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Teatro de Rua : Olhares e Perspectivas PDF

115 Pages·2005·27.619 MB·Portuguese
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.. UÚ.444LJL." • . / ISBN 85-7650-037-X III " 9798576 500376 Teatro de rua Olhares e perspectivas Narciso Telles e Ana Carneiro organizadores Rio de Janeiro, 2005 [:]e-papers l ©NarcisoTelles& AnaCarneiro/E-papersServiços Editoriais Ltda.,2005. Sumário Todososdireitos reservadosàNarcisoTelles&Ana Carneiro/E-papers ServiçosEditoriais Ltda. Éproibidaareproduçãoou transmissãodesta obra, ou partedela,porqualquermeio,semapréviaautorizaçãodoseditores. Impresso noBrasil. 1aediçãoem2005. ISBN 85-7650-037-X Projetogrdfico.diagramaçãoeCapa LíviaKrykhtine Revisáo MárioOliveira Helô Castro Estapublicaçãoencontra-seàvenda nositeda 5 Apresentação E-papersServiçosEditoriais. http://www.e-papers.com.hr 7 PARTE I: CONCEITOS E PERSPECTIVAS E-papersServiçosEditoriais Ltda, RuaMarizeBarros,72,sala202 8 A casa ea barraca PraçadaBandeira- RiodeJaneiro Lidia Kosovski CEP: 20.270-006 RiodeJaneiro- Brasil 20 Reflexões sobre o conceito de Teatro de Rua André LuizAntunes Netto Carreira 38 Espaço cênico/ espaço urbano: Reflexões sobre a relação teatro-cidade na contemporaneidade RicardoJosé BrüggerCardoso 60 Espaço Amir Haddad 64 O teatro e a cidade / o ator e o cidadão AmirHaddad Telles,Narciso; Carneiro,Ana(org.) 75 PARTE11:OLHARES BRASILEIROS Teatro derua:OlhareseperspectivasI OrganizaçãodeNarciso TelleseAnaCarneiro. RiodeJaneiro: E-PapersServiçosEdito 76 O espaço do circo-teatro e o espaço da rua: Entrevistas riais,2005.taedição. com o Teatro de Anônimo 226 pág. Paulo Merisio 1.Projeto de PesquisasTeatrode Rua 2. Produção teatral de 98 Retalhos de um Brasil mestiço, colonial mas ruanoBrasil 1.Título contemporâneo CDD 792.02 Denise Espíriro Sanro .._.. .. ... ..... ~~~~~lII!Jl!!'Jfm!.WJ!!l!ll~~mI!Il!III3i!~ ALI 116 A ruaenquanto espaço privilegiado da relação público/ Apresentação ator: O papel do apresentador-narrador (Tá na Rua 1981) AnaCarneiro 140 ...E lá se vão mais de 26 anos pelas ruas do mundo... oxente, teatro de rua? LindolfoAmaral 150 A política na rua: Um olharsobre a tribo de atuadores Oi NóisAqui Traveiz RosyaneTrotta A 164 Ator e as possibilidades da cena no espaço urbano pesquisaem teatro no Brasil vem apresentando, nas últimas Narciso TeIles décadas, uma produção significativa e de fundamental impor tância para a compreensão do nosso Teatro. Com a ampliação 186 O riso na praçapública: Uma análise das trocas verbais dos cursos de pós-graduação na área, a consolidação de novas nos espetáculos de rua do Largo da Carioca linhas de pesquisa, a reorganização curricular dos cursos de gra Luciana Gonçalves de Carvalho duação (bacharelados e licenciatura) e a criação da Associação 204 Ruas pré-históricas, rotas virtuais efuramoviles Brasileirade PesquisaePós-GraduaçãoemArtesCênicas- ABRA Fernando PinheiroVillar CE, aumentamos o número de artistas-pesquisadores e as possi 224 Os autores bilidades temáticas de investigação. O livro Teatrode Rua: OlharesePerspectivassegue este ca minho,apresentandoumconjuntodeestudosereflexõesemtorno do teatrode rua, comoparteintegrantedas atividadesdo Projeto de PesquisaTeatrode Rua: processoscriativoseformação do ator! atuadordesenvolvido entreos anos de 2001-2003 no interiordo Núcleo de Criação e PesquisaTeatral-TRIBO da Universidade Federal de Uberlândia. Dividido em três partes, o livro não tem a intenção de formar um conjunto unívoco; preocupa-se sim em oferecer ao leitorpossibilidadesolhareseenfoquessobreo tema. No primei ro bloco de estudos, encontram-se ensaios de caráterconceitual, procurando fornecer instrumentos que nos possibilitem analisar o teatro de ruaem suaespecificidade. No segundo momento osestudosabarcamaprodução tea tral de ruabrasileira,passandopelos diversosgruposquedesenvol- TeatroeleRua 5 vem esta modalidadeteatralem nosso País. Porúltimo, uma refle xão em torno do trabalhodo Grupo Catalão La Furadeis Baús. No mais, é só lembrar do dito mambembe: "o raio, osol suspendealua. Olha oteatro no meio da rua". Narciso Telles &Ana Carneiro Organizadores PARTE I Conceitos e perspectivas 6 Apresentação Diga-meque casaimaginasetedireiquemés.I Durand Pareceóbvio que "organizar-se", em toda equalquer experiên cia grupal do ser humano foi sempre ligado a uma identificação de lugares, valorizando uns, abandonando outros, construindo arquiteturas, demarcando porções de territórios, erigindo mu ros, com objetivos utilitários ou simbólicos. A demarcação do espaço, como a do tempo foram certamente fundamentais para todae qualquerconfiguraçãosocialdo serhumano. Deste modo espaçoetemposãoconsideradosnacríticakantianada razão como categorias apriorido entendimento, funcionaram desde as pri meiras sociedades como ponto de vista, como dimensões objeti A casa e a barraca vas do mundo circundante e também daexistênciasocial. Quando consideramos a idéia de uma demarcação espacial destinadaàcena, ao cênico", umespaçocênico- podemosaceitá-lo Lidia Kosouski sumariamente como "o lugar onde acontece a representação". Esta definição pode ser compreendida como denominador comum de todo equalquertipode representação, paraqualquerespetáculo. Historicamente,atéo iníciodesteséculo,vislumbra-secom certa objetividade regiões físicas delimitadas dentro da ordem social, lugares ondeas representações teatrais tinham por norma se efetuar. Podemos portanto, falar rigorosamente em organiza ções espaciais e arquitetônicas destinadas ao espetáculo, regido por leis relativamente claras. No campo da arte teatral no Ocidente, a demarcação do espaço físico paraasuacenadefiniucincoconfiguraçõesespaciais fundantes, que sempre guardaram um tipo de relação com a ci dade, cinco tipologias básicasde palco queatenderam às normas de encenação de cada período histórico onde foram inscritos: o palco do anfiteatro grego, como figura de uma conquista da ci dade, como um espaço político; o palco múltiplo medieval com seus lugares descontínuos espalhadas pela aldeia; o palco triplo 1.DURAND,Gilberr(1997),p.243. 2. o cênico rem uma pontuaçãoprópria, usa os recursos do palcopara isso.rem uma gramárica especialparaexpor rodoequalquerelementodacena. 'rearrodeRua elisabetano denota a relação entre a "vida feudal (a plataforma, Foramabertoscaminhosparaque,aspeifonnancefeacena lugar de combates e do desdobramento das multidões), a nova teatral contemporânea fizessem suas escolhas de espaço e pudes diplomaciamaquiavélica (o recess, lugar das manobras excusas) e sem desenvolver-se e penetrar no mundo como diversidade e a interioridade da chamber''(" o espaço renascentista da tragédia multiplicidade. clássica que deve ser visto não como um espaço mimético, mas Criaram-seassimpoéticasdeauto-exílio. Um exílio, enão como um espaço abstrato que espelha a cidade como referência um degredo,sediado na realidade, nacidadeeseus arredores, nas deordem;efinalmenteo palcoitaliano,oespaçomirnético,como ruas ou sob tetos escolhidos e transformados a cada momento, espaço de espelhamento da realidade, criado progressivamente que se armam e se desarmam como uma tenda- uma invenção duranteodecorrerdo séculoXVIIIparachegaraoseucoroamento de espaços, de arquiteturas móveis, voláteis e efêmeras, sem fixi no séculoXIX, na própriamedidaemquea burguesiaconstróio dez - a eliminara políticado edifício privado, seus significados lugarconcretode suas próprias coisas. Delesderivaramvariações simbólicos econdicionamentos prévios; a poéticade teatros sem espaciais e arquitetônicas engendradas pelo desenvolvimento do teto, ou de tetos provisórios, a transformação de qualquer lugar espetáculo teatral, como condicionaram as relações de contato em palco. A proposta da aventura nômade, sem asilo, em busca entre cena epúblico. de umaespecificidade teatral- por uma magiasem mistérios. Comomais umdoscomponentesda discussãosobreosen A força da experiência dentro do edifício, talvezjustamente tido da artepropostano final noséculoXIX,quandose instauraa pela tensãoproduzidaentreanaturezadionisíacadaexpressãoteatral "criseda representação", identificadacomoefeitodos mecanismos e as amarras e limites impostos por uma geografia determinada e de compressão do tempo-espaço, o espaço mimético, ilusionista, disciplinadora, inscreveu o século XX na História do Teatro, como sedesconstróibruscamente,cedendolugarparasituaçõesespaciais umséculo de "explosão do espaço", emqueo teatro europeusedila múltiplas- inaugura-se outranovaquestão, o questionamento do tou, e em um certo viésreenglobou o espaço físicoda cidadecomo edifício teatral como suporte. palco.Asinvestigaçõesteatraiseuropéiaseamericanas,revolucionárias em nosso século conservam, em várias medidas, a marcasedentária "Terou não ter" um edifícioteriaquever com"oser dopalcoitalianoemseucorpo. Dasmarcasdo palcoestão livresape ou nãoser" do teatro?Este questionamentopercorreu nas as expressões legitimamente populares: as nascidas de liturgias oséculoXX,explícitaou implicitamente,representan do um campo de rupturas, como fonte de reflexão e religiosas,o carnaval ouosartistas "natos",os histriões de rua, osca ação para as vanguardas históricas, para o teatro de melôs, osartistaseternamentesem-teto,cuja únicaferramentaéoseu agit-prop,4paraoshappeningsdadécadade 1960,para corpo, e cuja "casa",como a do pássaro, é modelada pelo próprio aperformanceart, parao "teatrode rua".5 peito,que, aoapertarecomprimirmateriais, ostornagentisatéagregá los;assim, osartistas de ruaagregam, com a matériado seu afeto, as 3.C(UBERSFELD,AnneemverbetedeCORVIN,Michel(I995),p.324. 4.Otermoagit-propremorigemnorussoagitassiya-propaganda:agitaçãoepropagandasurgidodepois 6.Deformaamplaeconremporâneaanoçãodeperfimnanc«éentendidacomoummododecomuni de1917tendo sedesenvolvidoemsuasprimeirasformas. sobretudonaRússiaenaAlemanhaentre caçãoedeação,distintodaação"normal"ecotidiana.Essesaconrecirnentospodemserestruturados, 1919e1932.Caracterizadomaiscomouminstrumenropolíticodeperspectivamarxista,maisdoque organizadosereconhecidoscomoumareuniãodeespectadoreseararesemocasiãoexrraordinãriaque umaexcelênciaartística,étidocomoumhíbridoentreteatroediscursoideológico. distingueavidacotidianaeinduzàmodificaçãodecornporramencodecadaparricipance.Aperformance 5."Oteatroderua".vastíssimotema,deveservistocomo uma modalidadeespecíficadasartescênicas. não possui um espaçoparadefinirasuaidentidadeernuiro menosumpanodefundocomolimite. desdobradoeminúmerasformasdeencenação.Agrossomodo.segundoEugenio Barba"nascedofascí Nãonecessitadeum posroqualquerdeobservaçãoprivilegiada.Destacammaisconrexcoqueobjeto niodeumteatropolíticoedeumteatroexistencialetambémdafestanama".ParaUIllamploescudodo teatral, Paraeste tema veroarrigo de MikePearson Refkxõessobreaetnocenologia. In:GREINER. remaverCRUZIANIeFALLEITI(1999). ChriscineeBIAO,Anuindo.(1999).p.157-162 10 Acasa eabarraca TeatrodeRua II pessoasem torno de si.E é justamente nestas fontes que, inúmeras Relações também expressas pelo tipo de organização do espaço vezes,grande parte dos "exilados espontâneos" do teatro de nosso que viabiliza, por exemplo, trocas sociais entre atores e público século irábeber, tanto éticacomo esreticamente.? quando estes se comportamsimbolicamentecomo "anfitriões" e Como resquício de tradição ou como negação radical, a "convidados". cena italianaé sempre um forte referencial. E até hoje ouvimos: Stanislawski, que para muitos representa a quintessência daquarta parede daencenação ilusionista, disse certavez desejar o palcoprecisaserdotamanhodomundo.elenãopode queo públicodas TrêsIrmãs, deTchecov,sesentissecomoverda ter o tamanho da caixa que ele tem. O livro cabe na deira visita na casa dos Prozov,'? numa metáfora que expressa o minha mão. mas tem o tamanho do mundo. Numa página Marco Polo está na Itália. na outraeleestá no seu mais profundo sentimento estético, neste palco porele aper .Oriente.conversandocomKubai-Khan.O palconatu feiçoado. ralista ficou do tamanho dele mesmo. efoi essepalco Assim, desenvolve-setambém a relação típicaentre os an quenossageração recebeu. Parecesimples. parecequejá fitriões (atores) e a sua "criadagem" pessoal. noslivramosdele. masaindanão: quandoporexemplo Entre os fetiches representados por bibelôs de estimação, a luz substitui o cenário. ainda não está seconfiando fotos, dedicatórias, homenagens, flores, pequenas corbeilles que inteiramentenasnovasconvenções. no palco infinitoe aberto. O "cineteatro"tem o tamanhodo mundo. não costumam revestiroscamarins,ascamareiras- emsuadedicação éumquadradobrancodeparede.Masoteatrosópode de negrasrnucamas,ounaeficiênciamaternaldasftaülens- reto serdo tamanhodo mundoseconfiarna imaginação.R cam,cuidam,confortamasgrandesestrelas, ajudandoacriaruma espéciede ninhodeconcentraçãoepreparaçãoparaacena,como A casa alcovas. Além disso, práticas como limpare varrer o palco ainda hoje são hábitos efetuados por velhos atores antes que soem as SegundoBachelard,?acasa, olocalondesehabita,correspondea três batidas de Moliere. umaescolhana imensidão do universo: "o nosso canto no mun Oshábitosqueprecedemo iníciodoespetáculo, nestacasa, do". Ao afirmar que de qualquer lugarhabitado emerge a noção revelam-se na movimentação do palco apagado diante da platéia de casa, Bachelardnos permitepensaro edifício teatral à italiana vazia; no mergulho do silêncio e nagama de ruídos peculiares da no esplendor do século XIX, como uma "casa" habitada, onde movimentação de maquinistas, camareirase diretores de cena; na não só se reproduzem códigos e ritos da ordem do "fazerartísti afinação melancólica de instrumentos musicais; nos mantras dos co", mas estes se aproximam de relações sociais e "domésticas", atores em seus procedimentos de concentração, preparação respi bem próprias de uma "casa", burguesa, em seusentido histórico. ratóriaememorizaçãodostextos,eno piscardesconexode refleto res.Tudo issocaracterizauma leigaliturgia repetidasecularmente, 7.AcriaçãorecentedosestudosdaEmocenologiacoroa napassagemdomilênio avisãoqueassocia criando este "habitar" como refúgio da almaparaos atores. arte,antropologia,políticaecultura,reunindonumsóolharasexperiênciasconsagradaspelosinvesti mentosdeaproximaçãonãosódaartecomocotidiano,comoavançamsignificativamentenosestudos O caráter de refúgio acolhe atores e a platéiade convivas. sobreaP~rforl7lanadesenvolvidosdesdeadécadade1960peloancropólogoVicrorTurner,Grotowski Segundo Bachelard "o ser que tem o sentimento de refúgio se eEugenio Barba.Estesestudossedebruçam profundamentenadiversidade teatral encontradanos rituaispopularesecelebraçõesreligiosasquepermanecemvivasemnossacultura. fecha sobre si mesmo, se encolhe, se oculta",11 criando o ninho 8. FILHO,AderbalFreire.Amise-en-scênedeSenhoradosAfogados (duascenas).In:Cadernosde Espetáculos.nO1.RevistadoTeatroCarlosGomesdaSecretariaMunicipaldeCulturadaPrefeiturada CidadedoRiodeJaneiro.1995,p.7I. 10.C(ARONSON,Arnold (1981),p.2. 9.BACHELARD,Casron,[s.d.),p.22. 11.BACHELARD,Gasron,[s.d.].Op.citop.79. 12 Acasa eabarraca TeatrodeRua 13 ondeo devaneio imemorialdesegurançaea ilusão de proteção é Aliás, o fosso, artifício de segurança medieval, cria outra garantida, tanto para os anfitriões como paraos convidados. fronteira mágica entre o palco e a platéia, entre as «visitas" e os Os elegantesfoyers, pontos de encontro social, foram du "anfitriões". O fosso, herança dos castelos senhoriais, coroado rante décadas um grande salão de estar e de exibição de status e poruma ribaltade luzes, defendeos atores- anfitriõesda família poder pessoal, ao passo que as poltronas macias e os camarotes deconvidados-, numadelicadacerimôniacuidadosamente me aguardavam as almas para que estas se deliciassem com os «ali dida.Atores poderososque,vaidosamente,seexibemou,genero mentos do espírito". samente, se dão a seus convidados. As relações internas destepúblicosecaracterizam pelafal Nodeslizarsilenciosodas cortinas,surgealuzenclausurada tadeintimidade,constituindoeleplatéiaformadaporestranhos,12 dagrandejanelaabertaarecatadosolharesde umaplatéiacontida. numa impessoalidade protegida, mas de rigorosos códigos de Neste lugar o tempo se esvai; é o nicho do dia e da noite, condutae de sensibilidadee interesses comuns. com as intempériesafastadas, como numacasasegura. O caráter O coraçãodestacasaéo palco, cujapolaridadetensionada arquetípico, sedentário e feminino marca sua identidade onde entre o sótão (o urdimentol'f e os porões, ambos proibidos ao tudo acontece numa aventura protegida dos perigos, dos riscos público, permiteque a magia aconteça. Neste sótão que coroa o do acaso, de qualquer ser indesejável, de qualquer miséria que palco, observa-se a forte ossatura dos vigamentos, a sólida geo não interesse aos seus criadores, e preservada pela segurança e metriadas varas de luz, varandasevaras de cenografiaplanejadas pelo encantamento da magia tecnológica. A casa teatral, de tal paraumperfeitofuncionamento das ágeis subidas edescidasdos forma erigida, acolhe, torna familiar, confortae pacificaa alma, cenários. Desuaracionalidadeestrutural torna-se possívela pro abriga todos aqueles que reconhece como seus. dução de mágicas e mundos infinitos. Em volta desta «casa", enquanto as largas avenidas das ci Já nos porõesesubterrâneos,háemgeral um mistériomais dades européias se desenvolveram como retas em perspectivas indefinido. Como nos porões de qualquer casa, os depósitos se axiais encerradas pelos "pontos de fuga" privilegiadores do tea alocam, e cenários desmontados aguardam futuras remontagens tro-monumento na paisagem, outras «linhas de fuga", não geo ou o desmanchar-se no tempo. Os alçapões que ligam os palcos métricas, se formaram ao longo do século XX. Linhas de pensa aos porões, as "quarteladas",14abrem-se no piso contínuo, libe mento como linhas de fuga15que apontaram futuros, como prá rando passagem aos personagens cuja função, ou o sentido, é tica política, como escape físico e simbólico de uma casa que já encantar,surpreender,assustar,comonos mistériosdo inconscien não se mostrava capaz de conter as novas forças surgidas com o te. Dos alçapões dos palcos elisabetanos, por exemplo, surgiam raiar do novo século. os seres abissais e os fantasmas antepassados. Os alçapões tam A "fuga" da «casa-monumento", patrimônio privado de bém engolem osatores sub-repticiamente, ou claramente, nadi uma classe social, efetua-se como estratégia de libertação, num reção das profundezas. Do nível dos porões brotam os sons do inconformismo e numa transgressão que marcaram a produção «fossoda orquestra". artística ao longo do século XX. Se para Freud o artista é o ho mem que não se conforma em renunciar à satisfação de suas 12.VerSENNETT.Richard.(1998).p.55-67. pulsões, a arteconfigura-secomo um desenho do desejo que res 13.Espaçoinvisívelparaaplatéia,sobreopalco,cobertopor umamalhaestruturalondeseprendem ponde à interdição da realidade, caracterizando-se como trans- osmecanismosdesustenraçãocenográfica(varascenográficas)edeluz(varasdeluz). 14.Elementosmodularesquecompõemopisodopalcoquepodemserretiradosisoladamentedando acessoaosporões. 15.Cf. DELEUZE.Gilles;GUATTARI. Felix(1995), p.70/71. 14 Acasaeabarraca TeatrodeRua 15 1 gressão, comodesobediência.A "fuga"assumeassim, nosprimei la. Para aventura até que não tivermos en I contrado, paraaí fincarmos nossabarraca, o ros movimentosdas vanguardasartísticasdoséculo:XX,o caráter lugardo qualpoderemosdizer: aquiestá nos de desobediênciaàsregrassociaisecondicionamentosdoedifício so deuse nosso país.!" italiano, produzindo inumeráveisespacializaçõesque, como rea ção àpropostade petrificaçãodolugarteatralesuafixidezseden o vigoroso questionamento de Jacques Copeau (1879-1949)17 tária, sedirigiramaoutrospontosdacidade, nãoespecializadose concentra algumas questões vividas neste instante pela arte, no regrados, numaaventura nômade. seu auto-reconhecimento, nas indagações sobre as suas razões existenciais e sociais de ser. Neste caso, o que nos tange são os questionamentos sobre o suporte da cena, a caracterização do lugárcomo problema. Copeau, neste desabafo, nega contundentementeo edifí cio teatralenquantoabrigo, enquanto casa, propondoumaaven tura, um "fazer" que não requer um asilo: em vez de uma casa, uma "barraca fincada"; em vez do sedentarismo, o nomadismo; em vez da inércia contemplativa, o diálogo vivo entre "os que querem ouvire aqueles que tem algo a dizer". Ao reunirem um só discurso a "fábrica, o palácio dos no vos-ricos,asruas, aspraças",Copeauserefereàcidadeindistinta mentecomo plataformade ação: a realidade do mundo em opo sição ao espaço especializado da ilusão; e vê no relevo da cidade CenadoEnforcamento.Tiradentes:ainconfidênciadoRio.CentrodeConsecuçãoeDemoliçãodo uma potencialização do desejo de agirsobre a sociedade. Espetáculo.PraçaTiradentes,1992.Foco:GugaMelgar. DireçãoAderbalFreire-Filho. Pode-sepensarasaída, a retirada, o auto-exíliodoedifício :xx teatral no início do século como fuga iminente, a "fugà' de A barraca casa, da "casa burguesa" em seusentido simbólico, estéticoe po Deixar o teatro para ir para onde? À igreja? lítico. Grossomodo, sintetiza-se: Algunscuriosos nos seguiriam. Nãooscren No planosimbólico- a fuga dos regimes de familiaridade tes. À fábrica? Ao paláciodos novos ricos?À eaconchego, afugadarelaçãosedentáriacomavidaedanegação praça pública? Pouco importao lugar desde de seu parentesco com os rituais burgueses. que os que sejuntam tenham a necessidade de nos ouvir, equenós tenhamosalgo alhes dizerou alhes mostrar, edesde queeste lu 16. COPEAU.jacques.Notaspara uma Conferência~171Amsterdam, 21 de Janeirode 1922, apud CRUZIANI,Fabrizio; FALLETTI,Clélia. (l999).Op.cit.p.21 gar seja animadopelaforça da vidadramáti 17.O mais influentediretorteatral desuageraçãonaFrança.em 1913,defendeasimplicidadeno caqueestáem nós.Senão sabemosparaonde cenáriofísico,criandoofamosotréteaunu(palconu)fielaumaesréricadespojada.Copeaueliminao ir, vamos para a rua. Que nós tenhamos a cenárioconstruído,noseuteatro,o"Vieux-Colombier",Aarquiteturadopalcoéconsrituídadeuma coragem de mostrar que nossa arte não tem esrrururafixasimplificada.comuma escada ligandoasalaàplatéia Copeaurepensa aseparaçãoque vemseestabelecendoentreopublicoeacenaeparaacenografialança mãodeacessóriossugeseivose asilo, que não conhecemos mais nossa razão iluminaçãomodulável,cuja fomedeluzsesituaaerásdo püblico,tentandomaisuma vezquebrara de ser e não sabemos mais de quem esperá- distânciaereconduzirumaaproximaçãoentreoespectadoreacaixadopalco. IG Acasaeabarraca Teatrode Rua 17

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