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Percursos da pesquisa relacionada ao uso de textos do Antigo Testamento pelo Apocalipse PDF

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Percursos da pesquisa relacionada ao uso de textos do Antigo Testamento pelo Apocalipse – breve itinerário (Parte II) Paths of research related to the use of texts from the Old Testament by the Book of Revelation – short itinerary (Part II) Maria Clara da Silva MaChado* Resumo: Nos últimos anos, a pesquisa bíblica tem debruçado-se sobre o tema da utilização dos textos veterotestamentários pelo Apocalipse, pois o recurso ao patrimônio do Antigo Testamento pelo autor do Apocalipse não se restringe à mera citação. De fato, há uma aplicação daquele conteúdo no texto neotestamentário com a intenção de construir um novo conhecimento, ou seja, o autor parece desejar oferecer ao elemento antigo uma compreensão totalmente nova e aprofundada. Por outro lado, poder-se-ia ainda, cogitar a vontade deliberada de proporcionar contatos intertextuais que imputariam ao novo texto uma complexidade elevada. Palavras-chave: Apocalipse. Textos veterotestamentários. Profetas. Dependência literária. Abstract: In recent years, biblical research has leaned up on the subject of use of Old Testament texts by Revelation, since the use of the heritage of the Old Testament by the author of Revelation is not restricted to mere quotation. In fact, there is an application of that content in the New Testament text with the intention to build a new knowledge, that is, the author seems to want to offer * Doutora em Teologia Bíblica pela PUC-Rio de Janeiro. Coordenadora do curso de pós-gradu- ação lato sensu em Teologia Bíblica da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro. Professora de Sagrada Escritura das seguintes instituições: Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro, Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro e do Instituto Superior de Ciências Reli- giosas da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 336 the old element a whole new and deeper understanding. On the other hand, one ii)e could also entertain the deliberate will to provide intertextual contacts granting t ar the new text a high complexity. P (o ri Keywords: Apocalipse. Old Testament texts. Prophets. Literary dependence. á r e n ti ei 1.3. As relações dos textos de Isaías, Jeremias e Daniel com o v re Apocalipse b – e s liP Introdução a c o P a o O interesse pela pesquisa analítica do modo como os textos proféticos l e P foram usados no Apocalipse vem tornando-se cada vez maior nos últimos o t n tempos1. Ao que tudo indica, o autor sagrado recorre às imagens, figuras, ex- e m a pressões do Antigo Testamento, de maneira pessoal e independente, dando t s e t um significado diverso e desfrutando do material antigo para construir algo o tig novo. Em alguns momentos, porém, este uso criaria uma série de contatos n a intimamente ligados a outros textos, o que acarretaria inúmeras dificuldades o sd na interpretação do Apocalipse. o xt Os vínculos entre textos levariam a crer que a chave para elucidar este e t e livro estaria na compreensão do modo pelo qual os textos veterotestamentá- d so rios foram tomados no último livro do Novo Testamento e postos em cone- u o xão. Os maiores estudos dedicaram-se, sobretudo, a uma análise da relação do a a d Apocalipse com Daniel, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Este último receberá, de a n o nossa parte, especial atenção em decorrência de sua importância para o livro ci la do Apocalipse. Passamos, pois, a observar, de maneira sintética, alguns textos e r a utilizados pelo autor do Apocalipse. s ui q s e aP 1.3.1. As relações com Isaías, Jeremias e Daniel d s o s ur a) as relações com Isaías c er A presença do texto do Dêutero-Isaías no Apocalipse foi abordada por P 1 Dado o escopo de nosso trabalho, nos restringiremos ao estudo de alguns textos proféticos e do livro de Daniel no Apocalipse. Todavia, outros trabalhos dedicam-se a compreender a presença de outros textos veterotestamentários no Apocalipse: FEUI- LLET, 1961, p. 321-353; Id., 1986, p. 2-14; ATKINSON, 2001; MOYISE, 2004. COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 337 Attilio Gangemi2 e é classificada em diversos tipos: ad litteram3, quasi ad litte- o ram4, utilização com sentido, simples alusão ou reminiscência. Haveria ainda o ad h C recurso a elementos e alusões genéricas de índole temática (GANGEMI, 1974). a M Os textos ad litteram e quasi ad litteram possuiriam expressões estreitas a v l com o texto deuteroisaiano; as possíveis diferenças detectadas teriam sua ori- Si a d gem na intenção do autor neotestamentário. a r Os textos utilizados com sentido5 teriam sofrido mudanças terminoló- la C gicas ou estruturais introduzidas pelo autor, que os modelaria com maior li- a ri a berdade. A simples alusão ou possível reminiscência são textos nos quais o M autor do Apocalipse apenas alude mais ou menos claramente a alguns textos deuteroisaianos6. Gangemi (1974) considera que o autor do Apocalipse usa o dêutero-I- saías, em alguns momentos, como uma imagem de fundo, ou seja, o texto que serviria como orientação para a composição do cenário é aquele de Isaías, em- bora existam relações com outros textos, conforme procurou evidenciar com o estudo de Ap 5,6-107. Um outro recurso na utilização do dêutero-Isaías seriam 2 O número de citações de Isaías no Apocalipse na visão de Gangemi, não seria excessivo, uma vez que seriam encontradas apenas 27 citações. 3 Os textos citados ad litteram são encontrados em Ap 1,17; 2,8; 22,13 e relacionados com Is 41,4; 44,6 e 48,12. Os dois últimos textos, na opinião de Gangemi, corres- pondem perfeitamente do ponto de vista literário e com acentos também sobre a teologia, o primeiro embora possuindo diversidade quanto às expressões possui afini- dades quanto ao conteúdo (Cf. GANGEMI, 1974, p. 112-113). 4 Os textos quasi ad litteram propostos são: Ap 1,16 e Is 49,2; Ap 7,16 e Is 49,10; Ap 14,3 e Is 42,10; Ap 21,10 e Is 52,1; Ap 21,5 e Is 43,19. Nesta seção, Gangemi observa que surpreende o emprego de expressões idênticas existindo, porém, diferenças quanto à perspectiva de cada autor. O autor do Apocalipse introduziria algumas alterações com relação ao Texto Hebraico sem que isto modifique substancialmente o texto seja do ponto de vista terminológico, como também da construção das frases, esta mutação seria consequência do novo contexto onde o texto encontra-se aplicado (Cf. GANGEMI, 1974, p. 114-115). 5 Para tanto são propostos os seguintes textos: Ap 6,12 e Is 50,3; Ap 12,12 e Is 44,23; 49,13; Ap 18,7.8 e Is 47,7-9; Ap 21,27 e Is 52,1; Ap 22,17 e Is 55,1. 6 Respectivamente: Ap 21,2 e Is 49,18; 54,5; Ap 1,5 e Is 55,4; 43,9-12; 44,8; Ap 3,9 e Is 43,4; Ap 3,18 e Is 55,1; Ap 12,14 e Is 40,31. 7 Gangemi conclui que esta perícope recebeu influência do texto do deuteroisaiano bem como do Êxodo. Os pressupostos de Gangemi decorrem da necessidade do autor do Apocalipse possuir uma idéia de fundo que suprisse a carência da descrição do Êxodo. Assumindo o texto do dêutero-Isaías como texto base de Ap 5,6-10, todos os elementos do Êxodo presentes nesta perícope deveriam ser retomados a partir do dêtero-Isaías (Cf. GANGEMI, 1974, p. 133-144). O tema central desta perícope é a figura do avrni,on. Dois autores destacaram-se na pesquisa sobre a origem do termo avrni,on no Apocalipse: J. Comblin, que defende a tese do termo estar vinculado a Is 53,7ss sem negar a relação deste com o cordeiro pascal do Êxodo e um vínculo COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 338 os elementos isolados e a temática8, extraídos do deuteroisaiano e reelaborados ii)e no texto do Apocalipse. t r Pa A presença dos textos do deuteroisaiano no Apocalipse poderia ser en- (rio tendida ainda como afinidades de ordem literária e temática, conforme Benito á er Marconcini9. Ambos os textos são trabalhos literários destinados a comunida- n eiti des sofredoras: o IIº Isaías foi dirigido aos exilados e o Apocalipse a cristãos v re que padeciam com a perseguição. b – e A presença do texto de Isaías no Apocalipse foi estudada recentemente Ps por J. Fekkes10. Este autor buscaria dar validade às alusões de Isaías presentes li a oc em Ap 21,1-22,5 classificando-as em três níveis: certeza virtual, probabilida- P ao de/possibilidade e improvável/duvidoso11. Fekkes deseja também determi- l Pe nar qual foi a estratégia do autor sagrado quando alude a um texto de Isaías o nt e de sua tradição histórica. Ao final de sua pesquisa, conclui que o autor e m a sagrado selecionou textos conscientemente e com propósito claro (FEKKES, t s te 1994). O uso, porém, não se encontraria limitado pelo Antigo Testamento; o g antes, o Apocalipse o transcenderia. Esta transcendência poderia ser encon- ti n a do com a apocalíptica. Holtz, por sua vez, prefere ligá-lo ao contexto do Êxodo, sem admitir um os vínculo com a apocalíptica (Cf. COMBLIN, 1965; HOLTZ, 1962). xt 8 Gangemi propõe cinco temas presentes no Apocalipse cujo pressuposto seria a temática tratada e et no texto deuteroisaiano: a transcendência de Deus, presente nos textos de Is 41,5; 44,6; 48,12b e d o Ap 1,7; 2,8; 22,13. O tema da redenção e do servo tratado em Is 41,8-14; 43,1-3, 45,16-18; 42,1-7; us 49,1-6; 50,4-9; 52,13-53,12 e Ap 1,16; 2,12; 19,15. O juízo contra Babilônia em Is 43,14; 48,14.20; o e Ap 12,9; 13,2; 17-18. A salvação tema caro a Isaías 43,11; 45,17; 40,29; 41,18.19; 42,14-16; a a 43,1.2; 44,3-4; 49,9.13; 52,1-7; 54,3-5 é tratado no Ap como libertação da tribulação, como se vê d na em Ap 7,16-17. O fazer novas todas as coisas: a Nova Jerusalém teria seu amparo temático em Is cio 43,19; 42,9; 43,19; 48,6; 41,22; 42,2 o autor do Apocalipse recorre exatamente ao mesmo tema: la fazer novas todas as coisas em Ap 21,4-5. e ar 9 Segundo o autor, as relações entre o Apocalipse e Isaías seriam detectadas a partir dos seguintes uis critérios: interpretação e enriquecimento. A utilização que o Apocalipse faz de Isaías poderia sq ser entendida a partir de cinco citações literais, onde a referência textual identifica-se com o e aP contexto. Em um caso especifico o texto de Isaías foi elaborado com uma maior liberdade de d construção fazendo com que a relação entre os dois textos torne-se tênue o que resulta em s o um texto composto seja pela união de novos textos extraídos de Isaías, seja pela introdução de s r u motivos tomados de outros livros (Cf. MARCONCINI, 1976, p. 113-136). c r 10 Fekkes propõe para análise os seguintes textos: experiência visionária: Is 6,1-4; títulos cristo- e P lógicos: Is 11,4-10; 22,22; 44,6; 65,15. Escatologia de julgamento: dia do Senhor: Is 2,19; 34,4; 63,1-3; oráculos sobre as nações: Is 13,21; 21,9; 23,8.17; 34,9-14; 47,7-9. Escatologia de salvação oráculos de salvação: Is 65,15; 61, 10; 60,14; 49,10; 25,8; oráculos sobre a Nova Jerusalém Is 52,1; 54,11-12; 60,1-3.5.11.19 (Cf. FEKKES, 1994; Id., 1990, p. 269-287). 11 Nomenclatura semelhante pode ser encontrada no material de Attilio Gangemi sobre Isaías: ad litteram, Ap 1,17; 2,8 22,13 com Is 41,4; 44,6 e 48,12; quasi ad litteram: Ap 1,16 e Is 49,2; Ap 7,16 e Is 49,10; Ap 14,3 e Is 42,10; Ap 21,10 e Is 52,1; Ap 21,5 e Is 43,19. COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 339 trada também em qualquer outra fonte da qual o Apocalipse tenha recebido o alguma influência. ad h C a M b) as relações com Jeremias a v l O texto de Jeremias e suas relações com o Apocalipse foi alvo da pesqui- Si a d sa de Giovanni Deiana (1982, p. 125-137). Este autor visaria evidenciar espe- a r cialmente as divergências, afinidades e os novos significados assumidos pelas la C citações do texto veterotestamentário no Apocalipse. A interpretação do Apo- a ri a calipse dependeria de uma boa compreensão dos textos antigos e sua função M no novo texto12. A afinidade de expressão seria um exemplo destas alterações encontrado em Ap 7,17 e Jr 2,13. Neste texto, as semelhanças materiais e dessemelhan- ças tornariam pouco provável a dependência direta do texto jeremiano. Deste modo, seria mais pertinente classificá-lo como uma livre referência13. O tema comum estaria presente em Ap 7,17c e Jr 31,16. Este tema comum, contudo, seria bastante reduzido, tornando difícil a identificação da fonte usada pelo autor do Apocalipse. De fato, a mesma imagem pode ser encontrada em Is 2514. Em decorrência da escassez de termos literários e da existência da mes- ma imagem de Ap 11,5 e Jr 5,14 em 2Rs 1,10, Deiana levantou a hipótese de uma fusão de muitos textos veterotestamentários pelo autor do Apocalipse15. Esta fusão tomaria a imagem, transformando-a e recorrendo a outros textos veterotestamentários, de modo que tornaria impossível a verificação precisa de sua fonte literária. Uma real influência de Jeremias sobre o texto de Apocalipse encontrar- se-ia em Ap 2,23 e Jr 11,20; 17,10, cujo vocabulário, de fato, pertenceria ao pa- trimônio literário de Jeremias. As divergências estariam vinculadas ao gênero literário distinto das duas obras16. Devido a estas divergências, não se poderia 12 Textos propostos para a análise: Jr 1,10; 25,30 e Ap 10,11; Jr 2,13; 31,10; 31,16 e Ap 7,17; Jr 5,14 e Ap 11,5; Jr 11,20; 17,10 e Ap 2,2; Jr 4,29 e Ap 6,15; Jr 16,19 e Ap 15,4; Jr 10,7 e Ap 15,3b-4ª (Cf. DEIANA, 1982, p. 126). 13 A reminiscência entre Ap 7,17 e Jer 2,13 já teria sido detectada anteriormente por Nestle, Merck e Dittmar e considerada autêntica (Cf. DEIANA, 1982, p. 130). 14 Deiana considera que o texto de Is 25 pareceria mais pertinente do que o de Jeremias onde são encontrados apenas contatos através de vocábulos empregados (Cf. DEIANA, 1982, p. 130). 15 Aqui Deiana propõe que o autor do Apocalipse teria feito uma fusão de textos veterotestamen- tários (Cf. DEIANA, 1982, p. 131). 16 Sendo o texto de Jeremias oriundo de um contexto poético, teria sofrido uma simplificação pelo autor do Apocalipse para inseri-lo no ritmo da sua obra (Cf. DEIANA, 1982, p. 133). COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 340 falar de citação propriamente dita em Ap 2,23, mas, somente de uma reprodu- ii)e ção quase literal (DEIANA, 1982, p. 133). t r Pa A partir dos estudos destes exemplos, Deiana (1982) conclui que os tex- (rio tos analisados permitiriam falar apenas de uma referência, que possui um sen- á er tido mais genérico do que aquele de citação, pois o autor do Apocalipse usa o n eiti Antigo Testamento de maneira livre, transformando-o com o auxílio de outros v re textos veterotestamentários, de tal forma que a identificação torna-se difícil. b – e s P c) as relações com Daniel li a oc São tratadas particularmente por G. K. Beale (1984a, p. 159), que ob- P a o serva mais atentamente os textos de Ap 1; 4-5; 13 e 17 e sua relação com l Pe Daniel17. A referência a este texto, contudo, não seria padronizada, incor- o nt rendo em alterações exclusivas de Daniel, classificadas como referência e am prioritária18, enquanto em outros momentos os textos de Daniel seriam t s te denominados como secundários19 ou admitindo contatos20. Quanto ao uso o g do material de Daniel, este poderia ser classificado em três categorias: clara ti n a alusão, provável alusão com variações redacionais e possível alusão ou eco o d (Cf. BEALE, 1984a, p. 43). s o t A presença de alguns temas comuns entre o Apocalipse e Daniel, tais x e et como julgamento das nações perversas, o poder absoluto de Deus e a recom- d o pensa de Deus àquele que permanecer fiel apesar dos sofrimentos, forneceria s u o instrumentos para concluir que o tema do julgamento escatológico cósmico a a estaria baseado em Daniel21. d a n cio 17 Para Beale a influência da tradição histórica de Daniel poderia ser encontrada na literatura la Qumrânica, na apocalíptica judaica de 1 Enoc, no Testamento de Josefo, 4 Esdras e 2Baruc, além e ar do Apocalipse. uis 18 Em Ap 1,7, Beale detecta uma referência a Dn 7,13 que, embora esteja combinada com Zc sq 12,10-12 não recebe sua atenção. Beale ignora que esta mesma combinação já tenha ocorrido e aP em Mt 24,30 e venha a ser, possivelmente, a referência prioritária do texto (Cf. BEALE, 1984a, d p. 154-156). s o 19 Encontramos em Ap 1,13 a presença de Dn 10,5, a presença de Ez 9,2.11, por sua vez, é consi- s r u derada de menor valor. c r 20 Em Ap 1,14b-15a a imagem derivada de Dn 10,6 retorna, porém agora, Beale considera que e P acompanhada de Ez 1,7. Do mesmo modo, Ap 1,15b alude a Dn 3,26, mas possui como ligação íntima a cena de Ez 1,24 e 43,2. 21 Beale fundamenta seu argumento na hipótese da presença de alusões de Dn 2,28-29 em Ap 1,1; 1,19; 4,1; 22,6. Em Ap 1,1, Beale entende que o autor do Apocalipse usa uma alusão que porta o contexto escatológico de Dn 2. Sendo assim, Ap 1,19.20 e seus contatos com Dn 2,45 reforçariam a tese de uma estrutura baseada em Dn e na “escatologia realizada” (Cf. BEALE, 1984a, p. 277-285). COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 341 Numerosas referências e similaridades de termos poderiam ser detecta- o das entre Ap 1 e Dn 7 e 10. A densidade destas alusões em Ap 1,12-20 levou ad h C Beale a propor que Ap 1,8-20 seja um midrash de Dn 7 e 10. A perícope de a M Ap 1,1-6 seria uma introdução a este midrash que teria na figura do Filho do a v l Homem o seu cerne22. Deste modo, a presença de Dn 7 em Ap 1 não poderia Si a d ser classificada como aleatória, e sim, teria uma implicação teológica bastante a r precisa: servir à Cristologia23. la C A busca para uma justificativa para a presença das referências a Ezequiel a ri a e a Zacarias em Ap 1 seria explicada pela ação do autor sagrado, que teria M tomado o cuidado de “enxertar” neste “midrash de Daniel” temas afins que te- riam sido atraídos pelo texto de Dn 7, 9-2724. A esta “atração” Beale denomina magnetismo hermenêutico (1984a, p. 174). Ap 13 é considerado por Beale (1984b) como a perícope que mais recebeu influência de Daniel. Constata semelhanças entre Dn 7,3-6 e a visão das quatro bestas, em Ap 13,1-8 e em Ap 13,11-17. A estrutura de Ap 13 estaria baseada em Dn 7, pautando-se em um “esquema de autorização”25. Beale, (1984b) con- tudo, não desconsidera a presença através do “magnetismo hermenêutico” (Cf. BEALE, 1984a, p. 245). Existem, segundo Beale, semelhanças que favorecem identificação da presença de Dn 7 em Ap 17. O texto seria um exemplo claro da influência de Daniel sobre o Apocalipse26. Apesar de uma inegável presença de outros textos do Antigo Testamento nesta seção, Beale (1984a) prefere optar por uma base da estrutura vinculada a Dn 7. 22 Beale argumenta que Ap 1,1-6 serve de introdução ao midrash do Ap. Este teria por cerne a figura de Filho do Homem introduzido no v. 7. Para dar suporte a esta tese, Beale apresenta uma tabela com a estrutura de Ap 1 e Dn 7 (Cf. BEALE, 1984a, p. 171). As perícopes Ap 1,7 e Dn 7,13 e Ap 4-5, foram analisadas particularmente por Turibio Cuadrado. A presença de Daniel no texto do Apocalipse, contudo, não seria exclusiva como entende Beale (Cf. TORIBIO CUADRADO, 1992, p. 9-56; Id., 1996, p. 9-65). 23 O texto de Dn 7 e 10 foi empregado como sentido de interpretação e cumprimento da profecia de Dn 7, esta estaria realizada com a ressurreição de Cristo (Cf. BEALE, 1984a, p. 177). 24 A mesma definição foi empregada em Ap 4-5, onde a influência de Ez 1-2 estaria restrita a Ap 4,1 e 5,1 dissolvendo-se a partir de 5,2. A presença de Is 6, nesta seção, não recebe atenção da parte de Beale (Cf. BEALE, 1984a, p. 183-184). 25 Sobre a questão da influência do livro de Daniel na formação da estrutura do Apocalipse ver: BEALE, 1984b, p. 413-423. 26 Com relação ao texto de Ap 17, Beale observa que os vv. 1-4 derivam diretamente de Dn 7 já 5-16a são classificados como uma provável alusão ao texto de Daniel, posto que, muitos são os termos que indicam a existência de semelhanças que favorecem a presença de Dn 7 em Ap 17 (Cf. BEALE, 1984a, p. 265-267). COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 342 Observando os textos de Dn 1,19; 2, 28-29.45 e comparando-os com Ap ii)e 4,1 e Ap 22, 6, Beale julga que se encontrariam afinidades literárias capazes de t r Pa aproximar o Apocalipse do texto de Daniel. Ap 22,6, que serviria como con- (rio clusão, recordaria a mesma frase de Dn 2,28. á er A influência de Daniel sobre a estrutura do Apocalipse, na visão de Bea- n eiti le, possuiria elementos que atingiriam a totalidade da obra e influenciariam v re igualmente sua teologia. Partindo destas observações, Beale convenceu-se de b – e que o Apocalipse depende mais de Daniel do que de qualquer outra obra do s P Antigo Testamento. li a oc Tendo como pressuposto que o Apocalipse seria uma reinterpretação de P a o um fato antigo marcante aplicado ao momento histórico vigente com vistas l Pe a estimular os que padecem uma perseguição, Beale crê ser o Apocalipse um o nt midrash de Daniel. e m a t s te Em síntese: o g ti n a As teses apresentadas convergem quando tratam do tema do manejo dos o d textos mais antigos pelo autor sagrado: ele age com liberdade. Os textos usados s o t em uma determinada seção do Apocalipse foram selecionados, não pertencem x e et a um subjetivismo da parte do autor. d o Esta seleção primorosa estaria ligada à intenção teológica, particular- s u o mente, a serviço de uma cristologia. Seriam utilizados particularmente os a a textos proféticos e o livro de Daniel. Os usos poderiam ter uma ênfase mais d a n acentuada ou não de acordo com o próprio interesse do autor sagrado por o ci a determinado tema contido em um determinado livro. l e r a De modo geral, as teses seguem o critério literal e linguístico, cujo obje- s ui tivo seria o de identificar se a presença do texto ocorre em forma de citação q s Pe literal ou quase literal, conforme Gangemi, ou segundo Fekkes, possibilida- a d s de/probabilidade, improvável/duvidoso. Embora este critério fosse capaz de o rs responder à questão sobre a fonte que inspirou o autor sagrado quando con- u c r feccionou uma seção, não o seria na resposta à questão da motivação para a e P presença deste texto específico naquela seção. Quando a dependência não ocorre de forma clara, como acenou Deiana, a identificação do texto subjacente tornar-se-ia muito mais difícil, pois, em muitos casos, o autor sagrado teria recorrido a textos que possuiriam contatos com outros textos. Sendo assim, seriam melhor entendidos através de uma COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 343 fusão de textos, cujo objetivo seria a transformação da imagem considerando o as nuances presentes ao longo da Escritura. ad h C Um outro ponto de convergência estaria no conhecimento dos mate- a M riais que o autor sagrado usou para confeccionar o seu texto, sem o qual a a v l compreensão do mesmo tornar-se-ia extremamente laboriosa. Sobre o modo Si a d como o autor sagrado usou o material mais antigo, a categoria da reinterpreta- a r ção de textos tem recebido maior apoio dos três autores. la C Beale possui uma linha de trabalho peculiar. Ele concentrou-se sobre os a ri a capítulos 1; 4-5; 13 e 17 do Apocalipse e desta análise tira conclusões que con- M sidera válidos para todo o livro. O pressuposto desta conclusão pode ser en- contrado no modo como Beale usa o termo “midrash”, considerado por alguns autores destituído de uma precisão. Dentre eles encontramos Wright e Adela Yarbro Collins. Wright (1966) define um midrash como um texto que se obtém a partir de um primeiro texto e somente por meio deste existiria o segundo27. Sendo assim, o midrash retiraria do autor sagrado a autonomia sobre a fonte que utiliza e criaria um impasse diante dos demais textos a que recorreu o autor neotestamentário. O midrash dá ao texto passado mais ênfase. O novo texto, ao reler o antigo, fica “aprisionado” em seu universo próprio sem grandes pas- sos criativos. Com esta caracterização, o midrash traria uma limitação para o autor do Apocalipse, seu horizonte de trabalho estaria cerceado pela fronteira do texto utilizado, neste caso o de Daniel, colocando-o em confronto com a tese de Beale de liberdade do autor diante da fonte a ser utilizada. O autor sagrado, de fato, vai além de uma releitura, ele interpreta os textos do Antigo Testamento à luz do Mistério Pascal. Desta forma, sua leitura supera o próprio horizonte onde sua fonte se encontra. A crítica mais enfática ao trabalho de Beale pertenceria a Adela Yarbro Collins (1986, p. 1-11). Segundo a autora, a tese de Beale sobre o uso de Dn 7 em Ap 4-5 estaria mais na linha de mera suposição, de uma visão parcial, sem constituir uma real linha de pesquisa. De fato, Beale parte do princípio que o autor sagrado tem como intenção produzir uma releitura, logo, um midrash, do livro de Daniel. Ao mesmo tempo defende que o novo texto possua elemen- tos de criatividade. 27 Cf. WRIGHT, 1966, p. 105-138. Ver também: LE DEAUT, 1969, p. 395-413; PORTON in: NEUSNER (ed.), 1981, p. 55-92; STRACK & STEMBERGER, 1982; NEUSNER, 1983, p. 197-207. Longa e específica literatura foi compilada por HAAS in: NEUSNER (ed.), 1992, p. 193. COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015 344 Um dado não muito preciso é o “magnetismo hermenêutico” usado para ii)e justificar a presença de outros textos interagindo na perícope, como ocorre t r Pa com Ez 1-2 em Ap 4-5. A defesa de uma dependência de Dn 7 pode ser um ex- (rio cesso tendo em vista que numerosos textos veterotestamentários exercem in- á er fluência sobre textos onde, também, Daniel se faz presente, mas não de modo n eiti exclusivo. v re Não fica claro por que Beale não recorreu aos trabalhos de Vanhoye e às b – e suas hipóteses para a presença de textos ezequielianos nesta seção. O mesmo s P ocorre em Ap 17-18, nos quais, novamente não há uma alusão aos trabalhos de li a oc Boismard e Vanhoye, que já haviam indicado a presença de Ez e outros textos P a o do Antigo Testamento nestes textos com expressiva correspondência. l Pe Sobre a forma como determinado texto é empregado temos três distin- o nt ções: clara dependência, provável alusão e possível alusão. No entanto, ao lon- e m a go de seu trabalho utiliza com frequência os termos influência e dependência t s te quase como sinônimos. Em um comentário posterior, Beale reafirma sua tese o g e a aprofunda ainda mais classificando a presença de Daniel no Apocalipse ti n a como um protótipo de estrutura seguido por este livro neotestamentário como o d uma sincronia de paralelos (Cf. BEALE, 1999, p. 87). s o t x e t e d 1.3.2. A dependência para com Ezequiel o s u o a De acordo com o The Greek New Testament, encontram-se no Novo a d a Testamento 138 alusões ao texto de Ezequiel. Destas, 84 estão no Apocalipse. n o ci Além do índice acentuado, impressiona o modo como o autor sagrado man- a l e tém a mesma ordem das cinco seções do livro profético em seu material: Ez 1 r a uis e Ap 4; Ez 9-10 e Ap 7-8; Ez 16 e 23 e Ap 17; Ez 26-27 e Ap 18; Ez 37-48 e Ap q s 20-22 (Cf. NESTLE-ALAND, 2001). Estas características geraram, na segunda e P da metade do último século, vários estudos com perspectivas que vão desde a s o análise da intenção do autor até ao diálogo de um texto com outro texto e com s r cu as diversas tradições judaicas contemporâneas à confecção do Apocalipse. r e P A presença da profecia de Ezequiel no Apocalipse foi estudada particular- mente por Albert Vanhoye (1962, p. 436-476). Este recorre a uma abordagem que prestigia a intenção do autor para analisar os casos de citações explícitas, leves retoques e “utilisations d’ensembles”. As chamadas “citações explícitas” testemunhariam Ezequiel textualmen- COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 28 p. 335-358 Jul./Dez. 2015

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the old element a whole new and deeper understanding. On the other .. Ap 1,1-6 seria uma introdução a este midrash que teria na figura do Filho do.
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