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REVISTA BRASILEIRA 61-duotone.vp PDF

142 Pages·2010·3.8 MB·Portuguese
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Prosa Euclides da Cunha e o Itamarati * Afonso Arinos, filho Ocupante da Cadeira 17 na Academia Brasileira de Letras. H á literaturas simbolizadas por um livro apenas, como a portuguesa, por OsLusíadas,deCamões; aespanhola, pelo DomQuixote,deCervantes;aitaliana,pelaDivinaComédia,doAlighieri. Um só autor, Shakespeare, pode representar a inglesa. A literatura francesa, talvez a mais influente no mundo, nunca foi definida por umnomeapenas,emboraBalzaceProustnaprosa,Corneille,Raci- ne,MolièreeVictorHugonoverso,hajamsidocandidatospodero- sos a exprimi-la. Entrenós,atéhoje,oquemaisseassemelhouaumlivronacional foi Os Sertões, de Euclides da Cunha, ao descrever a maior tragédia históricaehumanabrasileira,associada,afinal,àvidaemortetrági- casdoseuautor.IssoapesardafortecompetiçãodeGrandeSertão:Ve- redas, de Guimarães Rosa. Sobre essa possível comparação, aliás, posso apresentar um testemunho pessoal, fornecido pelo próprio * Texto apresentado no 6.ociclo de conferências: “Centenário de morte de Euclides da Cunha”, no dia 25/8/2009, na Academia Brasileira de Letras. EuclidesdaCunhaeoItamarati 21 Afonso Arinos, filho autordosegundo.Disse-meelecertavez,quandoaindaemcursoaredaçãodo grande romance, que tencionava dar-lhe aquele título para, de certa forma, o diluir, a fim de não parecer intenção sua compará-lo a OsSertões. EscreversobreEuclidesdaCunha,paraquemnãotencioneestender-seemum ensaio mais abrangente da sua difícil personalidade, múltipla, excepcionalmente dotada,originalecriativa,apresentadesdelogoadificuldadedeoptarentreasdi- versasfacesdaquelepoliedrohumano,semqueoânguloescolhidoseofusquepor tantosoutrosalusivosaele.Mas,dequalquermodo,prevalecerásempreonacio- nalismomilitante,agressivo,inovador,quetornouseulivro-monumento,decerta forma,umsímbolodonossopaís.Nãoàtoa,oescritorpoderoso,quemorreria aos43anossemnuncahaversaídodoBrasil,abandonaraemdefinitivoacarreira militar,comaintençãodededicar-se,parasempre,aestudosbrasileiros.Aimpor- tânciadaquelaobra,eleareconheceriaemcartaaopai,datadade13dedezembro de1904,quando,emManaus,aguardavaquesecompletassemasprovidênciasea chegadadeinstruçõesautorizando-oainternar-senaflorestacomaComissãode ReconhecimentodoAltoPurus:“Emtodososportosondesaltei, fuigentilmente recebidograçasàinfluênciadoseugrandeneto:OsSertões”. Afonso Arinos de Melo Franco, no ensaio “Reflexões sobre Euclides da Cunha”,publicado,em1940,emseulivrosobreHomenseTemasdoBrasil,ana- lisouascaracterísticasquefizeramdeOsSertões,emprincípiosdoséculoXX, umguialiteráriodanacionalidadenosterrenosdaantropologia,dasociolo- gia,datopografia,dahistória,assimcomoofarianofimdoséculo,naficção esobretemaanálogo,GrandeSertão:Veredas,deGuimarãesRosa.ParaAfonso Arinos,“esteterrívelproblemaque,comdiferentesmodalidades,devidasàs diferenças geográficas, ainda hoje se superpõe aos dirigentes do Brasil, esta difíciltarefadedarcidadaniaeconômicaeculturalatantosbrasileirosquesó possuem um arremedo de cidadania política, esta verdadeira naturalização de quem vive como estranho na sua própria terra, Euclides apreendeu num relanceedenuncioucomfogo.OsSertõesconstituiomaisvigorosoapelones- te sentido e o mais valioso, porque gerado ao contato de uma experiência viva. Podemos estender as suas conclusões de ordem geral a outras zonas 22 Euclides da Cunha e o Itamarati brasileiras que não foram visadas pelo autor, e o brado de Euclides servirá, assim,depontodepartidaparatodaumateoriabrasileiradegoverno,inde- pendentedasacrobaciasdasescolas,regimesesistemas,equeterácomoob- jetivo esta coisa simples e enorme: preparar um Brasil brasileiro. [...] Senti- mosnecessidadedesoluçõesnacionais,paraosproblemasnacionais.Eavi- sãoprecursoradeEuclidesdaCunhacontribuienergicamenteparaestesen- timentodominantedanossageração.[...]Daíconcluirmosqueoregimepo- líticoemquevivemosserábomoumau,nãosegundotalouqualcoloração teórica,massegundofiraounãofiraosobjetivosvitaisdasnossasnecessida- des. Euclides da Cunha representa um exemplo impressionante nesta linha de nacionalização do pensamento brasileiro”. Rio Branco havia hesitado muito antes de aceitar o convite de Rodrigues AlvesparaassumiroMinistériodasRelaçõesExteriores.Convitequelhefora dirigidoatravésdoaindapresidenteCamposSales,quandoesteviajaraàEuro- pa.Paranhoschegouaalvitrar,emlugardoseu,onome,igualmenteglorioso, de Joaquim Nabuco, mas atendeu, afinal, às instâncias do presidente-eleito, postas em termos de dever patriótico. OpresidentedaRepúblicaeogabinetesehaviamempossado a15deno- vembrode1902,masobarãosóchegouaoRiodeJaneiroem1.ºdedezem- bro, engalanadopelosêxitosobtidosnasarbitragensdasquestões dePalmas, contra a Argentina, e do Amapá, contra a França, sendo recebido em delírio, nocais,pelopovocariocaeamocidadedasescolas.Elepisavadenovo,após vinteeseisanospassadosnoexterior,osolodasuacidadenatal.Desde1876, sedesprenderadapolíticainterna,comofirmepropósitodesededicarexclu- sivamenteaassuntosnacionais.Nomesmodia,proferiuodiscursodeposse, comochanceler,nasededoClubeNaval,atravessouaBaíadaGuanabaraaté Mauá, e subiu a serra para Petrópolis no trenzinho de cremalheira, evitando passarumanoitesequernacapital,escabriadopeloquesucederaaoseuamigo EduardoPrado.Este,noanoanterior,chegadodeParis,pousaranoRio,aca- minho de São Paulo, para visitar companheiros acadêmicos. E foio bastante para morrer, picado pelo mosquito da febre amarela. 23 Afonso Arinos, filho Os primeiros problemas candentes com que o Rio Branco teve de defron- tar-se ao assumir o Itamarati foram as questões fronteiriças com a Bolívia e o Peru.ComauniãodascoroasibéricassobFelipeIIem1580,asentradaseban- deirasportuguesasnaAméricadoSul,semsercontrastadaspelosespanhóis,ha- viamdilatadonossoshorizontesgeográficosparaooeste,ocupandoterrasatri- buídas à Espanha pelo Tratado de Tordesilhas de 1494, até a reconfiguração doslimitesnaregião,pelosTratadosdeMadriedeSantoIldefonso,noséculo XVIII.Nãosepensou,porém,empovoamentosistemáticoatémeadosdosécu- loseguinte,quandoaborrachadosseringais,abundantenazonadorioAcre,co- meçouaprovocarsuacolonizaçãodemodoespontâneo.Em1867,assinou-seo Tratado de Ayacucho, que confirmava o uti possidetis colonial, vigente desde o TratadodeMadri,graçasaobrasileiroAlexandredeGusmão,seuprincipalne- gociadoremnomedoreiD.JoséI.Porele,oBrasilasseguravaàBolíviagrande partedoterritóriodoAcre,comareserva,introduzidapelanossadiplomacia,da disposiçãode“reconheceroutipossidetiscomobaseparadeterminaçãodafrontei- raentreseusrespectivosterritórios”.Mas,àproporçãoquesubianomercadoo preço da borracha, aumentava a corrida para a Amazônia, multiplicando-se os seringaispelosvalesdorioAcre(oAquiridosíndios)edoPurus.Terrenofértil paraoaparecimentodeaventureirosdefora,comooespanholLuizGálvezeo gaúchoPlácidodeCastro.AdescobertadorioAcre,em1861,ensejouaabertu- radenovoshorizontesparaaproduçãodolátex. O governo brasileiro havia reconhecido aquela região como pertencente à Bolívia, conforme relatório do chanceler Olinto de Magalhães ao presidente CamposSales.Massertanistasbrasileirosaexploravam,ignorandoseasterras por eles penetradas pertenciam ao Brasil, à Bolívia ou ao Peru. Em 1899, Luiz Gálvez proclamara a República Independente do Acre, go- vernando-a, com breves intervalos, até o ano seguinte, com apoio do governo amazonense,queesperavaanexararegião,ricaemseringais.Gálvezinstituiuas armasdaRepública(atualbandeiradoEstadodoAcre),idealizouumpaísmo- derno para a época, com preocupações sociais, ecológicas e urbanísticas. Para ele, “não podendo ser brasileiros, os seringueiros acreanos não aceitavam tor- 24 Euclides da Cunha e o Itamarati nar-sebolivianos”.Mas,emobediênciaaoTratadodeAyacucho,oBrasildespa- chouumaexpediçãomilitarparadestituirGálvez,edevolveraregiãoàBolívia. Ogovernobolivianoiniciou,então,negociaçõescomumtrusteanglo-ameri- cano,oTheBolivianSyndicateofNewYork,visandoassegurar,compoderes excepcionais,aincorporaçãopolíticaeeconômicadoAcre,territórioque,dedi- reito,jápertenciaaoseudomínioefetivo.OBolivianSyndicateeraumachartered company,semelhanteàsqueoperavamnaÁfricaenaÁsia,duranteafaseinicialdo processo de dominação daqueles continentes pelas potências colonialistas oci- dentais. Essa companhia arrendara ao governo boliviano o território do Acre, paraadministrá-lacompoderesamplos.Talintenção,casoconcretizada,iriare- dundar,decerto,noestabelecimentodeumquistoanglo-saxãonoventremole do oeste da Amazônia brasileira, e as consequências dessa situação geopolítica paraasoberanianacionalnãoeramdifíceisdeprever.Ocontratoestabeleciao monopóliodacompanhiaestrangeirapeloprazo,prorrogável,desessentaanos, dominando,assim,todaavidainternaeexteriordoterritório.Poraliseabriria, então, a porta para o colonialismo anglo-americano. O barão do Rio Branco, aindacomoministroplenipotenciárioemBerlim,publicara,nosjornaisalemães, nota alertando para o caráter litigioso da região, até então reconhecida como pertencente à Bolívia, com o fito de desencorajar eventuais interessados em se tornaremacionistasdoBolivianSyndicate. Emjulhode1901,ogovernodaBolíviafirmariaocontratocomacompa- nhia colonizadora, provocando represálias do Congresso brasileiro. Oenvia- dobolivianoàregiãoexpediudecreto,emnomedoseupaís,abrindoaembar- caçõesestrangeirasanavegaçãodosafluentesdoAmazonasnoterritóriodis- putado,e,portanto,anavegaçãodopróprioAmazonas.Umacanhoneiraame- ricana,aproveitando-sedisso,subiuorio,semautorização,atéIquitos.E,no regresso,seucomandantelevavaaogovernodosEstadosUnidosumapropos- taboliviananosentidodereceberseuapoioeproteção,emtrocadegarantias alfandegárias à exportação da borracha para a América do Norte. Por ela, se necessário,aBolíviaabririamãodesuasoberaniasobreoterritório,ocupado por seringueiros brasileiros, em favor dos americanos. 25 Afonso Arinos, filho PlácidodeCastro,nascidonoRioGrandedoSul,liderou,em1902,opera- çãoarmadadevultonaregião,derrotandotropasedepondoautoridadesboli- vianas, ao instituir o Estado Independente do Acre. A Bolívia organizou, en- tão,expediçãomilitarcomandadapeloprópriopresidentedaRepública,gene- ralJuanManuelPando.Orecém-empossadopresidenteRodriguesAlves(que sancionariaalei,criandooTerritóriodoAcreem1904),atravésdoseuchan- celer,obarãodoRioBranco,cientificouogovernobolivianodequeoBrasil consideravalitigiosaaquestão,queasoluçãodapendênciadeveriaserbuscada atravésdenegociaçõesdiplomáticasequeoBrasildesejavaadquirir,mediante compensação,todooterritóriocontestado,afimdeprotegermilharesdebra- sileiros,habitantesdaregiãoporelesdesbravada.Determinou,emconsequên- cia,oenviodeumacolunadeinfantariaeartilhariaparaaáreaconflagrada.O exércitonacionalocupouonortedoAcreePlácidodeCastro,osul.Restava, então, discutir, no âmbito diplomático, a questão das fronteiras. Em março de1903,celebrou-se emLaPaz,entreosgovernos bolivianoe brasileiro, umprotocolopara“evitarqualquer choquedearmasnoterritório doAcre,eachando-sependentesnegociaçõescomofimdechegaraumacor- dodefinitivoehonrososobreasquestõesquesesuscitaramentreosdoispaí- ses”.A17denovembroseguinte,overãoseaproximava,jáfaziacalornoRio, eoprudenteministrorecebia,acompanhadoporAssisBrasil,naatualAvenida BarãodoRioBranco,emsuacasatãoaprazíveldePetrópolis(casaqueoIta- marati podia e devia ter comprado, para nela instalar um museu Rio Branco, ou museu do Acre), a delegação da Bolívia que iria firmar o Tratado de Per- mutadeTerritórioseOutrasCompensações,ouTratadodePetrópolis,con- formeestipulaçãocontidanoTratadodeAmizade,Limites,NavegaçãoeCo- mérciode27demarçode1867.Apóssedefiniremospontosgeográficospe- los quais passaria a nova fronteira estipulada entre os dois países, “a transfe- rênciadeterritóriosresultantedadelimitaçãodescrita[...]compreendetodos osdireitos quelhessãoinerentes, earesponsabilidade derivadadaobrigação demantererespeitarosdireitosreaisadquiridospornacionaiseestrangeiros, segundo os princípios do direito civil”. E, “por não haver equivalência nas 26 Euclides da Cunha e o Itamarati áreasdosterritórios permutados entreasduas nações, osEstados Unidos do Brasilpagarãoumaindenizaçãodedoismilhõesdelibrasesterlinas,queaRe- públicadaBolíviaaceitacomopropósitodeaaplicarprincipalmentenacons- truçãodecaminhos deferroouemobras tendentesamelhorar ascomunica- ções e desenvolver o comércio entre os dois países. [...] As duas Altas Partes Contratantes concluirão dentro do prazo de oito meses um Tratado de Co- mérciodeNavegaçãobaseadonoprincípiodamaisamplaliberdadedetrânsi- toterrestre enavegaçãofluvialparaambasasnações,direitoqueelasreconhe- cemperpetuamente[...].OsEstadosUnidosdoBrasilobrigam-seaconstruir emterritóriobrasileiro[...]umaferroviadesdeoportodeSantoAntônio,no rioMadeira,atéGuajará-Mirim,noMamoré,comumramalque[...]cheguea Villa Bella (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. [...] A República dosEstadosUnidosdoBrasildeclaraqueventilarádiretamentecomadoPeru aquestãodefronteiras[...],procurandochegaraumasoluçãoamigáveldolití- gio sem responsabilidade para a Bolívia em caso algum”. A Madeira-Mamoré permitiria o escoamento a Santo Antônio da borra- cha produzida na região do rio Beni, transporte até então prejudicado pelas corredeirasdorioMadeira.ABolíviacederaaoBrasil142.800km²deterritó- rio, em troca dos dois milhões de libras, pagas em duas parcelas. O Bolivian Syndicate foi indenizado em 110 mil libras. Faltava, porém, para o cumprimento cabal das disposições constantes do TratadodePetrópolis,“ventilardiretamentecomoPeruaquestãodefrontei- ras”.Aquelepaísvizinhoforaexcluídodasnegociaçõeslimítrofesesuasrecla- maçõesnãotardamasurgir.Acordofirmadoentreoschanceleresbrasileiroe peruanoem1904,fixou,então,umprazodecincomesesparaquesenegocias- semtratadosdelimitandoasfronteirasentreambasasnações.Criaram-se,as- sim,duascomissõesmistasbrasileiro-peruanasafimdedeterminaresseslimi- tes, uma para o Alto Juruá e outra para o Alto Purus. Nas coletâneas de textos jornalísticos que viriam a compor os livros Con- trasteseConfrontoseÀMargemdaHistória(esteúltimocompublicaçãopóstuma), Euclides da Cunha manifestara opiniões nitidamente favoráveis à conclusão 27 Afonso Arinos, filho doacordonegociadoporRioBrancocomaBolíviaparaacessãodoAcre.Em Contrastes e Confrontos, afirmaria que “o recente Tratado de Petrópolis [...] – todoeleresultadodeumainegávelcontinuidadehistórica–éomelhoratesta- do dessa antiga irradiação superior do nosso espírito, destruindo ou dispen- sandosempreobrilhoeafragilidadedasespadas”.E,emÀMargemdaHistória, assegurouque“umdosgrandesfeitosdoTratadodePetrópolisfoiarevives- cênciadaBolívia.Anacionalidademalignadapeloencerrogeográfico,epelas vicissitudes políticas que lho engravesceram, afastando-a definitivamente do mar,foiamparadapelonossoliberalismo,quesobreadesoprimirfranquean- do-lheoParaguaieoMadeira,aparelhou-aderecursosparaenfrentarospro- blemaseconômicosmaisurgentes”.AntesdaexpediçãoaoPurus,Euclidesjá temia uma possível expansão peruana para leste: “Se contra o Paraguai, num teatrodeoperaçõesmaispróximoeacessível,aliadosàsrepúblicasplatinas,le- vamoscincoanosparadestruiroscaprichosdeumhomem–certonãosepo- dem individuar e prever os sacrifícios que nos imporá a luta com a expansão vigorosa de um povo”. Seuensaio“DaIndependênciaàRepública”,constantedeÀMargemdaHis- tória, começa por definir os extremos para onde oBrasil colonial avançara no séculoXVIII.Ésignificativoque,dastrêsdireçõesentãoapontadas,emduas (aBolíviaeoPeruanoroeste,oUruguaiaosul)elefoiauxiliarpreciosodoba- rãodoRioBrancoaofixar-lheoslimites.Eisanarrativa:“OBrasilchegouao século XIX na plenitude da expansão territorial, expressa nos Tratados de Madri(1750)eSantoIldefonso(1777).Apagara-sealinhaidealdaconcor- datadeTordesilhas;eapenetraçãocolonizadora,jáseguindoarotaacelerada dasbandeiras,jáopassotardodosmissionários,irradiaraportrêsquadrantes –paraonorte,buscandoosthalwegsdoOiapoqueedoAmapá;paraoocidente, aencontrarasmissões doEquador easterrasbolivianas,eparaosul,procu- rando o Prata, onde se erigira a baliza extrema da Colônia do Sacramento”. Partiudoescritor,historiadorediplomataOliveiraLimaainiciativadesu- gerironomedeEuclidesdaCunhacomomembrodacomissãoencarregadade exploraroAltoPurus.Masopernambucano gordo,muitosuscetível,nãoti- 28 Euclides da Cunha e o Itamarati nhacondiçõesdeencaminharpessoalmenteoalvitreaRioBranco,dequemo separavam complicadas desavenças funcionais e pessoais. José Veríssimo o propôsemseulugar,eochancelernãosóacatouaideia,comoacabouporde- signarEuclides (que seria, deinício,auxiliar) paraachefiadapartebrasileira da Comissão Mista de Reconhecimento do Alto Purus. Assim, ele poderia, afinal, abrir livre curso à sua exaltação nacionalista, quando aceitou aquela missão,criadapelochancelerem1904,paradeslindaroslimitesentreosdois países. Domício da Gama descreveu, na Revista da Academia Brasileira de Letras, em 1927,oencontrodeEuclidesdaCunhaeRioBranconacasadoministro,em Petrópolis,apósojantar:“Deixei-osconversandoàsnovehoras,obarãosen- tado à mesa, entre as duas janelas do quartinho que lhe servia de escritório, dandosobreaestradasossegadadaVestfáliaeoPiabanharumorosoembaixo, Euclidespousadoincomodamentesobreumacadeirapequena,respeitoso,co- movidoetímido,comoumestudanteemhoradeexame.Nãoéqueobarãoo examinasse. O barão conversava, contente de encontrar quem o entendesse e partilhasseoseuinteressepelosassuntosquelheeramcaros,defronteiras,de relaçõesinternacionaisedahistóriadiplomáticadoBrasil,emqueaqueleen- genheiro militar parecia bacharel, senão doutor. Às dez horas, voltando com umpapel,encontrei-osnamesmaposição,discreteandoquietamente;obarão sempredespretensiosoelhano,despreocupadodeefeitos,semveemêncianem gestos, apenas uma pena tomada distraidamente e logo deixada cair sobre as rumasdepapéisquelheatulhavamamesa,ouocuidadosoacenderdocigarro de palha, que se lhe apagava frequentemente; Euclides parecendo cada vez maisintimidadoemalàvontade,comoseooprimisseorespeitoquelheinspi- ravadesdeoprimeiromomentoaquelegrandehomempúblico,tãobondosoe simples,mastãopoucofamiliar.[...]EEuclidessabiatudo.Sabiaoqueeusa- biaemletrasemaistodaasociologiaeaeconomiaeapolíticadeumpensador enciclopédico. [...] Algumas semanas mais tarde foram publicadas as nomea- çõesdopessoaldascomissõesdeexploraçãoe,emvezdeauxiliar,Euclidesfoi escolhidoparachefedaexploraçãodoPurus.Obarãooaprovaracomdistin- 29 Afonso Arinos, filho ção.” E Domício aprecia o resultado da escolha de Rio Branco: “É sabido comobemsedesempenhoudaComissãoárduaepenosa,[...]quenãofoipro- vada pelas febres da região. Euclides mesmo só veio a adoecer em Manaus. Possuídurantealgunsanosumexemplardorelatórioconfidencialdostraba- lhosdaComissão,apresentadoporeleaobarãodoRioBrancoequeestáno arquivo de limites no Itamarati. Por elese vêque o escritor tumultuoso ear- denteeratambémumtécniconotávele,oqueémais,umchefeconscienciosoe capaz”. O futuro embaixador Araújo Jorge recordaria, mais tarde, aqueles encon- tros:“ConheciEuclidesdaCunhanaplenitudedasuaglórialiteráriaemcasa do barão do Rio Branco. Encontrava-se sempre entre os poucos amigos que RioBranco,nassemanasdevadiação,reunianogabinetedeVestfáliaemPe- trópolis,espectadormudodaquelescavacosformidáveisqueograndeminis- tropresidiacomoseubomhumorboêmio,seucigarroesuavela,eaquenão faltavamagraçamordazedemolidoradeGastãodaCunha,apilhériacaipira deumtãoacentuadosabormatutodeLeopoldodeBulhões,apalestraevoca- tiva e saudosa de Afonso Arinos, a ironia suave e comedida de Domício da Gama...”. Apropósitodasuaconvivênciacordialcomoministro,Euclidesescreveua Domício:“Éumencantoesseexílionotempo;oprópriobarão,comasuaes- tranhaemajestosagentileza,recorda-meumaidadedeouro,muitoantiga,ou acabada. Continuo a aproximar-me dele sempre tolhido, e contrafeito pelo mesmocultorespeitoso.Conversamos;discutimos;eelefranqueia-meamáxi- ma intimidade – e não há meio de eu poder considerá-lo sem as proporções anormaisdeumhomemsuperioràsuaépoca.Felizmenteelenãosaberánunca estejuízoquenãoésomentemeu–senãoquesevaigeneralizandoextraordi- nariamente.Defato,éocasovirgemdeumgrandehomemjustamenteapreci- adopelosseuscontemporâneos.Asuainfluênciamoral,hoje,irradiatriunfal- mentepeloBrasilinteiro.OsefeitosdaConferênciadaHaia–ondeRuiBar- bosateveobomsensodereproduzir-lheopensar–consagraram-lhedefiniti- vamenteoprestígio.Essefatoreconcilia-noscomanossagente,demonstran- 30

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Dom Quixote, de Cervantes; a italiana, pela Divina Comédia, do Alighieri. rojava-se submisso aos pés dos “luminares” franceses, rezava pelas
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