Marco Ginoulhiac O ensino do projecto de Arquitectura Contribuições para um debate crítico em torno da prática contemporânea Tese de Doutoramento em Arquitectura UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Arquitectura 2009 À Luisa, Clara e Teresa “Que fazer? Ali estou eu, completamente nu, com uma rapariga de vinte mil diabos tão vestida como eu, no meio de um quarto onde há uma cama e nada mais. É evidente que é um problema que não me ensinaram a resolver na Universidade.” Boris Vian1 “Diremos que o professor de arquitectura tem de ensinar arquitectura na convicção de que ela se ensina e na plenitude da convicção contrária, de que ela não se ensina, nem pode ensinar-se.” Alexandre Alves Costa2 “Os novos temas, que se propagam à cultura arquitectónica, estão, paradoxalmente, aquém e além da arquitectura. Não pretendemos reconhecer historicamente nenhuma saudade, mas também nenhuma profecia apocalíptica nesse reconhecimento. Nenhuma saudade: pois quando o papel de uma disciplina se extingue, transforma-se em pura utopia regressiva, e da pior espécie, qualquer tentativa de travar o curso das coisas. Nenhuma profecia: porque o processo evolui quotidianamente sob os nossos olhos e, para quem quisesse uma prova clamorosa disto, seria suficiente reflectir na percentagem de arquitectos laureados que efectivamente exercem a profissão. É no entanto verdadeiro que à queda do profissionalismo não corresponde ainda nenhum papel institucionalmente definido para os técnicos anteriormente empregues na edificação. Assim, encontramo-nos a navegar num espaço vazio, no qual tudo pode acontecer mas nada é decisivo.“ Manfredo Tafuri3 “Perchè ciò che si salverà non sarà mai quel che abbiamo tenuto al riparo dai tempi, ma ciò che abbiamo lasciato mutare, perché ridiventasse se stesso in un tempo nuovo.” Alessandro Baricco4 11 VIAN, Boris (1947). Morte aos Feios. Lisboa: Relógio d’Água, 2002, p. 20. 2 ALVES COSTA, Alexandre. 2007. Textos datados. Coimbra: Departamento de Arquitectura, Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra, p. 255. 3 TAFURI, Manfredo. (1973). Projecto e utopia. Lisboa: Editorial Presença, 1985, p. 10. 4 BARICCO, Alessandro. 2006. I barbari. Saggio sulla mutazione. Roma: Fandango, p. 180. Sumário 1 Analogia introdutiva: o Senhor Palomar 17 1.1 Advertências ao leitor e enquadramento teórico 22 1.2 Primeira abordagem ao argumento 31 1.3 Ensino e profissão: uma união de facto 39 1.4 Ensino de Arquitectura: um debate em crescimento 50 2 Ensino do projecto de Arquitectura: do conceito ao projecto 65 2.1 Os traços dominantes do projecto 77 2.2 O projecto como construção de conhecimento 87 2.3 Da educação ao ensino do projecto de Arquitectura 97 2.4 Ensino do projecto e modernidade 116 3 As mudanças do cenário intelectual 121 3.1 O debate sobre a pós-modernidade 127 3.2 As meta-narrativas da modernidade 136 3.3 Linguagem e legitimação 146 3.4 Do determinismo para a incerteza 153 3.5 O enfraquecimento da ideia de progresso 159 3.6 Projecto e novas possibilidades 165 3.7 A reacção disciplinar da arquitectura 171 4 O ensino do projecto de Arquitectura face à pós-modernidade 183 4.1 Uma nova configuração social 187 4.2 Massificação e medianidade 193 4.3 A crise das instituições 199 4.4 As derivações no ensino de projecto 210 4.5 A omnisciência 216 4.6 O tecnicismo 223 4.7 O formalismo 231 4.8 O autismo 238 4.9 Criatividade e inteligência 244 5 Hermenêutica e Arquitectura, um encontro provável 257 5.1 Projecto de Arquitectura e indefinição 261 5.2 Indefinição e ensino de projecto: a abertura construtivista 268 5.3 Indefinição e ensino de projecto: o caminho hermenêutico 274 5.4 A centralidade do preconceito 281 5.5 O pensamento dialéctico como processo de negociação 288 6 As condições da negociação projectual 299 6.1 O papel do docente 302 6.2 Avaliação como racionalização 309 6.3 O docente: subjectividade e influências 318 6.4 A importância do preconceito e da autoridade 323 6.5 A representação como plataforma de negociação projectual 331 6.6 Novas plataformas de negociação projectual 339 6.7 A contingência da compreensão, do projecto à proairesis 348 7 O enquadramento epistemológico do projecto: a avaliação 361 7.1 O conhecimento como “ar de família” 372 7.2 O conhecimento histórico 380 7.3 A construção dos preconceitos 387 8 Conclusões 395 9 Olhando para trás 405 10 Bibliografia 423 Agradecimentos Um primeiro agradecimento, tanto institucional como, e sobretudo, pessoal, vai para o orientador deste trabalho, o Professor Doutor Luís Soares Carneiro com o qual se estabeleceu, desde logo, uma relação amizade e de simbiose intelectual sobre as quais se construiuram a compreensão e a produção do e no discurso construído pela tese. Outro agradecimento é dirigido, com igual intensidade e dedicação, para o Professor Doutor Vítor Silva que, no papel de co-orientar manteve um olhar sempre atento e crítico sobre o processo de investigação e sobre os seus resultados. Os caminhos que a investigação traçou saíram frequentemente do âmbito restrito da Arquitectura. Estas explorações gozaram do apoio de colegas de outros campos disciplinares sem a ajuda dos quais a tese não teria sido possível. Entre eles: o anterior co-orientador Professor Doutor Vasco Branco, da Universidade de Aveiro, a Professora Doutora Sofia Miguens e o Professor Paulo Tunhas, ambos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. A ajuda e paciência destes colegas representaram factores indispensáveis para que, em vários momentos, o receio intelectual deixasse o lugar para um saudável atrevimento, sem o qual nada disso poderia ter sido feito. Todo e qualquer trabalho de produção é, em muita boa parte, um percurso solitário. Todavia o autor teve a sorte de gozar da amizade, da solidariedade e da competência dos colegas que, ao longo de quatro anos, tiveram sempre prontos para partilhar com ele tanto a exaltação da escrita e da invenção como a depressão do bloqueio e da rejeição. Neste estado de bipolaridade emocional e intelectual, foram insubstituíveis as ajudas de Anni Gunther, António Madureira, Eliseu Gonçalves, José Quintão e Luís Viegas. Colegas e amigos que, sem nenhum tipo de obrigação, nem enquanto amigos nem enquanto colegas, leram ou discutiram várias partes ou versões do trabalho. Foram eles que, dia após dia, permitiram manter uma saúde e firmeza mental tanto através de pacientes e pontuais manifestações de amizade, como contínuos estímulos e desafios. Dada a disponibilidade e interesse que demonstrou para com os temas abordados, um reconhecimento particular destina-se ao Professor Gianni Vattimo que, apesar da distância geográfica, disciplinar e pessoal que o separa deste trabalho, manifestou uma disponibilidade exemplar ao ler o trabalho e uma generosa prontidão em enviar um elogio. A sua participação nos trabalhos, anteriormente temida com receio dada a grande notoriedade da pessoa em questão, além de ter legitimado a linha de pesquisa, revelou-se um enorme estímulo para a prossecução. Conversas informais, comentários ocasionais ou rápidas sugestões foram, em determinadas alturas, extremamente importantes e férteis. A todos os que, directa ou indirectamente, ajudaram à dar consistência e estrutura ao trabalho, a dar energias e clareza mental ao seu autor vai, finalmente, um caloroso agradecimento nas esperanças que, ao lerem este texto possam, também, reconhecer a sua própria contribuição. Um agradecimento especial, com grande amizade e admiração, vai para o Fernando Lisboa cuja obra e cuja lembrança tem sido tão importantes para este trabalho.
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