ebook img

revista de antropologia PDF

335 Pages·2017·10.18 MB·Portuguese
by  
Save to my drive
Quick download
Download
Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.

Preview revista de antropologia

revista de antropologia São Paulo, USP, 2017, v.60 n.3 Dias Braz na ulia © J dossiê resenhas Olhares cruzados para a África: Transversalidade no Centro de Estudos Africanos em Uma derrota para além trânsitos e mediações Moçambique, 1976-1986: a construção de uma nova daquele tempo | Os fuzis e visão nas ciências sociais as flechas: história de sangue algumas reflexões Colin Darch e resistência indígena na ditadura, de Rubens Valente Perspectivas do Sul sobre relações de gênero e Barbaridades e violências Luís Roberto de Paula sexualidades: uma intervenção queer Brigitte Bagnol Zethu Matebeni Religião evangélica Ensaio Fotográfico e suas respostas às A desconstrução de Cabo Verde como um brasilin: um Registros de um olhar pelo sul da Etiópia mulheres: aborto, direito cabo-verdiano em terras brasileiras Sylvia Caiuby Novaes e prosperidade | A mulher Cláudio Alves Furtado universal: corpo, gênero e Entrevista pedagogia da prosperidade, Ser antropóloga entre local e global “Olhares compartilhados”: (des)continuidades, de Jacqueline Moraes Esmeralda Mariano interseccionalidade e desafios da relação Sul-Sul Teixeira Entrevista com Zethu Matebeni Nina Rosas Desenclavar as ciências sociais na África lusófona: a Thais Tiriba e Laura Moutinho Iniciativa Especial do CODESRIA Povos indígenas em Mato Carlos Cardoso Grosso do Sul | Povos indígenas em Mato Grosso do Sul: história, cultura, transformações sociais, organizado por Graciela artigos Chamorro e Isabelle Combès Maria Agustina Morando Identidades em movimento: uma etnografia em Lembranças do pós-guerra no sul de Angola: vivências contexto de violência e reconstrução da vida cotidiana Martírio: quando os Kaiowa Aline Gama e Clarice Peixoto Camila A. M. Sampaio e Guarani fizeram contato | Martírio, direção de Vincent Vida e morte do “agrupamento 26”: breve etnografia Navegar é preciso, viver também é preciso: ideias Carelli, Tatiana Almeida e do Morar Carioca na “Barra Olímpica” (2011-2013) iniciais sobre a organização e a percepção de tempo de Ernesto de Carvalho Mariana Cavalcanti marinheiros brasileiros em navio polar Spensy K. Pimentel Sarah de Barros Viana Hissa Biossociabilidades e políticas de governo no esporte de alto rendimento George Saliba Manske revista de antropologia Fundada por Egon Schaden em 1953 editor responsável – Laura Moutinho comissão editorial – Laura Moutinho, Pedro de Niemeyer Cesarino e Sylvia Caiuby Novaes secretário – Edinaldo F. Lima assistente editorial – Pedro Lopes assistente editorial (Seção de Resenhas) – Luísa Valentini revisão – Pedro Lopes e Lea Tosold estagiário – Fabio Alberto Chipana Herrera editoração eletrônica – Fernando Bizarri (Estudio Brita) conselho editorial capa Ana Lúcia Marques Camargo Ferraz – Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil Juliana Braz Dias Antonio Motta – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil Carmen Guarin – Universidade de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina Catarina Alves Costa – Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal Cláudio Alves Furtado – Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil Eduardo Viveiros de Castro – Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, Brasil Esmeralda Celeste Mariano – Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique Fernando Giobellina Brumana – Universidad de Cádiz, Cádiz, Espanha Gilton Mendes dos Santos – Universidade Federal de Manaus, Manaus, Brasil Jane Felipe Beltrão – Universidade Federal do Pará, Belém, Brasil Joana Overing – The London School of Economics and Political Science, Londres, Reino Unido João Biehl – Princeton University, Princeton, Estados Unidos da América Júlio Cézar Melatti – Universidade de Brasília, Brasília, Brasil Klass Woortmam – Universidade de Brasília, Brasília, Brasil Livio Sansone – Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil Lourdes Gonçalves Furtado – Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Brasil Luiz Fernando Dias Duarte – Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, Brasil Mara Viveiros – Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, Colômbia Marisa G. S. Peirano – Universidade de Brasília, Brasília, Brasil Mariza Corrêa – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil Moacir Palmeira – Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, Brasil Oscar Calavia Sáez – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil Paul Henley – The University of Manchester, Manchester, Reino Unido Roberto Kant de Lima – Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil Ruben George Oliven – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil apoio Simone Dreyfrus Gamelon – École de Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França Tânia Stolze Lima – Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil Wilson Trajano Filho – Universidade de Brasília, Brasília, Brasil CAPES Zethu Matebeni – University of Cape Town, Cidade do Cabo, África do Sul CNPq SIBI/USP revista de antropologia 60(3) – Dezembro de 2017 Sumário dossiê olhares cruzados para a áfrica: trânsitos e mediações 7 Algumas reflexões | Laura Moutinho, Wilson Trajano Filho e Andréa Lobo 26 Perspectivas do Sul sobre relações de gênero e sexualidades: uma intervenção queer | Zethu Matebeni 45 A desconstrução de Cabo Verde como um brasilin: um cabo- verdiano em terras brasileiras | Cláudio Alves Furtado 65 Ser antropóloga entre local e global | Esmeralda Mariano 89 Desenclavar as ciências sociais na África lusófona: a Iniciativa Especial do CODESRIA | Carlos Cardoso 112 Transversalidade no Centro de Estudos Africanos em Moçambique, 1976-1986: a construção de uma nova visão nas ciências sociais | Colin Darch 134 Barbaridades e violências | Brigitte Bagnol 163 Ensaio Fotográfico: Registros de um olhar pelo sul da Etiópia | Sylvia Caiuby Novaes 181 Entrevista: “Olhares compartilhados”: (des)continuidades, interseccionalidade e desafios da relação Sul-Sul | Entrevista com Zethu Matebeni | Thais Tiriba e Laura Moutinho artigos 186 Identidades em movimento: uma etnografia em contexto de violência | Aline Gama e Clarice Peixoto 211 Vida e morte do “agrupamento 26”: breve etnografia do Morar Carioca na “Barra Olímpica” (2011-2013) | Mariana Cavalcanti 236 Biossociabilidades e políticas de governo no esporte de alto rendimento | George Saliba Manske 257 Lembranças do pós-guerra no sul de Angola: vivências e reconstrução da vida cotidiana | Camila A. M. Sampaio 284 Navegar é preciso, viver também é preciso: ideias iniciais sobre a organização e a percepção de tempo de marinheiros brasileiros em navio polar | Sarah de Barros Viana Hissa resenhas 308 Uma derrota para além daquele tempo | Os fuzis e as flechas: história de sangue e resistência indígena na ditadura, de Rubens Valente | Luís Roberto de Paula 316 Religião evangélica e suas respostas às mulheres: aborto, direito e prosperidade | A mulher universal: corpo, gênero e pedagogia da prosperidade, de Jacqueline Moraes Teixeira| Nina Rosas 323 Povos indígenas em Mato Grosso do Sul | Povos indígenas em Mato Grosso do Sul: história, cultura, transformações sociais, organizado por Graciela Chamorro e Isabelle Combè | Maria Agustina Morando 329 Martírio: quando os Kaiowa e Guarani fizeram contato | Martírio, direção de Vincent Carelli, Tatiana Almeida e Ernesto de Carvalho | Spensy K. Pimentel revista de antropologia 60(3) – December 2017 Table of Contents special issue cross-cutting approaches to africa: movements and mediations 7 Initial Notes | Laura Moutinho, Wilson Trajano Filho e Andréa Lobo 26 Southern Perspectives on Gender Relations and Sexualities: A Queer Intervention | Zethu Matebeni 45 The Deconstruction of Cape Verde as a Brasilin: A Cape Verdean in Brazilian Land | Cláudio Alves Furtado 65 On Being Local and Global Anthropologist | Esmeralda Mariano 89 Developing Social Sciences in Lusophone Africa: The CODESRIA Special Initiative | Carlos Cardoso 112 Transversality in the Centre of African Studies in Mozambique, 1976-1986: The Building of a New Vision for the Social Sciences | Colin Darch 134 Barbarities and Violences | Brigitte Bagnol 163 Photographic Essay: A subjective glimpse of Southern Ethiopia | Sylvia Caiuby Novaes 181 Interview: “Looking Together”: (Dis)Continuities, Intersectionality and Challenges of South-South Relation | Interview with Zethu Matebeni | Thais Tiriba e Laura Moutinho articles 186 Identities on the Move: An Ethnography in the Violence Context | Aline Gama e Clarice Peixoto 211 Life and Death of “Grouping 26”: A Brief Ethnography of the Morar Carioca Program in Olympic Rio | Mariana Cavalcanti 236 Biosociability and Government Policies in High-Performance Sport | George Saliba Manske 257 Post-War Memories in Southern Angola: Experiences and Reconstruction of Everyday Life | Camila A. M. Sampaio 284 Sailing is Needed, Living is Also Needed: First Ideas on Time Organization and Perception of Brazilian Seamen at Antarctica | Sarah de Barros Viana Hissa reviews 308 A Defeat Beyond That Time | Os fuzis e as flechas: história de sangue e resistência indígena na ditadura, by Rubens Valente | Luís Roberto de Paula 316 Evangelical Religion and Its Responses to Women: Abortion, Law and Prosperity | A mulher universal: corpo, gênero e pedagogia da prosperidade, by Jacqueline Moraes Teixeira| Nina Rosas 323 Indigenous Peoples in Mato Grosso do Sul | Povos indígenas em Mato Grosso do Sul: história, cultura, transformações sociais, organized by Graciela Chamorro & Isabelle Combè | Maria Agustina Morando 329 Martírio: When the Kaiowa and Guarani Made Contact | Martírio, directed by Vincent Carelli, Tatiana Almeida & Ernesto de Carvalho | Spensy K. Pimentel 7 DOSSIÊ | OLHARES CRUZADOS DOI http://dx.doi.org/10.11606/ PARA A ÁFRICA: TRÂNSITOS E 2179-0892.ra.2017.141823 MEDIAÇÕES – Algumas reflexões Laura Moutinho, Wilson Trajano Filho e Andréa Lobo Universidade de São Paulo | São Paulo, SP, Brasil Universidade de Brasília | Brasília, DF, Brasil Universidade de Brasília | Brasília, DF, Brasil [email protected], [email protected] e [email protected] Em 2017, um número significativo de países africanos teve novas eleições, o que vem sendo considerado um desafio para as democracias recentemente instaura- das no continente que, assim como no Brasil, vêm enfrentando sérios questiona- mentos e mesmo ameaças diretas. As diferenças entres os processos específicos de cada contexto nacional deixam entrever, contudo, algumas semelhanças: corrupção, persistência de certos cenários de desigualdade social (mesmo com todas as transformações vividas nas últimas décadas), avanço da extrema direita ou ao menos o questionamento de uma série de direitos sociais recentemente adquiridos. O cenário africano, neste sentido, tem atualmente de enfrentar out- ros desafios não resolvidos com a democracia, como a persistência do racismo, da homofobia, do sexismo – no caso da África do Sul, apesar de uma legislação tida como progressista (ver Zethu Matebeni, neste dossiê)1. Registram-se guer- 1 Em português, ver tam- ras, fome, incontáveis formas de devastação e miséria, mas também epidemias bém Moutinho (2004 e 2014); Blaser et al. (2010) e Moutinho como do ebola, que continuam a alimentar antigos estereótipos e a justificar et al. (2010). exclusões que se desdobram desde o período colonial. Todavia, importa afirmar que os países do continente africano não se encontram isolados nessas ex- periências de desamparo e de desigualdade. Como parte desse cenário, interessa ao Brasil, e particularmente ao campo 2 O acrônimo BRICS se de estudos e pesquisas em África, acompanhar de perto os desdobramentos refere ao países descritos como “emergentes”, que formaram dos BRICS2, que têm fomentado uma interlocução Sul-Sul, especialmente entre um grupo de cooperação. Brasil, o Brasil, a África do Sul (e África Austral como um todo) e a Índia. Acordos de Rússia, Índia, China são os países fundadores do grupo, cooperação foram firmados ao longo da última década, apesar de tais alianças cuja intenção era associar os virem sendo ameaçadas pelo governo de Michel Temer. seus crescimentos econômicos a influência geopolítica. O “S” No Brasil, o campo de estudos em África cresceu significativamente. Há foi incorporado em 2011, com a um fluxo intenso de ideias e pessoas, mesmo num momento em que, de modo admissão da África do Sul. Rev. antropol. (São Paulo, Online) | v. 60 n. 3: 7-25 | USP, 2017 dossiê | Laura Moutinho, Wilson Trajano Filho e Andréa Lobo | Algumas reflexões 8 dramático, vivemos uma reconfiguração do Estado e das relações e cooperação in- ternacionais. A questão da internacionalização é central para a produção acadêmi- ca contemporânea e, no caso em tela, temos reunido esforços, especialmente por meio de editais do CNPq, como o PROÁFRICA, no sentido de dar peso à construção de agendas que fomentem alianças transnacionais com estudiosos da região. Outro aspecto importante a ser considerado neste trabalho de pesquisa e interlocução relaciona-se às inúmeras reuniões que temos organizado e par- ticipado nos últimos anos acerca da internacionalização e da publicação em revistas científicas internacionais. Como Trajano Filho (2012b: 40-41) adiantou, muitas das revistas científicas sobre África, publicadas ou não no continente, são B1, B2, B3 ou mesmo sem classificação no sistema de avaliação e classificação da Capes. Virou moeda comum se ressaltar a importância de se publicar em inglês. Parece ser menos frequente, entretanto, o movimento de colocar em perspecti- va a geopolítica do conhecimento. Claudio Furtado chamou atenção para essa dimensão no 39º Encontro Anual da Anpocs: em África, o inglês também é a língua privilegiada da comunicação cientifica – ao lado, em menor medida, do francês e do português –, mas isso não faz com que as publicações do continente sejam mais valorizadas. Neste sentido, frente às transformações políticas contemporâneas e aos desafios que temos enfrentado e compartilhado – especialmente aqueles localizados no Hemisfério Sul – faz-se necessário trabalhar pela cooperação e pela colaboração. Como atuar conjuntamente para mudar nossa situação e, ao mesmo tempo, manter ou elevar o nível da produção veiculada nesses periódi- cos? Como pensar o nosso lugar de pesquisadores e pesquisadoras em África no contexto de uma complexa geopolítica do conhecimento? Em que línguas publicar? Precisamos, igualmente, abrir frentes de trocas com pesquisadores oriundos de outros centros acadêmicos emergentes, como da Índia, do Japão, da Rússia, da China, de países europeus e da América Latina que mais recen- temente começaram a se dedicar ao continente africano (Alemanha, Espanha, Polônia, Dinamarca, Argentina, México etc.). Todas essas são questões centrais para a internacionalização obrigatória da pesquisa feita em continente africano por cientistas sociais brasileiros. O sistema global de propriedade intelectual, o regime de direitos autorais e o sistema de produção e distribuição do conhecimento não são, como já chamou atenção Colin Darch – pesquisador da University of Cape Town (UCT) e da UFPE, em debate recente – nem equilibrados, nem neutros, nem isentos de juízo de valor. A pobreza informacional e as dificuldades que enfrentamos com o fluxo de pessoas e ideias não são explicadas pela pobreza material (Darch, 2017). Hoje, mais que nunca, faz-se necessário reunir esforços para colocar em perspec- tiva e fazer pressão sobre os sistemas de comunicação científica. Afinal, fazer Rev. antropol. (São Paulo, Online) | v. 60 n. 3: 7-25 | USP, 2017 dossiê | Laura Moutinho, Wilson Trajano Filho e Andréa Lobo | Algumas reflexões 9 pesquisa em África é se colocar em redes de trocas intelectuais com pesquisa- dores em vários cantos do mundo. Face a este amplo conjunto de questões, este dossiê3 atende a um duplo 3 Este dossiê, em parte, é objetivo: 1) estimular o diálogo e a reflexão acerca dos temas que ganham des- um desdobramento do Seminá- rio de mesmo nome, realizado taque em pesquisas realizadas em diferentes contextos do continente africano; em duas diferentes edições: 2) ampliar as trocas e conversas entre pesquisadores de proveniências variadas na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, em João Pessoa, que realizam seus trabalhos em África, dando destaque ao local de onde se na Paraíba, e na Universida- dirige o olhar para o continente. Ainda, a proposta mais ampla desta seleção de de de São Paulo (USP), em agosto de 2016. Os seminários artigos é investir nas interconexões (explícitas ou fruto de ações em rede) entre contaram com apoio da Fapesp diferentes países do chamado eixo Sul-Sul que possuem histórias relacionadas, (processo No 16/09840-0), da Associação Brasileira de mas que não compartilham uma mesma trajetória histórica colonial nem o Antropologia (ABA) e do CNPq, mesmo quadro de relações raciais e de gênero. através do Projeto PROÁFRICA: “A Vizinhança nas entrelinhas: O ponto de partida a balizar este empreendimento foi o dos olhares cruza- alianças e conflitos, trocas dos e inusitados. O olhar convencional da antropologia para a África sempre (des)iguais e cooperação entre Moçambique e África do Sul”, esteve constrangido pelas relações de dominação colonial, mesmo passados aprovado na Chamada MCTI/ cerca de 60 anos das independências africanas. Assim, antropólogos ingleses CNPq Nº 46/2014 – Programa de Cooperação em Ciência, Tec- olhavam e ainda olham para as realidades dos países que um dia foram colônias nologia e Inovação com Países do Reino Unido. Os franceses, portugueses e belgas fazem o mesmo com relação da África, coordenado desde o Departamento de Antropologia aos países que um dia foram parte de seus respectivos impérios. Também con- da USP. sideramos convencional o olhar do império global do presente que, apesar de uma forte inclinação para as realidades de países africanos anglófonos, acaba por direcionar-se a todo o continente. Há, contudo, uma grande variedade de olhares inusitados que aportam no- vas cores e contornos, relativamente negligenciados pelas perspectivas conven- cionais. Numa versão mais fraca, temos aqueles que dizem respeito aos per- tencimentos transversais: antropólogos portugueses estudando realidades do Gabão, belgas trabalhando na Guiné-Bissau, franceses conduzindo investigação na Tanzânia. Uma versão interessante desse olhar marcado por pertencimen- to transversal seria o caso de antropólogos socializados em um país africano realizando pesquisa em outro país do continente, distante do seu em termos dos nexos históricos e territoriais. Mais inusitados, conformando um caso clássico do diálogo Sul-Sul, seria a mirada da África pela antropologia brasileira. O olhar de nossos etnólogos para o continente representaria um caso de grande interesse, especialmente quando se trata de pesquisas orientadas para realidades que estão além dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Outros casos do mesmo tipo poderiam ser considerados, como uma África vista por indianos, japoneses, mexicanos, argentinos etc. Por fim, ainda mais insuspeitos seriam os olhares dos antropólogos africanos para realidades não africanas, sejam os antigos impérios coloniais, sejam outras realidades do Sul. Rev. antropol. (São Paulo, Online) | v. 60 n. 3: 7-25 | USP, 2017 dossiê | Laura Moutinho, Wilson Trajano Filho e Andréa Lobo | Algumas reflexões 10 Em vista desse exercício, elaboramos um dossiê que reúne antropólogos que representam os casos acima, de modo a, por meio de suas pesquisas substan- tivas, refletir sobre a importância do lugar do olhar, especialmente dos olhares cruzados para o continente africano. Sem excluir as reflexões de natureza explici- tamente epistemológica, privilegiamos as contribuições que fazem essa reflexão a partir dos estudos e da experiência concreta de pesquisa dos autores e autoras. Este é um primeiro esforço nessa direção. Gostaríamos de ter amealhado contribuições de antropólogos ou cientistas sociais indianos, russos, japone- ses latino-americanos que fazem pesquisa em África, mas não foi possível na presente ocasião. Ausente também está o olhar brasileiro para o continente, mas, em larga medida, esta apresentação preenche parcialmente essa lacuna. Não conseguimos convidar um cientista social africano que trouxesse um olhar da África para a Europa ou para o Norte Global, mas temos neste dossiê um texto que, com uma reflexividade refinada, olha para a África a partir do Brasil e, nesse movimento, reconstrói os entendimentos sobre o próprio Brasil, Cabo Verde e a África (ver Cláudio Furtado, neste dossiê). olhares brasileiros para áfrica Inserir o caso brasileiro neste debate não é tarefa simples e merece uma análise particular, além de um levantamento de dados consistentes e que façam jus à complexidade dos olhares cruzados que nos propomos aqui a discutir. Como muito bem apontado por Omar Ribeiro Thomaz (2008), a formulação de algo como uma “singularidade da antropologia brasileira” traz consigo problemas, uma vez que são numerosos os exemplos de nossa história em que podemos aproximar nossa disciplina de movimentos mais ou menos imperiais que se davam internamente às nossas fronteiras. Uma suposta originalidade da antro- pologia brasileira deve ser, portanto, muito bem matizada. Certamente, isso se estende para as relações de pesquisa e de cooperação que estabelecemos em África e alhures. Isso dito, cabe ainda nos perguntarmos sobre os tipos de relações que esta- belecemos sob a roupagem de relações Sul-Sul, supostamente mais igualitárias ou com a marca da horizontalidade. Se é certo que a posição dos brasileiros – pesquisadores, cooperantes, parceiros – não é a mesma dos antigos coloniza- dores ou dos demais parceiros do Norte Global, ela não necessariamente é uma relação entre iguais. Quais seriam, portanto, as marcas dos olhares brasileiros sobre a África? Acompanhando um movimento de internacionalização das agendas de pes- quisa nas ciências sociais no Brasil, o campo dos estudos africanos tem atraído um número crescente de investigadores vinculados a centros de pós-graduação Rev. antropol. (São Paulo, Online) | v. 60 n. 3: 7-25 | USP, 2017

Description:
antropologia. Um deles era Peter Fry, que seguiu a linhagem clássica da antrop- ologia britânica na região com seu trabalho sobre a possessão de . Brasil na antropologia aqui produzida (Trajano Filho, 2012a) por vezes dificulta some of Us are Brave: Intersectionality, Belonging and Black.
See more

The list of books you might like

Most books are stored in the elastic cloud where traffic is expensive. For this reason, we have a limit on daily download.