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0 futuro era agora PDF

223 Pages·1610·4.81 MB·Portuguese
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0 FUTURO ERA AGORA O movimento popular do 25 de Abril 0 FUTURO ERA AGORA O movimento popular do 25 de Abril Colaboraram na recolha e tratamento dos textos: Ana Barradas Ãngelo Novo António Barata António Castela Beatriz Tavares Filipe Gomes Rogério Dias Sousa Título: O futuro era agora O movimento popular do 25 de Abril Coordenador: Francisco Martins Rodrigues Capa: António Barata Execução gráfica: Neograf, Artes Gráficas Ld- R. dos Douradores, 202 - 4° Dts 1100 LISBOA © Edições Dinossauro Apartado 1483 1013 Lisboa Codex Depósito legal: 77538/94 ISBN: 972-8165-00-5 PREFÁCIO Nesta passagem do 202 aniversário da queda do fascis­ mo não é a conquista da liberdade que está no centro das atenções. Políticos e comunicadores ocupam-se com proble­ mas de outra ordem, como por exemplo: a descolonização foi "vergonhosa" ou "criminosa"? Os membros do Conselho da Revolução devem ou não ser classificados como facíno­ ras? Marcelo terá sido um democrata vacilante? A PIDE cometeu excessos? A culpa pelo desatar da bagunça cabe ao COPCON, ao PCP, à extrema-esquerda, ou a todos? Quem teve mais méritos no restabelecimento da ordem - o PS ou o ELP? Por outras palavras, a discussão foi virada de pernas para o ar e gira agora em volta de saber quem deve ser culpado pelo 25 de Abril. Isto é evidentemente caricato, baixo, odioso, mas não deixa de ter a sua lógica. O campo da ordem faz o seu exame de consciência e procura tortu­ rado as causas dessa surpresa dolorosa que foi ver um golpe militar "regenerador" abrir as portas a um sobressalto revolucionário. A burguesia, com estas coisas, não brinca: se durante dezanove meses os centros "legí­ timos" de decisão ficaram à mercê da rua, alguém tem contas a dar. Posta a polémica nestes termos, é óbvio que os adeptos do antigo regime levam vantagem. Eles podem sempre demonstrar que não vacilaram perante a "indisciplina social" e que foi a contemporização dos seus opositores democratas que permitiu o achincalhamento da autoridade do Estado. Resulta daqui, como se tem visto, um ascendente cada vez mais explícito da herança salazarista na ideologia e na política nacional. Aviso sombrio mas que tem, pelo menos, uma vantagem. Os contra-revolucionários começam a assumir finalmente, sem complexos, as suas façanhas bombistas e a revelar a implicação nelas de quase todas as figuras gradas do regime. Com o recuo histórico que permitem os vinte anos decorridos, está a emergir na sua real dimensão o anti-PREC - essa monumental conspira­ ção que uniu, contra os direitos e aspirações populares, capitalistas, latifundiários e padres, salazaristas e “demo­ cratas”, mercenários e serviços secretos estrangeiros. Ora, o anti-PREC traz agarrado consigo o PREC. É inevitável. Com a sua troca de acusações e de confissões, reaccionários e democratas estão a chamar de novo à ribalta o movimento que se têm esforçado por enterrar como uma chaga vergonhosa: as ocupações, os saneamen­ tos, as manifestações, a autogestão, a contestação da or­ dem estabelecida - tudo aquilo que se convencionou desde há vinte anos rotular rancorosamente como o "terror anar- copopulista". É disso que trata este volume. Se o 25 de Abril das ruas está mais uma vez em julgamento, é de elementar justiça dar voz à parte acusada. O que levou afinal essas dezenas de milhares de activistas a deixarem-se contagiar pela febre da crítica, da transformação, da proclamação de novos princípios, da auto-organização, envolvendo no seu entusiasmo milhões de pessoas? Foi só um acesso colectivo de “impaciência irresponsável” e de "infantilismo esquerdista", como pretendem alguns? Terão sido instru­ mento de “provocação reaccionária, a mando da CIA” ou dos "projectos expansionistas do bloco soviético", como deduziram outros? Com esta recolha de depoimentos de activistas envol­ vidos em acções populares entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, visámos restituir o direito à palavra a uma corrente de opinião desde há muitos anos silenciada na comunicação social, e assim contribuir para uma reava­ liação desse movimento tão caluniado. Não poderiam, em nossa opinião, as edições Dinos­ sauro ter melhor estreia. A meia centena de testemunhos desprétenciosos que compõem parte deste livro são uma amostra limitada, que não cobre muitos dos aspectos vitais desse movimento (nomeadamente nos meios rurais), mas chegam para reconstituir a sua tremenda força, a sua raiz popular autêntica, a razão de ser das suas reivindicações, ainda mais chocante quando posta em contraste com a “apagada e vil tristeza” actual. São experiências que não podem ser perdidas porque fazem parte da nossa matu­ ração colectiva. Mesmo para os que viveram essas jornadas é por vezes surpreendente redescobri-las agora, tal tem sido o trabalho obstinado de supressão da memória colectiva. É um outro 25 de Abril que emerge destes testemunhos, vivo, auda­ cioso, criador, que não tem nada a ver com a caricatura que nos é servida como versão oficial: a estafada "gesta dos capitães", os planos do general Spínola para o nosso futuro, os malfadados três D - toda essa "revolução" de opereta que a jovem geração com razão rejeita, porque lhe tresanda a hipocrisia paternalista. Para a nova geração, sobretudo, será importante tomar conhecimento de um passado que há vinte anos lhe escondem, redescobrir a palpitação dessas jornadas de insatisfação e rebeldia, em que tudo parecia possível e cada um sentia que o rumo do país estava também nas suas mãos. Não é por acaso que, ao fim de tanto tempo, operários, estudantes, donas de casa, escritores, soldados, encontram expressões semelhantes para descrever esses dias: "tempo inesquecível", "não voltei a ser o mesmo", "a vida tinha um sentido", "era a alegria"... Necessário se torna esclarecer que não foi nossa inten­ ção pôr este trabalho ao serviço de quaisquer ajustes de contas retrospectivos entre grupos ou partidos da área da esquerda. Disso dá testemunho a variedade de filiações ideológicas reflectida nos depoimentos e, mais expressa­ mente, nos artigos que formam a segunda parte do volu­ me. Tratou-se, sim, de fazer ressaltar a justeza da tendência - não exclusiva de qualquer grupo em particular porque os atravessava a todos - para rejeitar a ordem estabelecida, condenar as relações capitalistas como estranhas à demo­ cracia do trabalho, procurar, mesmo que às apalpadelas e com erros, novas formas de viver. E isso explica também um critério que, à partida, poderá ser chocante para alguns leitores: a fraca representação de testemunhos de activistas do PCP. A postura "democrática ordeira" que o PCP exigia dos seus militantes cavou um fosso, que pode hoje estar obscurecido por anos de propaganda mas que era perfeita­ mente nítido para os que então andavam envolvidos no movimento. Quanto ao papel desempenhado nos aconte­ cimentos pelo PS e restantes partidos "democráticos", julgamos que ressalta com suficiente clareza para dispen­ sar mais comentários. Como plano de trabalho que melhor restituísse o clima da época, entrelaçámos numa primeira parte os depoimen­ tos orais com recortes de imprensa, o todo acompanhado por uma cronologia do movimento popular. Como critério de ordenação dos testemunhos, optámos por alternar as experiências, segundo a origem social, o sexo, as regiões, as idades. Na segunda parte arrumámos alguns textos de reflexão, os poucos que nos foi possível obter no prazo demasiado curto em que o volume foi preparado. A com­ pletar o quadro, uma bibliografia sumária e um índice de siglas, que esperamos sejam úteis como material de consulta. A todos os que quiseram contribuir para esta edição das formas mais variadas, exprimimos um caloroso agrade­ cimento. A nossa ambição é que este volume desperte o interesse pelos memoráveis 580 dias de "poder popular" e suscite outras iniciativas que o completem e corrijam, restituindo à opinião pública o conhecimento de um dos períodos mais férteis da história moderna do nosso país. O Editor OS 580 DIAS DEPOIMENTOS ORAIS CRONOLOGIA CITAÇÕES 1974 Molotovs no Palácio de Cristal Rogério Dias de Sousa, pintor da construção civil, 43 anos A primeira imagem que tenho do 25 de Abril é um bocado caricata. Vinha eu a descer a Rua da Fábrica e de­ paro com dois polícias a correr. A primeira reacção foi tentar ver quem é que fugia à frente deles, que era o cos­ tume. Mas não havia ninguém: eram eles que fugiam! Percebi tudo quando, chegado à praça, deparo com uma multidão enorme, uma coisa incrível, toda a gente excitadíssima a falar de política. Parecia um sonho. Foi assim que tomei conhecimento do 25 de Abril. Nessa altura eu era simpatizante da OCMLP, que nessa 25 Abril noite reuniu uma espécie de “quartel general” de rapazes Uma enorme multidão cerca o meus conhecidos para formarmos uma célula. Ninguém quartel do Carmo, onde se refugiaram Marcelo Caetano e percebia nada do que se estava a passar e o que era o Américo Tomás. golpe. Estávamos todos com medo que fosse um golpe Confraternização entre a da extrema-direita. O responsável da célula ordenou que população e os soldados. Os pides preparássemos uns cocktails-molotov, umas bandeiras cercados na R. António Maria vermelhas, e que ficássemos atentos e preparados para a Cardoso disparam, causando 4 eventualidade de os ultras tomarem posse da situação. mortos e dezenas de feridos. A multidão insiste para que os No dia l2 de Maio, com uma multidão imensa - nunca fuzileiros assaltem o edifício. No vi a praça tão cheia - lá aparecemos nós, feitos parolos, Porto a concentração envolve de saquinhos de plástico com os cocktails-molotov, prontos dezenas de milhar de pessoas. A para o que desse e viesse... Logo percebemos que polícia, apedrejada, entrincheira- estávamos desfasados. se no edifício da Câmara e faz fogo sobre os populares. Os molotovs acabaram por ser usados muitos meses mais tarde, em 25 de Janeiro de 1975, no boicote ao con­ gresso do CDS. Aí, sim, tínhamos a extrema-direita diante de nós. Não se tem falado muito desse dia, mas foi uma manifestação de ódio ao fascismo como nunca vi. A concen­ tração começou por volta das três da tarde, juntando gente do PS, do PC, da extrema-esquerda, da meia-esquer- da... tudo! Fomos todos lá para cima, para o Palácio de Cristal, boicotar o congresso. Injuriávamos os gajos que entravam, a polícia que os defendia, e por aí fora. Durante toda a noite houve cargas da polícia, a que nós respon­ díamos à pedrada. Foi aí que os cocktails-molotov foram estoirados. Foi um mimo. Isto durou até às três da manhã, 26 Abril Uma multidão rodeia e com carros incendiados, polícias em fuga, etc., até que acompanha, descendo a avenida veio a tropa evacuar os fachos. No dia seguinte, o PC, da República, a coluna de pela voz do Octávio Pato, disse que o boicote tinha sido militares que assalta a sede da uma provocação ao serviço da CIA. O costume... PSP. Da parte da tarde, são libertados os primeiros presos O 25 de Abril mudou completamente o rumo da minha políticos, em Caxias; Em Lisboa, grupos de populares e militantes vida. Nunca mais voltei a ser o mesmo indivíduo. A apren­ de esquerda começam a dizagem política provocou uma revolução dentro de mim. perseguir membros da Pide, que Tinha ficado desempregado em Março de 74. Depois do a tropa põe a salvo. Populares fascismo cair, pior ainda: os empregos começaram a escas­ atacam as sedes da ANP, do sear, pois os patrões estavam cheios de cagaço. Diziam jornal A Época e dos Serviços de que aquilo era tudo comunismo. Arranjar emprego na cons­ Censura. Grupos de jovens andam pelas ruas com bandeiras trução civil era quase impossível. Durante muito tempo vermelhas, dando vivas ao fiquei sem emprego certo. Mas isso não me afligiu nada. socialismo e apelando a um l5 de Trabalhei quatro meses na Sacor. Volta, não volta, havia Maio vermelho. A CDE organiza greve por melhores salários e melhores condições. Enquanto uma grande manifestação e lá estive houve mais de meia dúzia. Parava-se e não se distribui um comunicado: “A hora é de festa, de acção, de luta voltava a trabalhar enquanto não viessem os aumentos. e de amplas conquistas”. Também estive em Lisboa, numa empresa de elec­ Generaliza-se a confraternização tricidade. Os empreiteiros, que eram franceses, queriam entre a população e os soldados. obrigar-nos a trabalhar e nós dizíamos que sem mais dinheiro não trabalhávamos e se não se sentissem bem, 27 Abril que regressassem à sua terra. Que tivessem calma e para Dirigentes das organizações de esquerda e extrema-esquerda são “baixarem a bolinha” porque quem mandava éramos nós. recebidos por Spínola. Libertação Para quem nunca tinha vivido a política, foi uma dos últimos presos políticos do experiência única. Eu sentia-me nos píncaros da lua. forte de Peniche. Continuam as Convivíamos com trabalhadores estrangeiros que vinham manifestações no Porto. Rendem- cá ver o que se estava a passar. Foi o maior processo de se os pides de Coimbra. Reunião da Intersindical Nacional saúda o educação política que houve no nosso país. Toda a gente MFA e apresenta um caderno discutia. Lembro-me de sair do trabalho e ver a praça reivindicativo de 14 pontos. cheia de gente a discutir; grupos de pcs, de esquerdistas, etc., tudo a discutir política. Nós, os maoístas, víamo-nos às vezes atrapalhados para explicar a política externa da China, mas nas questões políticas de cá ficávamos por cima dos pcs. Tínhamos convicções e ideais fortes e mais certezas e confiança que eles porque defendíamos o avanço dos trabalhadores sem peias, enquanto eles punham-se a mastigar. Percebia-se que principalmente os funcionários não tinham aquela fome de aprender e divulgar que nós tínhamos. 12

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VIVA 0 1.° DE MAIO. DIA DE LUTA DOS TRABALHADORES. O mestre 0 condutor hesitou por um só segundo. dualidade de poderes (1). 0 25
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