreve para planificar futuras nalava em Tlemcem o mesmo costume, que consi- vendas. Esse seria o motivo da elevada semelhança derava de origem cristã. técnica e da qualidade de execução da maioria des- Não conhecemos, no Gharb, exemplares que pos- tas peças, equiparável aos congéneres de dimensões sam ser considerados como apitos ou assobios, ob- “normais” (Malpica, 2003). O facto, precisamente, jectos de forte carácter apotropaico que espantavam de se tratar sempre de peças de primoroso fabrico os maus espíritos (Rosselló, 2006, 24 e 43). a torno rápido, tem levado a considerar que, numa A maior parte destes objectos coroplásticos consiste primeira análise, são demonstrações de perícia dos em fragmentos de figuras incompletas que parecem oleiros, independentemente do uso que os objectos corresponder a apêndices de vasilhas (vasos, agua- pudessem assumir posteriormente (Gómez Martí- manis e talhas) com os quais partilham técnicas de nez, 2011, 61 e 2014, 169). acabamento e decoração e onde estariam ligados a Acreditamos que, apesar da sua pequena dimensão, funções profilácticas e rituais de purificação (Tor- alguns objectos tiveram função utilitária. Recipien- res et alii, 1996). O exemplo mais destacado é, sem tes com maior capacidade podem ter sido utilizados dúvida, o muito conhecido Vaso de Tavira, a cujas para conter produtos raros e concentrados, como figuras se atribuiu um carácter apotropaico e simbó- especiarias, essências e condimentos exóticos. Um lico que foi amplamente argumentado (Maia, 2004; exemplo é a pequena garrafa encontrada na zona dos Torres, 2004; Paulo, 2007). Banhos da Alcáçova de Silves que ainda conserva a Realmente, não temos exemplos de figuras que, com tampa metálica (fig. 16 do catálogo) (Gomes, 2003, toda a certeza, tenham sido concebidas como autó- 293 e 297). Assim, a inclusão de pequenos púcaros, nomas e, portanto, que não possam ser enquadradas potes e garrafas na categoria de objectos lúdicos deve neste grupo de aplicações plásticas de outros objec- ter sempre em consideração, não apenas as dimen- tos. No entanto, consideramos tal como outros auto- sões mas outras informações como os seus contex- res (Torres et alii, 1996) que, uma vez separados dos tos de proveniência e eventuais marcas de uso. Es- objectos aos que pertenciam originalmente, estas fi- tas dúvidas não se colocam quando a miniatura não guras possam ter sido conservadas quer pelo seu va- pode definitivamente assegurar as mesmas funções lor lúdico, quer pelo seu valor simbólico de amuletos. dos seus congéneres utilitários, como por exemplo a panela de Silves (fig. 14 do catálogo) (Gomes, 2003, 5. obJectos musIcAIs 317, 321) ou a base de talha de Mértola, na qual o bico, não estando furado, perde a função que possui no Neste artigo recolhemos alguns tamborins de cerâ- objecto original (fig. 25 do catálogo) (Palma e Gó- mica, que pela sua similitude com as darbukas que mez, 2009, 711). ainda se tocam por todo o território africano, não A quantidade destas miniaturas em Silves (cidade deixam lugar a dúvida de qual seria a sua função. onde surgem de forma recorrente) é assinalável, não Temos outros testemunhos de instrumentos mu- havendo distinção entre a hierarquia espacial da ci- sicais encontrados em contexto arqueológico no dade (alcáçova, almedina e arrabaldes). Esta mesma Gharb al -Andalus. Um exemplo iconográfico é o observação pode ser feita para Mértola onde, como adufe, que vemos representado no Vaso de Tavira, em Silves, a maioria dos contextos é de natureza ha- utilizado como o fazem hoje as adufeiras da Beira. bitacional. Mais duvidoso é o instrumento que, neste mesmo vaso algarvio, toca um segundo músico: talvez um 4. obJectos coRoPLÁstIcos pequeno tambor, ou um instrumento de sopro. Muitas reservas levantam, também, alguns objec- Torres Balbás, em 1956, assinalava a existência de tos de osso trabalhado (Moreno -Garcia e Pimenta, quadrúpedes de barro cozido em Córdova, Almeria 2006), que inicialmente foram considerados flautas, e Granada. Alguns deles eram interpretados como mas que parecem corresponder a partes de instru- 1420 mentos mais complexos, semelhantes à gaita -de- Do mesmo modo, é ténue a fronteira entre o lúdi- -foles, dos quais não se conservariam os elementos co e o simbólico/profiláctico especialmente no que fabricados com materiais orgânicos perecíveis (Gó- diz respeito às figuras coroplásticas e a alguns ins- mez Martínez, 2011, 42). trumentos musicais, cuja representação, no presen- A música, o som e a dança sempre foram impres- te caso, se encontra associada a recipientes de cerâ- cindíveis em todos os rituais de passagem. Eram mica compósitos. eficazes para afugentar demónios e perigos (Rossel- Presente em todas as sociedades, e apesar da com- ló, 2006). É neste contexto, e não no de um banal plexidade em definir fronteiras entre o lúdico, o entretenimento, que devemos entender os poucos funcional e o simbólico/profilático, o objecto lúdi- instrumentos musicais encontrados nas escavações co, independentemente da sua forma ou tipologia, arqueológicas. é inerente ao homem, possuindo, para além da sua inegável função lúdica e de divertimento, uma rele- 6. coNsIDeRAÇões FINAIs vante função cultural, educacional e ritual, enquan- to veículo de socialização e aprendizagem. O exercício de sistematização foi realizado sobre quatro conjuntos específicos de objetos cerâmicos bIbLIoGRAFIA relacionados com o lazer, independentemente do ALCORÃO (2010) – Alcorão Sagrado. Tradução de Prof. seu caráter social e etário. Samir EL HAYEK. Oeiras: AD ASTRA ET ULTRA, 2010. Se para as comuns malhas, marcas, “pedras” de jogo ISBN 978 -989 -682 -015 -2. e para alguns instrumentos musicais não existirão CABRAL, António (1998) – Jogos populares portugueses dúvidas quanto à sua integração na categoria de ar- de jovens e adultos. Lisboa: Editorial Noticias. ISBN 972 46 tefactos lúdicos, o mesmo não acontece com as de- 0924 3. nominadas miniaturas e objectos coroplásticos. CATARINO, Helena (1997/98) – O Algarve Oriental du‑ Efetivamente, nestes casos específicos a fronteira rante a ocupação islâmica – povoamento e recintos fortifica‑ entre o lúdico e o funcional é muito ténue. dos. In Al ‑’Uliã, nº 6, 3 vols, Loulé. Algumas miniaturas poderão não ter função lúdi- ca, mas sim tratar -se de reproduções cerâmicas de CATARINO, Helena; DIAS, Fernando e TEIXEIRA, Ma- nuela (2007) – Colecção de tabuleiros de jogos do Castelo recipientes produzidos originalmente em outros Velho de Alcoutim (Alcoutim, Algarve). Vipasca Arqueolo‑ suportes, como parece ser o caso específico de un- gia e História [CD -ROM]. Aljustrel: Câmara Municipal de guentários e perfumadores geralmente produzidos Aljustrel n.º 2. 2.ª série. pp. 654 -657. em vidro ou metal, fenómeno que recebe o nome de CATARINO, Helena, TEIXEIRA, Manuela e DIAS, Fer- esqueomorfismo. nando (2011) – Tabuleiros de Jogos do Castelo Velho de Alcou‑ Existem por outro lado, recipientes de uso de mesa tim. Guia da Exposição Jogos Intemporais. Alcoutim: Câma- de dimensões mais reduzidas do que as habituais ra Municipal de Alcoutim. que não poderão ser considerados miniaturas de CAVACO, Sandra e COVANEIRO, Jaquelina (2016) – Tra‑ âmbito lúdico, mas sim artefactos do quotidiano, balhos arqueológicos no Claustro do Convento de Nossa Se‑ com função idêntica aos de maiores dimensões, nhora da Graça (2002). Relatório Final. Parte II. Análise dos eventualmente destinados ao uso por crianças ou, Materiais Cerâmicos. Tavira: Câmara Municipal de Tavira. mesmo, de atribuição utilitária distinta das suas Estampa XXVI, peça 234. funções habituais. CAVACO, Sandra (2011) – O arrabalde da Bela Fria: contri‑ Da amostra tida em consideração, verifica -se que são butos para o estudo da Tavira islâmica. Dissertação de mes- efetivamente miniaturas os recipientes cuja dimen- trado em Portugal Islâmico e o Mediterrâneo. Faculdade são não permite qualquer função utilitária, mas que de Ciências Humanas e Sociais. Universidade do Algarve. reproduzem, de modo fidedigno, congéneres exis- Disponível em http://hdl.handle.net/10400.1/3109. pp. xxxix -xl, peça 314. tentes nas dimensões convencionais. Outros exemplos há que ostentam reduzidas di- CORÁN (1986) – El Corán. Edición preparada por Julio Cor- mensões, mas em que é este o seu formato próprio, tés. Barcelona: Editorial Heder. ISBN 978- 84 -254 -1570 -8. não tendo correspondência com formas de tamanho 779 p. maior, como por exemplo os tinteiros (fig. 21 do ca- ENCYCLOPEDIE (1986) – Encyclopédie du Islam. Nouvelle tálogo). édition, Tomo V. Leiden. E. J. Brill. ISBN 90 04 07820 7. 1421 Arqueologia em Portugal / 2017 – Estado da Questão ENCYCLOPEDIE (1991) – Encyclopédie du Islam. Nouvelle GUTIÉRREZ GUTIÉRREZ, Aurora; PERNIL ALARCÓN, édition, Tomo VI. Leiden. E. J. Brill. ISBN 90 04 08113 5. Paloma (2004) – Historia de la infancia. itinerarios educati‑ vos. Madrid: UNED. ISBN 978 -84 -362 -6649 -8. FERNANDES, Lídia (2013) – Tabuleiros de Jogo Inscritos na Pedra – um Roteiro Lúdico Português. Lisboa: Ed. Apenas, HUIZINGA, Johan (2000) – Homo ludens. [em linha]. Tra- 321 p. ISBN 978 -989 -618 -411 -7. dução brasileira de João Paulo Monteiro. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 2000. [Consult. 28 -6 -2017]. Título ori- FLORES ESCOBOSA, Isabel (dir.) 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do gharb al-andalus dos jogos fruídos pelas classes populares no Garb al-Andalus. adufe, que vemos representado no Vaso de Tavira, utilizado
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