1.0 Resenha Biográfica Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires (Argentina) no dia 24 de agosto de 1899. Em meio a sua vida familiar e imerso numa educação exemplar, no ano de 1914 faz uma viagem à Europa e após percorrer por algumas cidades se estabelece em Genebra (Suíça). Cursa três anos de bacharelado no Lycée Jean Calvin e estuda francês e alemão (seus estudos nestes idiomas permitirão posteriormente o seu entendimento sobre obras de poetas expressionistas e de importantes filósofos, como por exemplo: Schopenhauer, Nietzsche). No ano de 1919 se muda para Lugano (Itália) e posteriormente para Espanha, onde freqüenta as tertúlias de Cansinos-Asséns no Café Colonial de Madri formando parte do movimento ultraísta (movimento este que será liderado pelo próprio na sua terra natal). No ano de 1921, Borges regressa a Buenos Aires e publica seus primeiros livros de poesia: Fervor de Buenos Aires (1923); Luna de enfrente (1925); Cuaderno San Martín (1929). Participa também de numerosas revistas literárias e jornais. Funda, juntamente com outros colaboradores, as revistas Prisma e a segunda fase da revista Proa. Em 1925 publica o seu primeiro livro de ensaios: Inquisiciones e na seqüência El tamaño de mi esperanza (1927); El idioma de los argentinos (1928). Em 1931 colabora na revista Sur com resenhas bibliográficas, críticas cinematográficas, ensaios, poemas e contos ao lado da fundadora Victoria Ocampo. É nesta época que começa uma amizade de longa duração com Adolfo Bioy Casares. Em 1932 publica um novo livro de ensaios: Discusión. No ano seguinte dirige junto ao colega Ulises Petit de Murat o suplemento literário do jornal Crítica (este suplemento agrupará no decorrer dos anos 1933 e 1934 os relatos que fazem parte do livro Historia universal de la infamia,1935). No ano de 1936 colabora com a revista El Hogar. Juntamente com Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo realiza a compilação da Antología de la literatura fantástica (1940) e a Antología poética Argentina (1941). Ainda no ano de 1941, Borges publica o livro de narrações El 1 jardín de senderos que se bifurcan. Em 1942, em colaboração novamente com Adolfo Bioy Casares publica Seis problemas para don Isidro Parodi. É no ano de 1944, que sob o nome de Ficciones, Borges faz uma recopilação dos contos do livro El jardín de senderos que se bifurcan e adiciona outros contos, estes intitulados Artificios, recebendo então o Grande Prêmio à Honra fornecido pela Sociedade Argentina de Escritores. Em 1949 publica El Aleph, este considerado um dos seus mais importantes livros de narrativa, e em 1952 publica Otras inquisiciones. Durante o período de 1950 a 1953 preside a Sociedade Argentina de Escritores. Em 1955 é nomeado Diretor da Biblioteca Nacional e também é nomeado membro da Academia Argentina de Letras. No ano de 1956 recebe o Prêmio Nacional de Literatura e um Doutorado Honoris Causa da Universidade de Cuyo. En 1957, já privado de sua visão, publica ao lado de Margarita Guerrero o Manual de zoología fantástica, na cidade de México. Morre em Genebra aos 14 dias do mês de junho de 1986 aos 86 anos de idade. 2 2.0 - Introdução A prosa narrativa borgeana se apresenta, no decorrer dos anos, como um objeto de admiração e de estudo que tem absorvido a atenção de numerosos críticos e estudiosos do complexo universo onde a filosofia e a teologia entram em cena. O tempo e a eternidade são dois temas que, desde um longínquo passado até os dias atuais, a reflexão não alcança findá-los. Se pensarmos em Zenão, Parmênides, Platão, Kant, Derrida, Heidegger, Nietzsche, entre muitos outros que não foram nomeados, veremos que a preocupação está baseada em tentar propor a elucidação de questões que envolvem o ser e o tempo, a materialidade e a eternidade, o fim e a continuidade, culminando em uma mistura profunda entre a teologia e a filosofia, entre o Oriente e o Ocidente. Borges não se esqueceu dessas e de outras aporias que a metafísica propõe e se dedicou, de uma maneira ou de outra, a refletir e ao mesmo tempo questioná-las de diferentes ângulos. Em seu ensaio “Nueva refutación del tiempo” (BORGES, 1952) sua tentativa filosófica é a negação do tempo assim como a inevitável negação da matéria por Berkeley e do espírito por Hume:“(...) negadas la materia y el espíritu, que son continuidades, negado también el espacio, no sé con qué derecho retendremos esa continuidad que es el tiempo.” (BORGES: 1964, p.252)1 Obviamente, Borges postulará que o agora nada mais é que um tempo posterior e um anterior a outro e que em sua essência é completamente arbitrário e por vezes contraditório. O próprio ser é o agora, o depois e sempre o foi: “Negar el tiempo es dos negaciones: negar la sucesión de los términos de una serie, negar el sincronismo de los términos de dos series. En efecto, si cada término es 1 “(...) negadas a matéria e o espírito, que são continuidades, negado também o espaço, não si com que direito retemos essa continuidade que é o tempo” Todas as traduções que não são indicadas foram realizadas pela autora da monografia. 3 absoluto, sus relaciones se reducen a la conciencia de que esas relaciones existen. Un estado precede a otro si se sabe anterior (...);”(BORGES: 1952, p.12 )2 Baseados nestes conceitos percebemos que a negação do tempo se realiza de uma forma ambígua negando ao mesmo tempo o passado e o futuro. Se por um lado esta complexidade deriva por pensarmos o tempo como uma unidade indivisível, e, portanto sem princípio nem fim, nada menos complexo é perceber a unidade de tempo divisível, pois simultaneamente teríamos um passado concreto e um futuro que não existe. Jorge Luis Borges nos demonstra claramente de que forma manipula os conceitos que circundam a temática do tempo e imperceptivelmente nos submerge no seu tempo circular e no eterno retorno: “El tiempo es la sustancia de que estoy hecho. El tiempo es un río que me arrebata, pero yo soy el río; es un tigre que me destroza, pero yo soy el tigre; es un fuego que me consume, pero yo soy el fuego.” (BORGES:1952, p.13)3 O presente estudo se dedicará a comprovar e a demonstrar de que forma o tempo, que por vezes se confunde com a eternidade e a idéia de eterno retorno, cujos ciclos se repetem infinitamente, e ainda que não sejam idênticos são similares, se apresentam na obra “El jardín de senderos que se bifurcan”4 de Jorge Luis Borges. Perpassamos, na seqüência, sumariamente pelos conceitos fundamentais extraídos dos filósofos e pensadores que influenciaram diretamente ou indiretamente para embasar o estudo apresentado. Ressalte-se aqui que o recorte escolhido baseou-se por optar pelos três primeiros filósofos a pensar o tempo (Heráclito, Platão e Aristóteles), acrescidos estes por um filósofo da modernidade (Nietzsche), cujos pensamentos se encontram nitidamente na obra borgeana como um todo: "(...) el tiempo es un problema para nosotros, un 2 “Negar o tempo é duas negações: negar a sucessão dos términos de uma série, negar o sincronismo dos términos de duas séries. Efetivamente, se cada término é absoluto, suas relações se reduzem à consciência de que essas relações existem. Um estado precede a outro caso saiba-se anterior (...)”. 3 “O tempo é a substância da qual sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destrói, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo”. 4 “O jardim de caminhos que se bifurcam” (Ficções, 1989) 4 tembloroso y exigente problema, acaso el más vital de la metafísica; la eternidad, un juego o una fatigada esperanza." (BORGES:1936, p. 35).5 5 “... o tempo é um problema para nós, um temeroso e exigente problema, acaso o mais vital da metafísica; a eternidade, um jogo ou uma cansada esperança”. 5 2.1- HERÁCLITO (504-500 a.C.) Considerado um dos primeiros filósofos a formular um pensamento crítico diante do problema da unidade do ser versus a pluralidade e mutabilidade das coisas circundantes, sendo estas consideradas como transitórias e aquelas como estáveis, seu pensamento se estendeu ao questionamento do “processo” e como tal formulou uma lei universal e fixa: o Lógos, responsável pelo aspecto harmônico das transitoriedades e fundamentado nas tensões. Portanto, para Heráclito, o tempo constitui um processo abstrato ou ainda uma intuição abstrata do processo, uma essência verdadeira, uma constante transformação harmônica constituída absolutamente de uma essência de opostos, é ao mesmo tempo o ser e o não-ser, coligados em uma única unidade, mas simultaneamente separados. Ou seja, o tempo é e não o é, cujo pêndulo que vai de um para o outro ainda que abstrato é percebido objetivamente por nós. O tempo não é o passado nem o futuro, é o agora que deixa de sê-lo para não mais o ser e voltar a ser novamente, é a percepção sensorial desta constante mudança, é a primeira e verdadeira configuração do devir. A sua ortodoxa percepção intuitiva do tempo está explicitada em frases que, após vinte e cinco séculos, ainda ressoam e causam o debruçar especulativo: “Tudo contém, ao mesmo tempo, em si o seu contrário” 6 Esta afirmação, ainda que muitos a considerem como um foco pontual contra o próprio princípio da contradição, representa a percepção de um cosmo multifacetado, multidimensional e como tal possuidor de características transitórias reguladas por um caos ordenado. Esta percepção se concretiza na experiência intuitiva do espaço e do tempo. Ainda tendo o tempo como um processo abstrato, mas objetivamente compreendido pela nossa consciência, Heráclito aprofunda a sua concepção e apresenta-se como o primeiro em expressar a natureza cíclica das transformações 6 NIETZSCHE, Friedrich. La filosofia en la época trágica de los griegos. Disponible em: http://www.nietzscheana.com.ar/la_filosofia_en_la_epoca_tragica.htm Acesso em: 23 jun 2006 6 e conseqüentemente nos propõe o infinito, num fluir de ritmos e fases cujo ápice mantém-se estável e dentro da contextualização do eterno retorno. O entrecruzamento entre tempo e eternidade se dá basicamente através da conceptualização do sentido da eternidade mediante noções intrinsecamente vinculadas à caracterização do tempo, como por exemplo: ontem, hoje e amanhã. Heráclito nega peremptoriamente a origem do cosmos e nos proporciona uma visão cíclica do infinito: “Este cosmos, único para todos os seres, não foi feito por nenhum deus nem pelos homens, sempre foi, é e será fogo sempre vivente, que se acende segundo medidas e se apaga segundo medidas” (fragmento 30).7 A eternidade é apresentada como a infinita duração do tempo dentro do ciclo do eterno retorno. A eternidade, portanto configura-se a partir da repetida concatenação do aspecto cíclico do cosmos. A perenidade se revela como tal na acepção da perpetuidade do verbo ser: foi, é e será, uma duração temporal que perpassa o passado, o presente e o futuro, configurando a incessante repetição cíclica de um tempo e tudo aquilo que nele se insere, portanto esse processo abstrato cujo definidor não se dá linearmente e seu pêndulo movimenta-se constantemente numa transitoriedade absolutamente fugaz e simultaneamente objetiva à nossa percepção, constitui a harmonia criada pela contradição concretizada no devir como um amplo processo que se realiza na transitoriedade constante inserida na infinitude cíclica. 7 HERÁCLITO. Fragmentos escogidos. Disponível em: http://cantemar.com/Hera-Fragmentos.html Acesso em 23 jun 2006 7 2.2 - PLATÃO (428(7) a. C a 347 a. C) Os principais pensamentos postulados por Platão sobre o tempo podem ser percebidos através do texto Timeu. Há neste texto um esforço por correlacionar tempo e eternidade, sendo o primeiro considerado como uma tentativa de imitar o segundo. Na intenção de criar um cosmo perfeito, Demiurgo cria à sua imagem e semelhança, uno e totalitário, o mundo cuja multiplicidade somente se dará devido à unidade e submergido na totalidade. Desta forma teremos um mundo que adquirirá características esféricas para que se possa inserir um tempo dentro de um movimento circular, semelhante ao eterno e à eternidade assim como seu criador (criador no sentido de ordenador do mundo caótico e não como o responsável por permitir a existência de tal mundo como na tradição Judaico- cristã). Houve, portanto, uma espécie de simulacro da eternidade, que comporta suas diferenças, onde a eternidade se reconhece pela sua imobilidade e perenidade em contraposição com o tempo que apresenta movimento e transitoriedade (declara-o imperfeito exatamente por não possuir esta imobilidade, por não conseguir conter-se em si). A concepção que aqui encontramos recai no aspecto eterno do tempo e se confunde com a eternidade. Desta forma, o tempo ordenado que representa o reflexo transitório da eternidade pressupõe um outro tempo cuja desordem se inscreve no caos precedente ao cosmo, e como tal sugere ser uma sucessão dos movimentos caóticos. Por tal motivo mesmo que a ordenação do tempo traga consigo um princípio, o tempo é em si infinito por estar antes do caos e depois do cosmo. O caráter eterno do tempo está em ser uma imitação da eternidade e permanecer na ordem cíclica do cosmo e de tal maneira assume para si a perenidade. A eternidade se manifesta e é tratada pelo seu caráter temporal à medida que a ela relacionamos o aspecto da infinitude. Para Platão o passado e o futuro são características próprias do tempo e que não estão relacionadas com a eternidade, ou seja, em relação à eternidade não se pode estabelecer uma relação entre “existia” e “existirá” pois ambos 8 adotam características próprias do devir. A eternidade aceita apenas o presente, submergido em sua imobilidade, imutabilidade, não tendo princípio nem fim. Ao tempo lhe é dado o passado e o futuro, conseqüência imanente do devir. A relação com o tempo está intrinsecamente conectada ao problema da medição do mesmo. Para que se possa realizar a medição do tempo é necessário fazer com que sua característica de continuidade se parta. Produzir-se-á, portanto, o número e com ele a tentativa de fazer do tempo algo intemporal, imobilizando o movimento, aproximando-o da eternidade. O número comporta-se desta maneira como o mediador, fazendo com que o cosmo adquira propriedades de um enorme relógio, que ao repetir-se incessantemente almeja a eternidade. 9 2.3 - ARISTÓTELES (384 a.C. a 322 a.C.) O primeiro olhar que Aristóteles lança sobre a problemática do tempo visa contemplar o aspecto metafísico do mesmo. Este prisma se dá pelo questionamento da essência do tempo em ser e não-ser simultaneamente. A qual destas categorias poderíamos situar o tempo? O tempo como percepção do absoluto não se manifesta como ser, pois o presente já é passado e o futuro ainda não o é, desta forma o tempo está constituído pelo não-ser e como tal é desprovido de substância. Porém, o tempo mostra-se capaz de ser dividido e para isso é necessário aceitar pelo menos a existência de suas partes, ainda que nenhuma parte do tempo realmente o seja, uma vez que o instante (que poderíamos considerá-lo como presente) não se constitui como parte do tempo (tempo este representado pelo aspecto contínuo do mesmo). Assim, temos uma concepção metafísica aristotélica sobre o tempo: o tempo não tem ser e como tal não possui substância. Impedido então de seguir com uma análise cujo elemento principal não existe, Aristóteles assume a análise do tempo partindo do movimento como base. Afirmará que o tempo não é o movimento nem mutabilidade, pois o movimento será o ser em transformação ou a sua localização enquanto que o tempo se concretizará em todas as partes da mesma maneira. Será categórico e postulará que o tempo não é movimento nem existe sem ele. Assim, podemos perceber que a conseqüência imediata das características do movimento (incessante e contínuo) resultará na continuidade do tempo. Como compreender então a relação entre a descontinuidade do tempo representada pela sua divisão numérica e a continuidade representada e postulada por Aristóteles? Partindo da divisão numérica dada pela medida teremos obrigatoriamente um antes e um depois, o que origina uma localização e uma ordem de movimento daquele para este, e se percebemos que o movimento é o eixo que une o primeiro com o segundo e somente tendo o movimento como pilar se dará o tempo, veremos que é através da continuidade do tempo e da percepção correlacionada 10
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