UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE MÚSICA GUSTAVO SILVEIRA COSTA Seis sonatas e partias para violino solo de J. S. Bach ao violão: fundamentos para a adaptação do ciclo São Paulo 2012 GUSTAVO SILVEIRA COSTA Seis sonatas e partias para violino solo de J. S. Bach ao violão: fundamentos para a adaptação do ciclo Tese apresentada ao Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em Música Área de Concentração: Musicologia Orientador: Prof. Dr. Rubens Russomano Ricciardi São Paulo 2012 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. COSTA, G. S. Seis sonatas e partias para violino solo de J. S. Bach ao violão: fundamentos para a adaptação do ciclo. Tese apresentada ao Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em Música Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr.__________________Instituição:__________________ Julgamento: _______________Assinatura:__________________ Prof. Dr.__________________Instituição:__________________ Julgamento: _______________Assinatura:__________________ Prof. Dr.__________________Instituição:__________________ Julgamento: _______________Assinatura:__________________ Prof. Dr.__________________Instituição:__________________ Julgamento: _______________Assinatura:__________________ Prof. Dr.__________________Instituição:__________________ Julgamento: _______________Assinatura:__________________ Agradecimentos À minha esposa Cristiana, pelo amor, apoio e compreensão. Aos meus pais, pelo carinho, pelos ensinamentos e pelo apoio incondicional durante minha longa formação humana e acadêmica. Ao Rubens Ricciardi, meu orientador, pelas instruções, paciência e apoio para a realização desse trabalho. Aos meus professores de violão, Geraldo Ribeiro de Freitas, Gisela Nogueira, Franz Halász e Pablo Marquez pelos inestimáveis ensinamentos e pelo fundamental incentivo para que eu persistisse no caminho da música. Ao Rodolfo Coelho de Souza e ao Edelton Gloeden, por suas valiosas correções e sugestões durante o Exame de Qualificação. Ao Eduardo Costa Martins e à Carmem Ribeiro, pela fundamental colaboração em todas as etapas da edição de nossa transcrição. Ao Albrecht Dümling, por ter localizado a fonte original em alemão da citação de Johann Friedrich Agricola sobre J. S. Bach tocando os Sei Solo ao clavicórdio. À Universidade de São Paulo e à Escola de Comunicações e Artes, pela oportunidade de desenvolver essa pesquisa. Eu tenho dito, eu gosto dos arranjadores, e é sem dúvida pelas mesmas razões que eu gosto dos tradutores. Eu tenho sempre a impressão de lê-los enquanto eles lêem: de “ler sua leitura” de uma obra. Eles assinam sua leitura como os arranjadores assinam sua escuta. (...) Os arranjadores têm tantas coisas a nos dizer sobre a nossa escuta de uma obra, sobre aquilo que “o escutar” significa e sobre o que se pode entender por “obra”, literalmente. Peter Szendy RESUMO COSTA, G. S. Seis sonatas e partias para violino solo de J. S. Bach ao violão: fundamentos para a adaptação do ciclo. 2012. 192f. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Os Sei solo â Violino senza Baβo accompagnato de Johann Sebastian Bach (BWV 1001-1006) têm sido transcritos para violão em movimentos isolados desde o final do século XIX e a transcrição (1934) da grandiosa Ciaccona pelo espanhol Andrés Segovia (1893-1987) tornou-se uma peça central no repertório para violão, sobretudo porque que a escrita para violino sofreu um redimensionamento na adaptação do violonista. Por outro lado, as abordagens do ciclo completo no violão têm se aproximado cada vez mais da escrita original para violino. Kazuhito Yamashita (1989), autor da primeira gravação do ciclo completo no violão, se mostra ainda influenciado pela prática segoviana de transcrição, mas Frank Bungarten (1988 – Sonatas/2000 – Partitas) chega a rechaçar a transcrição BWV 1006a, em que o próprio compositor adiciona baixos e preenchimentos harmônicos; Elliot Fisk (2001) segue o exemplo de Bungarten, realizando linhas de baixo apenas ocasionalmente e Timo Korhonen (2009- 2010) leva esse tipo de abordagem ao ápice, não fazendo adição alguma. Contrariando a tendência atual, a única referência coeva que temos de J. S. Bach tocando seus solos de violino é ao clavicórdio, adicionando quanta harmonia ele julgasse necessário, segundo seu aluno Johann Friedrich Agricola. Transcrições dele e de seus contemporâneos nos mostram que a prática de transcrição sempre envolvia a modificação da escrita original para violino tendendo uma maior elaboração polifônica da obra segundo os recursos da nova instrumentação (normalmente teclado ou alaúde). Ao se transcrever os Sei solo para o violão, a prática da época revela que uma pretensa fidelidade ao texto original é tão equivocada do ponto de vista estilístico quanto seria a versão de Segovia se essa fosse julgada fora dos padrões de sua época. Por outro lado, há gravações parciais dos Sei solo ao violão que seguem em maior ou menor grau as práticas de transcrição e de execução barrocas, além de várias gravações do ciclo completo por alaudistas e cravistas que não hesitam em transfigurar a textura original da escrita para violino, para a adequação da escrita aos seus instrumentos. O presente estudo visa estabelecer os fundamentos de uma prática de transcrição para violão dos Sei solo com base nas técnicas de transcrição e de execução do período da composição sem a pretensão de autenticidade ou fidelidade, mas como fonte de recursos de instrumentação (pela reelaboração da textura polifônica com adições de linhas de baixo e preenchimentos harmônicos) e de expressão (pela adaptação de recursos estilísticos essenciais como as articulações e os ornamentos). Em segunda instância, o estudo apresenta uma nova transcrição para violão dos Sei solo como exemplo de aplicação dos fundamentos de adaptação dessas obras. Palavras chaves: J. S. Bach, violão, transcrição. ABSTRACT COSTA, G. S. Six sonatas and partias for solo violin by J. S. Bach on the guitar: adaptation principles for arranging the cycle. 2012. 192f. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. The Sei solo â Violino senza Baβo accompagnato by Johann Sebastian Bach (BWV 1001-1006) have been arranged for guitar as isolated movements since the end of the 19th century and the transcription (1934) of the great Ciaccona made by the Spaniard Andrés Segovia (1893-1987) became a central work on the repertory, mainly for he remodeled the violin writing when adapting it for guitar. In the other hand, more recent approaches of the cycle have been became progressively simpler and closer to the original writing for violin. The first recording of the cycle on guitar, made by Kazuhito Yamashita (1989), still shows influences of Segovia, but Frank Bungarten (1988 – Sonatas/2000 – Partitas) rejects even Bach’s own transcription of the 3rd Partia, BWV 1006a, where the composer adds bass lines and harmonies; Elliot Fisk (2001) follows Bungarten’s example, with few bass additions; Timo Korhonen (2009-2010) goes further and does not add any notes, relying just on the violin score. In opposition to today’s tendency on guitar, the only reference we to Bach himself playing the violin Solos is on the clavichord, adding as much harmony as he considered necessary, as reports his student Johann Friedrich Agricola. Bach’s and his contemporaries’ arrangements clearly show us that the change of the medium in a composition (usually violin or cello) always involved the modification of the original writing, generally having more polyphonic elaboration after the resources of the new instrument (normally keyboard or lute). The period’s practice reveals that an intentioned fidelity to the original musical text in a guitar arrangement is as misplaced as it would be the Segovia’s version when judged by today’s standards. In the other hand, there are partial recordings of the Sei solo on the guitar that seek to follow the baroque’s arrangement and performance practices. There are also several recordings of the whole cycle made by lute and harpsichord players that do not hesitated about changing the original writing for violin in order to adequate the works for their instruments. The present study aims to establish the adaptation principles of the Sei solo for guitar based on period’s arrangement and performance practices with no pretention of reaching neither authenticity nor fidelity, but simply as instrumentation resources (when rewriting of polyphonic texture with additions of bass lines and harmonies) and expression resources (when adapting stylistic essentials like articulations and ornaments). The secondary purpose of this research is to exemplify an application of the adaptation principles by presenting a new arrangement of the Sei solo for guitar. Keywords: J. S. Bach, guitar, arrangement. SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................................................... 1 1. Johann Sebastian Bach e as obras para violino solo ............................................................................ 7 1.2. Os Sei Solo: características gerais .................................................................................................. 8 1.2.1 Transcrições ............................................................................................................................... 10 1.3. Considerações sobre as relações entre a música e a retórica ........................................................... 14 1.3.1. Princípios da retórica na música e especulações sobre J. S. Bach ............................................ 15 2. Características estruturais e estilísticas dos Sei Solo ......................................................................... 22 2.1. Sonata Prima, BWV 1001 ............................................................................................................... 22 2.2. Sonata Seconda, BWV 1003 ........................................................................................................... 35 2.3. Sonata Terza, BWV 1005 ................................................................................................................ 44 2.4. Partia Prima, BWV 1002 ................................................................................................................. 51 2.5. Partia Seconda, BWV 1004 ............................................................................................................. 65 2.6. Partia Terza, BWV 1006 ................................................................................................................. 78 3. Análises das transcrições de J. S. Bach e de seus contemporâneos .................................................. 83 3.1. Partia Terza na transcrição BWV 1006a.......................................................................................... 83 3.2. Sonata Seconda na transcrição BWV 964 e Adagio da Sonata Terza na transcrição BWV 968. .... 97 3.3. Fuga, segundo movimento da Sonata Prima (BWV 1001), nas transcrições para alaúde (BWV 1000) e para órgão (BWV 539) ............................................................................................................ 107 3.4. A transcrição para alaúde BWV 995 da Suíte V para violoncelo, BWV 1011, e a intabulação de um alaudista contemporâneo de Bach. ....................................................................................................... 111 4. Transcrições para Violão ................................................................................................................... 113 4.1. Andrés Segovia (1893-1987): Chaconne ....................................................................................... 113 4.2. Kazuhito Yamashita (1961): gravação – 1989. ............................................................................. 117 4.3. Frank Bungarten (1988 – Sonatas/ 2000 – Partitas) ...................................................................... 119 4.4. Eliot Fisk (2001) ............................................................................................................................ 121 4.5. Timo Korhonen (2009 – Sonatas/ 2010 – Partitas) ........................................................................ 124 4.6. Sonatas e Partias em gravações isoladas: ...................................................................................... 125 5. Transcrevendo os Sei solo para violão. ............................................................................................. 126 5.1. Escolha das tonalidades ................................................................................................................. 126 5.2. Realizações de linhas de baixo ...................................................................................................... 129 5.3. Preenchimentos harmônicos .......................................................................................................... 135 5.4. Articulação: interpretação e adaptação .......................................................................................... 140 5.5. Ornamentação ................................................................................................................................ 182 6. Considerações finais ........................................................................................................................... 184 Referências bibliográficas ...................................................................................................................... 186 ANEXO - transcrição para violão dos Sei solo de J. S. Bach ................................................................... 192 1 Introdução Os Sei solo a violino senza Basso accompagnato de Johann Sebastian Bach vêm sendo transcritos para violão em movimentos isolados, Partias1 (grafia de acordo com o manuscrito autógrafo) ou Sonatas inteiras e até mesmo o ciclo completo. Francisco Tárrega (1852-1909) teria sido o primeiro violonista a descobrir que algumas composições de Bach podiam ser satisfatoriamente transcritas para o violão (WADE, 1985, p.14). Tárrega era compositor, mas seja por fins artísticos ou de estudo, quase setenta por cento de sua produção foi dedicada à transcrição (MORAES, 2007, p.38). Suas transcrições de obras para piano de Isaac Albéniz (1860-1909) e das obras para violino e violoncelo de J. S. Bach despertaram o interesse de outros intérpretes, estabelecendo um cânone de repertório. Muitas das edições que surgiram depois remontam às concepções de Tárrega em relação às tonalidades, que são decisivas para a acomodação da tessitura e aproveitamento dos recursos do violão. Exemplo disso são as transcrições da Bourrée e da Sarabanda da Partia PrimaI, BWV 1002 (mantidas em Si menor), e da Fuga da Sonata I, BWV 1001 (transposta para Lá menor), que foram algumas das primeiras obras de Bach que Andrés Segovia (1893-1987) adicionou ao seu repertório e publicou anos mais tarde com algumas alterações em relação ao trabalho de Tárrega. Exemplo 1 - Tempo di Borea da Partia Prima, BWV 1002 (transcrição de Franscisco Tárrega) 1 Partita, termo mais conhecido nas edições das obras para violino solo de J. S. Bach, é substituído aqui por Partia, o termo empregado pelo próprio compositor no manuscrito. Seu uso era comum na Alemanha central para designar obras em forma de suíte – Johann Kuhnau publicou duas coleções de Partien e duas de Suonaten entre 1689 e 1700. De acordo com Ledbetter (2009, p.3) “havia uma grande variedade de terminologias disponíveis para Bach (...) ele gostava de fornecer exemplos de todos os gêneros disponíveis e ele usou quase todos esses termos em diferentes épocas”. J. S. Bach usou o termo Partita nas peças individuais da coleção para cravo intitulada Clavier Übung (1730), que também foi usado por Kuhnau.
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