ARTES DO LIVRO 7 GÉRARD GENETTE Paratextos Editoriais Ex | A 2 4 Libris AteliêEditorial CopyrightOEditionsduSeuil,1987 Sumário Todososdireitosreservadoseprotegidospelalei9.610de19.2.98.Éproibida areproduçãototalouparcialsemautorização,porescrito,daeditora. Títulooriginalemfrancês:Seuils E, Liberté»Égalisé«Fraternité Introdução... ...cccccl area 9 RÉPUBLIQUEFRANÇAISE Cetouvrage,publiédanslacadredePAnnéedelaFranceauBrésiletduProgrammed'AideàlaPublicationCarlos DrummonddeAndrade,bénéficiedusoutienduMinistêrefrançaisdesAffairesEtrangêresetEuropéennes, OPeritextoEditorial... .....ea ea ea a a a e ea a 21 -“FernanFçraa.nBcre,20p0a9r”lVeACnonmémeidsesarlaiaFtragnêcneéraaulfBrraénsçiali(s2,1laepMriilni-st15êrneodveesmAbfrfea)ireesstEotrrgaannigsêéree:setEuropéennes,leMinistêre Formatos. .....cccccl ca er ea a 22 delaCultureetdelaCommunicationetCulturesfrance; Coleções ....clcicl aaa rr ear rr e 26 - auBrésil,parleCommissariatgénéralbrésilien,leMinistêredelaCultureetleMinistêredesRelationsExtérieures. Capaeanexos......ccccls crer.. 27 Estelivro,publicadonoâmbitodoAnodaFrançanoBrasiledoprogramadeauxílioàpublicaçãoCarlosDrum- Páginaderostoeanexos .....ccccccicicei erra 34 monddeAndrade,contoucomoapoiodoMinistérioFrancêsdasRelaçõesExterioreseEuropeias. Composição, tiragens . ....PPP 35 “França.Br2009”AnodaFrançanoBrasil(21deabrila15denovembro)éorganizado: - naFrança,peloComissariadogeralfrancês,peloMinistérioFrancêsdasRelaçõesExterioreseEuropeias,pelo MinistériodaCulturaedaComunicaçãoeporCulturesfrance; ONomedeAutor... ...cccccccc Ce r 39 - noBrasil,peloComissariadogeralbrasileiro,peloMinistériodaCulturaepeloMinistériodasRelaçõesEx- Lugar. ..ccllll a a a a 39 teriores. Onimato. ..ccllll e e 40 DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(crp) Anonimato. ...cccccc e 43 (CâmaraBrasileiradoLivro,sk,Brasil) Pseudonimato . ...ccccll 47 Genette,Gérard Paratextoseditoriais/GérardGenette;traduçãoÁlvaroFaleiros-Cotia, OsTitulos. ....cccccccc 55 sp:AteliêEditorial,2009.—(Artesdolivro:7) Definições . ...cllcil nc reaa a aa 55 Títulooriginal:Seuils Lugar... ccscicccc eres ara rre 62 ISBN978-85-7480-458-3 Momento. ....cclcccccc e a a 64 1.Análisedodiscursoliterário 2.Críticatextual 3.Escritorese Remetentes. . ...cclllll e e a 70 editores 4.Gênerosliterários 5.Livros-Formato 6.Publicaçãode Destinatários. . clic a 71 livros-História 7.Transmissãotextual 1.Título. Funções... . clica aa aerea 73 09-11215 CDD-809 Designação. . ...cccc eee aaa ea 76 Títulostemáticos. . . ...cccccllc 77 Índicesparacatálogosistemático: 1.Paratextoseditoriais:Literatura 809 Títulosremáticos. . . ..ccccccccc aa 81 Conotações. . ...lcclll aa rar ra 84 Sedução?. ...liillrererraa ae rerraaa 85 Direitosreservadosà - ATELIÊ EDITORIAL Indicaçõesgenéricas. . . ...lccccitasr rear 88 EstradadaAldeiadeCarapicuíba,897 06709-300—GranjaViana—Cotia—sp OPress-release .. ....ccccccc Cerca 97 Telefone:(11)4612-9666 atelieGatelie.com.br | www.atelie.com.br Asquatroformas .....iccccitsas arara err 97 Derivaseanexos. ....cccccccccc ee a 105 PrintedinBrazil2009 | Foifeitodepósitolegal SUMÁRIO | 7 6 | PARATEXTOS EDITORIAIS Escolhadeumpúblico... ....cillclcs aa 189 AsDedicatórias. .. . . .. cc cccccil cce aaa 109 Adedicatóriadeobra ... . . cc cccccece cerne crrrte 109 Comentáriodotítulo... .ccccccccc 190 Contratosdeficção .....ccllicci aa 192 Lugar. . tecer na esa era rrenan ts 16 Momento. ....clcccccclc eee na eee a ea a aa aaa 117 Ordemdeleitura .cccccclll 194 Dedicadores . . . cc ccrtccc eee ee a rea 118 Indicaçõesdecontexto... . ..cccclilcc 194 Declaraçõesdeintenção. . . .. cc. cs.err era 196 Homenageados .....cccccccscitae renan 120 Funções... cc cce ana ec cn a ara aa 124 Definiçõesgenéricas... . clica 199 Adedicatóriadeexemplar... ..cclccctcsc cera 125 Esquivas ....ccccclcc narra aaa 203 Lugar, momento. . .. 2 cics tee ea nana nar 126 OutrosPrefácios,OutrasFunções. . .......ccciicclcc. 21 Dedicador,homenageado. . . .. cc cics seara “127 Pósfacios. ....cccciclc ea a ea 211 Funções... ..ccccce scene nene rita 128 Prefáciosposteriores. . . . cc. ill 212 AsEpigrafes. ....icccccccc centena tear 131 Prefáciostardios. ... clica 219 Prefáciosalógrafos. . . ..ccccciiccs era 232 Histórico. ....ccclcclc era err rea aaa 131 Prefáciosactorais . ...ccccccilci 242 Lugar, momento... ... cc clica Era 135 Epigrafados ...iccccicccc cena e teen cata 136 Prefáciosficcionais ....ccccccicicc sa 244 Epigrafadores ........eee aa aa e a 139 Autoraisdenegativas . ....lccllll area 246 Epigrafários ....ccccctcc crer r arara 140 Autoraisfictícios... . clica aaa 250 Alógrafosfictícios . ....eee aaa a ear ra 253 Funções... cc cc ee a n nn ra e nara nana 141 Actoraisfictícios. . cc lcciiccc errar 255 Espelhos .....cciccci errar 256 AInstânciaPrefacial . . ...ccccccccclccc erre 145 Definição... cc cce anna a ata 145 Pré-história ....cccclcccc carrera 146 OsIntertítulos. . ...ccccccccl 259 Forma ...cccccllc a area ee re ra nao 152 Casodeausência ...cccciccl e 259 Grausdepresença... cc lille 261 Lugar... .ccccccceaaaa a re a ea eae err aa a 154 Momento. . ....ccclcllll eee nan ne ea a ara aa 155 Ficçãonarrativa. +... cce 262 História ....ccccccccll arara ar 271 Destinadores. . ...iccccc cera aa a e araaaaea 159 Textosdidáticos . . ...cccccccl e 273 Destinatários. . Lc cclcl e e a e e e 172 Coletâneas. . ciclo e ea 274 AsFunçõesdoPrefácioOriginal... ......ccccllltlcccces 175 Índices, títuloscorrentes. . . . cc ccccicccc 277 Ostemasdoporquê. . .. cc cicctctctc rara remar 176 AsNotas.......cicicicll cera 281 Importância... .cccl cc carne anna ana 177 Definição, lugar, momento . . ...cciciccccrttrsacre o 281 Novidade, tradição . ..cccccicctectna nene naaro 178 Unidades... clica er eae e rea 179 Destinadores,destinatários... ccccccclic ce 284 Veracidade. . cla ea rr a a e e ea rea 184 Funções. . ...ccccscr rar aeee eae area 285 - Para-raios . ..cclllls rrenan 185 Textosdiscursivos, notasoriginais . . . . ..cccccccisiccrers 286 Ostemasdocomo. . . cc cccccc cerne rena 186 Posteriores . ...... PDD 289 Gênese. ..,ccccccccc errea 187 Tardias. ..ccccll e aa 290 8 | PARATEXTOS EDITORIAIS Textosdeficção . .. cc cccccttic cesar narrar 292 Introdução Alógrafas. .... CetPPA 296 Actorais ...ccccclc a aee ar aa aaa e ea rea 298 Funcionais... ...... PPP 298 OEpitextoPúblico . . .....cccicccccc ceara 303 Definições . ...cccicecere enterrar aaa aaa 303 Oepitextoeditorial . . ....ccciccccsctce carrera 305 Alógrafooficioso. . . ..cicicccccira aeee na306 A OBRA LITERÁRIA CONSISTE, EXAUSTIVA OU essencialmente,numtexto, Oautoralpúblico... ..c.ccccincscs irc era 309 istoé(definiçãomínima),numasequênciamaisoumenoslongadeenuncia- Respostaspúblicas. . . «cc ccccicccerte cer rr 311 dosverbais mais oumenos cheios de significação. Contudo, essetexto rara- Mediações . ...iccicictcecr e erre eee 313 mente se apresenta em estado nu, sem o reforço e o acompanhamento de Entrevistas[interviews]. . . ...cccccccccc ea 316 certo número de produções, verbais ou não, como um nome de autor, um Conversasfentretiens]. . . . .ccccccccccrar caraca 319 título,umprefácio,ilustrações,quenuncasabemossedevemosounãoconsi- Colóquios, debates. . . . cc ccccctcsis crer 321 derarpartedele,masqueemtodocasoocercameoprolongam, exatamente Autocomentáriostardios . ....cccccccll ceara aa 322 para apresentá-lo, no sentido habitual do verbo, mas também em seu sen- tidomaisforte: para torná-lopresente,paragarantirsuapresençanomundo, OEpitextoPrivado... ..cccccicsc sc 327 sua “recepção” e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje, de um livro. Correspondências . . cc ccctcscc cerne rara 328 Esse acompanhamento, de extensão e condutavariáveis, constitui o que em Confidênciasorais... . cc ccccccc cce ear 338 outrolugar! batizeideparatextodaobra, conformeosentido àsvezesambí- Diáriosíntimos . ...ciccircrc e e340 guo desse prefixo em francês”: vejam, dizia eu, adjetivos como “parafiscal” Prototextos. . ...cccccllc ea ea ea eee 347 ou “paramilitar”. Assim, para nós o paratexto é aquilo por meio de que um texto se tornalivro e se propõe como tal a seusleitores, e de maneira mais Conclusão. ....ccccciccc aa Ce 355 geralao público. Mais do queumlimite ouumafronteira estanque,trata-se aquideumlimiar,ou—expressãodeBorgesaofalardeumprefácio-deum ÍndiceOnomástico. . ........ e A 361 “vestíbulo”, que oferece a cada um a possibilidade de entrar, ou de retroce- 1.Palimpsestes,1981,p.9. 2.E,semdúvida,emalgumasoutraslínguas,aacreditarnaobservaçãodeJ.Hillis-Miller, quese aplica aoinglês: “Para éumprefixoantitético que designa ao mesmo tempo aproxi- midadeeadistância, asemelhançaeadiferença,ainterioridadeeaexterioridade [...], uma coisaquesesituaaomesmotempoaquémealémdeumafronteira,deumlimiaroudeuma margem,deestatutoiguale,noentanto,secundário,subsidiário,subordinado,comoumcon- vidadoparaseuanfitrião,umescravoparaseusenhor.Umacoisaemparanãoestásomentee aomesmotempodosdoisladosdafronteiraqueseparaointeriordoexterior:elaétambéma própriafronteira,atelaquesetornamembranapermeávelentreodentroeofora.Elaoperasua confusão,deixandoentraroexterioresairointerior,elaosdivideeune”(“TheCriticasHost”, DeconstructionandCriticism,NewYork,TheSeaburyPress,1979,p.219).Umabelíssimadescri- çãodaatividadedoparatexto. 19 : INTRODUÇÃO | 11 IO | PARATEXTOS EDITORIAIS comnossasconvenções,quasesemprenãofazempartedoparatexto,definido der. “Zonaindecisa”* entre o dentro eofora, semlimiterigoroso, nem para poruma intenção e umaresponsabilidade do autor; mas asvantagens desse ointerior(otexto) nemparaoexterior(odiscursodomundosobreotexto), orla, ou, comodiziaPhilippeLejeune, “franjado texto impressoque,narea- agrupamento irão parecer, espero, superiores a seus inconvenientes. Além lidade, comandatodaleitura”*. Comefeito, essafranja, semprecarregando disso, essadisposição de conjunto não apresenta um rigormuito coercitivo eaquelesquetêmohábitodeleroslivroscomeçandopelofimoupelo meio um comentário autoral, ou mais ou menos legitimada pelo autor, constitui entreo textoeo extratexto umazonanão apenasdetransição,mastambém poderãoaplicaraesteomesmométodo,seéqueéummétodo. de transação: lugar privilegiado de uma pragmática e de uma estratégia, de Aliás, apresença, em torno de um texto, de mensagens paratextuais, das umaaçãosobreopúblico,aserviço,bemoumalcompreendidoeacabado,de quaisproponhoumprimeiroinventáriosumárioedemodoalgumexaustivo, nãopossuiumaregularidadeconstanteesistemática: existemlivrossempre- umamelhoracolhidadotextoedeumaleituramaispertinente—maisperti- nente,entenda-se,aosolhosdoautoredeseusaliados.Nãoénecessáriodizer fácio, autores refratários às entrevistas e sabemos de épocas em que não era obrigatóriaainscriçãodeumnomedeautor,oumesmodeumtítulo.Oscami- quevoltaremosaessaação: emtudoo quesegue,trataremosapenasdela, de nhosemeiosdoparatextonãocessamdemodificar-seconformeasépocas,as seusmeios,deseus modosedeseusefeitos. Paraindicaraquio queestáem jogo com.a ajuda de um único exemplo, seria suficiente umainocente per- culturas,osgêneros,osautores,asobras,asediçõesdeumamesmaobra,com gunta: reduzidos apenas ao texto e semo auxíliode nenhum modo de usar, diferençasdepressãoàsvezesconsideráveis:éumaevidênciareconhecidaque comoleríamoso UlyssesdeJoycesenãoseintitulasse Ulysses? nossaépoca“midiática” multiplica em torno dos textos um tipo de discurso desconhecidonomundoclássico,eafortiorinaAntiguidadeenaIdadeMédia, épocaemqueostextoscirculavammuitasvezesemestadoquasebruto,soba Oparatextocompõe-se,pois, empiricamente,deumconjuntoheteróclito de práticasedediscursosdetodosostiposedetodas.asidadesqueagrupo sob formademanuscritosdesprovidosdequalquerfórmuladeapresentação.Digo quase,porquesóofatodehavertranscrição-mastambémtransmissãooral— esse termo, em nome de uma comunidade de interesse, ouconvergência de efeitos,quemeparecemaisimportantedoquesuadiversidadedeaspecto.O introduznaidealidadedotextoumapartedematerialização,gráficaoufônica, índicedeste estudo medispensa, provaelmente, deumaenumeração prévia, quepodeinduzir,comoveremos,efeitosparatextuais. Nessesentido, pode-se apesar da obscuridade provisória de um ou dois termos que definirei mais semdúvidaadiantarquenãoexiste,equejamaisexistiu,umtexto”sempara- adiante.Aordemdessepercursoserá,namedidadopossível,deacordocom texto. Paradoxalmente, há em contrapartida, talvez por acidente, paratextos adoencontrohabitualdasmensagensqueeleinvestiga:apresentaçãoexterior sem texto, pois existem muitas obras, desaparecidas ou abortadas, das quais deumlivro, nomedo autor, títuloeasequênciacomo seofereceaumleitor conhecemosapenasotítulo: numerosasepopeiaspós-homéricasoutragédias dócil, o quenãoé, evidentemente, ocasodetodos. Éprovávelquearejeição gregasclássicas, ouMorsure de Vépaule que Chrétien deTroyes seatribui no infine de tudo o que chamo de “epitexto” seja, sob esse aspecto, particular- iníciode Cligés, ouBatailledes Thermopylesque foiumdosprojetosabando- mentearbitrária,poisfuturosleitorestomamconhecimentodeumlivroatra- nadosdeFlaubert,esobreoqualnadasabemos, anãoserquenelenãodevia vés,porexemplo,deumaentrevistadoautor—quandonãopormeiodeuma figurarapalavraperneira(cnémide).Hánessestítulosisoladosmuitocomque resenha numjornal ou de uma recomendação boca a boca, que, de acordo sonhar, isto é, umpouco maisdo que em muitas obras disponíveiselegíveis em seu todo. Finalmente, esse caráter irregular de obrigatoriedade do para- textovaletambémparaopúblicoeparaoleitor:ninguéméobrigadoalerum 3.Àimagempareceimpor-seaquemquerquetratedoparatexto:“zonaindecisa[...)onde semisturamduassériesdecódigos:ocódigosocial,emseuaspectopublicitário,eoscódigos prefácio,mesmoqueessaliberdadenemsempresejabem-vindaparaoautor, produtoresoureguladoresdotexto”(C.Duchet,“Pourunesocio-critique”,Littérature,1,fev.de everemosquemuitasnotassãodirigidasapenasacertosleitores. 1971,p.6);“zonaintermediáriaentreoextratextoeotexto”(A.Compagnon,LaSecondeMain, Seuil,1979,p.328). 4.LePacteautobiographique,Seuil,1975,p.45.Àsequênciadessafraseindicamuitobem 5.Digoagoratextos,enãosomenteobras,nosentido“nobre”dapalavra:poisanecessidade quecomelaoautorvisavaemparteoquechamoaquideparatexto:“nomedeautor,título,sub- deumparatextoimpõe-seatodaespéciedelivro,mesmoquenãotenhanenhumaintençãoesté- título,nomedecoleção,nomedeeditor,atéojogoambíguodosprefácios”. tica,aindaquenossoestudoselimiteaquiaoparatextodasobrasliterárias. INTRODUÇÃO | 13 12 | PARATEXTOS EDITORIAIS Quanto ao estudo particularde cada um desses elementos, ou antes desses ou ainda elementos ligados a uma pré-publicação emjornal outevista, que tiposdeelemento,serápresididopeloestudodecertonúmerodetraçoscujo àsvezesirãodesaparecernovolume,comoosfamosostítuloshoméricosdos examepermitedefiniroestatutodeumamensagemdoparatexto,sejaelaqual capítulos de Ulysses, cujaexistênciaoficialdevetersido,seouso dizer, total- for. Esses traços descrevem, essencialmente, suas características espaciais, mentepré-natal:paratextosanteriores, portanto. Outros, os maisfrequentes, temporais,substanciais,pragmáticasefuncionais.Demaneiramaisconcreta: aparecem ao mesmo tempo que o texto: é o paratexto original, como o pre- definirumelementodeparatextoconsisteemdeterminarseulugar(pergunta fácio de La Peau de chagrin, produzido, em 1831, com o romance que apre- onde?), sua data de aparecimento e às vezes de desaparecimento (quando?), senta. Outros enfim aparecemmais tarde do que o texto, por exemplo, gra- seu modo de existência, verbal ou outro (como?), as características de sua çasaumasegundaedição,comooprefáciode ThérêseRaquin (quatromeses instância de comunicação, destinador e destinatário (de quem? a quem?) e depois),oudeumareediçãomaisdistante,comoadeEssaisurlesrévolutions as funções que animam sua mensagem:parafazer o quê? Impõem-se, sem (vinteenoveanos).Porrazõesfuncionais,àsquaisvoltarei,cabeaquiestabe- dúvida,duaspalavrasdejustificativadessequestionárioumpoucosimplório, leceradistinçãoentreoparatextosimplesmenteposterior(primeirocaso)eo mascujobomusodefinequaseinteiramenteométododoquesegue. paratexto tardio(segundocaso).Seesseselementosapareceremapósamorte Umelementodeparatexto,sepelomenosconsistenumamensagemmate- do autor, qualificá-los-ei, como todo mundo, depóstumos; se foram produ- rializada,temnecessariamenteumlugar,quesepodesituaremrelaçãoáquela zidos emvida do autor, adotareio neologismo propostopormeubom mes- dopróprio texto: em torno do texto, no espaço do mesmo volume, como o treAlphonseAllais:paratexto ântumo (anthume)”. Masestaúltimaoposição títuloouoprefácio,e,àsvezes,inseridonosinterstíciosdotexto,comoostítu- não vale apenas para os elementos tardios, pois um paratexto pode ser ao losdecapítulo oucertasnotas;chamareideperitexto*essaprimeiracategoria mesmotempo originalepóstumo,seeleacompanhaumtexto tambémpós- espacial, com certeza a mais típica e da qual trataremos nos onze primeiros tumo,comonocasodotítuloedaindicaçãogenérica(falaciosa)deLa Viede capítulos.Aindaem torno dotexto, masaumadistânciamaisrespeitosa (ou HenryBrulard, écriteparluimême.Roman imitédu Vicairede Wakefield. maisprudente),todasasmensagensquesesituam,pelomenosnaorigem, na Portanto, se um elemento deparatexto pode aparecer a todo momento, parteexternado livro: emgeral num suporte midiático (conversas, entrevis- podetambém desaparecer, definitivamente ou não,por decisão do autor ou tas),ousob aformadeumacomunicaçãoprivada(correspondências,diários por intervenção alheia, ouemvirtude do desgastedo tempo. Assim, muitos íntimos e outros). A essa segundacategoria eu batizo, nafaltade um termo títulosdaépocaclássicaforamreduzidospelaposteridade,mesmonapágina melhor,deepitexto,equeocuparáosdoisúltimoscapítulos.Comodeve,dora- derosto das ediçõesmodernas mais sérias, etodososprefácios originais de vante, ser automático, peritexto e epitexto dividem entre si, exaustivamente Balzacforamsuprimidosespontaneamente, em 1842,porocasiãodo reagru- e semdescanso, o campo espacialdo paratexto; dito deoutraforma, paraos pamento chamadoLa Comédiehumaine.Essas supressões,bastantefrequen- amantesdefórmulas,paratexto=peritexto+epitexto”. tes, determinamaduraçãodavidados elementosdeparatexto. Algumas são Asituação temporaldoparatextopodetambémserdefinidaemrelaçãoà brevíssimas: aquiquemdetémo recordeé, ao queeu saiba, o prefácio deLa dotexto. Seadotarmoscomopontodereferênciaadatadeaparecimento do Peau de Chagrin (um mês). Mas escrevi acima “definitivamente ou não”: é texto,istoé, adesuaprimeiraediçãoouoriginal”, certos elementosdepara- queumelemento suprimido,porexemplonahoradeumanovaedição,sem- texto são de produção (pública) anterior: panfletos, anúncios de “no prelo”, pre pode reaparecer numa edição posterior; algumas notas de La Nouvelle Heloise, que desapareceram na segunda edição, não tardaram a voltar; e os 6.Estanoçãorecuperaade“perigrafia”,propostaporA.Compagnon,op.cit.,pp.328-356. prefácios“suprimidos”porBalzac,em1842,reencontram-sehojeemtodasas 7.Denovo,deve-seprecisarquêoperitextodasediçõeseruditas(emgeralpóstumas)con- boasedições.Aduraçãodoparatextoocorremuitasvezesnaformadeeclip- têm,àsvezes,elementos quenãopertencemao paratexto nosentidoemqueodefini: são os extratosderesenhasalógrafas(Sartre,Pléiade;Michelet,Flammarionetc.) 8. Ignorareiaquiasdiferençastécnicas(bibliográficasebibliofilicas) àsvezes assinaladas 9.AssimAllaisdesignasuasobrasquehaviamaparecidonumacoletâneasuafeitaemvida. entreaprimeiraediçãocorrente,ediçãooriginal,ediçãopríncipeetc.,parachamar,demaneira Devotambémlembrarquepóstumo, “posteriorao sepultamento”, é antiquíssima (esoberba) breve,deoriginalaprimeiraemdata. . falsaetimologia:postumusésimplesmenteosuperlativodeposterior. a 14 | PARATEXTOS EDITORIAIS INTRODUÇÃO | 15 ses,eestaintermitência,voltareiaela,temumaestreitaligaçãocomseucará- cionadapara ser conhecida por um efeito de “notoriedade pública”; assim, teressencialmentefuncional. paraamaioriadosleitoresdaRecherche,conhecerosdoisfatosbiográficos:a A questão da condição substancialseráaqui regulada, oueludida, como semi-ascendênciajudaicadeProustesuahomossexualidade,inevitavelmente ocorre amiúde na prática, pelo fato de que quase todos os paratextos con- formaparatexto nas páginas desua obra dedicadas a esses dois temas. Não siderados serão de ordem textual ou, pelo menos, verbal: títulos, prefácios, digoquesejanecessáriosaberdisso:digo apenasqueaquelesquesabemnão leemdamesmaformaqueaqueles quenão sabem, equeaquelesquenegam entrevistas,assimcomoenunciados,detamanhosbastantediversos,masque compartilhamo estatuto linguístico dotexto. No mais dasvezes,portanto, O essadiferençaestázombandodenós.Omesmo,éclaro,comrelaçãoaosfatos paratextoéumtexto:seaindanãoéotexto,pelomenosjáétexto.Masdeve- docontexto:lerL'Assomoircomo obraindependenteelê-locomoumepisó- -sepelomenosteremmenteovalorparatextualqueoutrostiposdemanifes- diodosRougon-Macquartconstituemduasleiturasbastantediferentes. taçõespodemconter:icônicas(asilustrações),materiais(tudooqueenvolve, A condição pragmática de um elemento de paratexto é definida pelas porexemplo,asescolhastipográficas,porvezesmuitosignificativas,nacom- características de sua instância, ou situação, de comunicação: natureza do posição de um livro), ou apenas factuais. Chamo defactualo paratexto que destinador,dodestinatário,graudeautoridadeederesponsabilidadedopri- consiste, não numa mensagem explícita (verbal ou não), mas num fato cuja meiro, forçailocutóriade suamensagem e, talvez, alguns outrosque devem própria existência, se é conhecidado público, acrescenta algum comentário ter-me escapado. O destinador de uma mensagem paratextual (como de qualquer outra mensagem) não é necessariamente seuverdadeiro produ- aotextoetempeso emsuarecepção.Assimcomoaidadeouosexodoautor (quantasobras,deRimbaudaSoliers,devempartedesuaglóriaousucessoao tor,cujaidentidadepouconosimporta,comoseaintroduçãodeLaComédie prestígiodajuventude?Eleríamosum“romancedemulher”domesmojeito humaine, assinada por Balzac, tivesse sido redigida de fato por um de seus que qualquer romance,isto é, um romance dehomem?), ouadatada obra: amigos: o destinador é definido por uma atribuição putativae porumares- “Averdadeiraadmiração,diziaRenan,éhistórica”;pelo menosécertoque a ponsabilidade assumida. Trata-se, namaioria dasvezes, do autor (paratexto consciência histórica da época queviu nascer uma obrararas vezes é indi- autoral),maspodetratar-setambémdoeditor:excetoquandoéassinadopelo ferente a sua leitura. Percebo nele fortes evidências características do para- autor,umreleasederivaemgeraldoparatextoeditorial.Oautoreoeditorsão texto factual, e existem outras, mais fúteis, tais como apertençaauma aca- (entre outras,juridicamente) as duas pessoas responsáveis pelo texto e pelo demia(ououtracorporaçãogloriosa),ouaobtençãodeumprêmioliterário; paratexto, que podemdelegar parte de sua responsabilidade a um terceiro: ou maisfundamentais, e que voltaremos aver, como aexistência, em torno umprefácio escrito poresseterceiro eaceito pelo autor, como o deAnatole de uma obra, de um contexto implícito que precisa ou modifica em maior FranceparaLesPlaisirsetlesjours, aindapertence, ao queparece(porcausa ou menorgrau sua significação: contexto autoral, constituído, por exemplo, dessaaceitação), aoparatexto- dessavezalógrafo. Hátambémsituaçõesem em torno do Pêre Goriot, pelo conjunto de La Comédie humaine; contexto que a responsabilidade do paratexto é em alguma medida compartilhada: genérico,constituídoemtornodessaobraedesseconjunto,pelaexistênciado assim,numaentrevista,entreoautoreaquelequeointerrogaequedemodo gênero chamado “romance”; contexto históricopelaépocachamada “século geral“recolhe”etransmite,fielmenteounão,asfalasdoautor. x1x” etc. Não tentarei aqui precisar a natureza desses fatos de pertinência Pode-sedefinirdeformagrosseiraodestinatáriocomo“opúblico”masessa contextualoumedir-lhesopeso,masprecisamospelomenospartirdoprin- definiçãoévagademais, isto porqueopúblicodeumlivroestende-sevirtual- cípiodequetodo contextoformaparatexto. Suaexistência,comonocaso de mente a toda a humanidade; portanto, deve-se especificar um pouco mais. todaespéciedeparatextofactual,podeounãoserlevadaaoconhecimentodo Certos elementos de paratexto dirigem-se de fato (o que não significa que o público por uma menção dependente do paratexto textual: indicação gené- atinjam)aopúblicoemgeral,istoé,acadaum:éocaso(voltareiaisso)dotítulo rica,mençãodepreçonumacinta,mençãodeidadenumpress-release*,reve- oudeumaentrevista.Outrosdirigem-se(comamesmareserva),maisespeci- lação indiretado sexo pelo nomeetc., maselanemsempreprecisasermen- ficaemaisrestritamente,apenasaosleitoresdotexto:éocasotípicodoprefá- cio. Outros, como as formas antigas do release, dirigem-secom exclusividade aoscríticos;outros,aoslivreiros;tudoissoconstituindo(peritextoouepitexto) * VerN.daE.àp.97adiante. 16 | PARATEXTOS EDITORIAIS INTRODUÇÃO | 17 oquechamaremos deparatextopúblico. Outrosdirigem-se,oralmenteoupor umaintençãoouumainterpretaçãoautorale/oueditorial:éafunçãoessencial escrito,asimplesparticulares,conhecidosounão,comquesupostamentenão damaioriadosprefácios, étambémadaindicação genéricaemcertas capas seconta:éoparatextoprivado,cujapartemaisprivadaconsisteemmensagens oupáginas de rosto:romancenão significa “estelivro é umromance”, asser- endereçadas pelo autor a si mesmo, em seu diário ou outro lugar: paratexto ção definitória quepraticamente não estáempoder de ninguém, mas antes íntimo,pelofatodesuaautodestinaçãoequalquerquesejaseuconteúdo. “Queiram considerar este livro como um romance”. Pode tratar-se de uma Nadefinição deumparatexto,devesemprehaverumaresponsabilidade, verdadeira decisão: Stendhal, ou Le Rouge et le Noir, não significa: “Eu me da parte do autor ou de um de seus associados, mas essa responsabilidade chamo Stendhal” (o que é falso diante da certidão de nascimento) ou “Este comportagraus. Tomareiemprestado dovocabuláriopolítico umadistinção livrose chamaLeRougeetleNoir” (o quenão temsentido), mas “Escolhio corrente, emais fácil de usardo quededefinir: a do oficial e do oficioso. É pseudônimoStendhal”e“Eu,autor,decididaraestelivrootitulodeLeRouge oficialtodamensagemparatextual queo autore/ou o editor assumem aber- etleNoir”.Oudeumcompromisso:certasindicaçõesgenéricas(autobiografia, tamente, e de cuja responsabilidade não se pode esquivar. Assim, oficial é história, memórias) têm, como sabemos, umvalor de contrato mais coerci- tudo aquilo que, de fonte autoral ou editorial, figura no peritexto ântumo, tivo(“Comprometo-meadizeraverdade”)doqueoutras(romance,ensaio),e comotítuloouoprefáciooriginal;ouaindaoscomentáriosassinadospelo umasimplesmençãocomoPrimeirovolumeouTomo1temforçadepromessa autornumaobrapelaqualéototalresponsável,como,porexemplo,Le Vent - ou, como dizNorthrop Frye, de “ameaça” Ou de um conselho, oumesmo ParacletdeMichelTournier.Éoficiosaamaioriadosepitextosautorais,entre- deumainjunção: “Estelivro”,dizHugonoprefáciode Contemplations, “deve vistaseconfidências,pelasquaissempresepodelivrar-se,maisoumenos,da serlido como se leriao livro deum morto”; “Tudo isto”, escreve Barthes na responsabilidademediantenegativasdogênero:“Nãofoiexatamenteissoque aberturadeRolandBarthesparRolandBarthes, “deveserconsiderado como eudisse) ou: “Eram afirmações feitas de improviso”, ou: “Isso não eradesti- dito por umapersonagemderomance”ecertas permissões (“Vocêpodeler nadoàpublicação”,oumesmoporuma“declaraçãosolene”,porexemplo,ade estelivro nessaounaquelaordem,vocêpodesaltaristoouaquilo”) indicam Robbe-GrilletemCerisy!º,negandoembloco qualquer“importância”aseus tambémdemaneiraclara, emboraindireta, acapacidadecoercitivadopara- “artigosdejornalmaisoumenosreunidosemvolumesobonomedeEnsaios” texto. Certos elementos comportam até a potência que os lógicos chamam e “commais razão ainda” a “declarações orais queposso fazer aqui, mesmo performativa,istoé,opoderdecumpriroquedescrevem(CAbroasessão”):é que admita que sejam publicadas em seguida” — aícompreendida, imagino, ocasodasdedicatórias. ÉevidentequededicarumlivroaFulanonãoémais anovaversão doparadoxo do cretense. Oficioso também, etalvezacima de do que imprimir ou escrever, numa de suas páginas, uma fórmula do tipo: tudo, o que o autor deixaoufaz dizerpor umterceiro, prefaciador alógrafo “A Fulano”, Caso-limite da eficácia paratextual, pois basta dizer para fazer. oucomentador“autorizado”:veja-seaparticipaçãodeumLarbaudoudeum Todavia,já há muito disso na imposição de um título ou na escolha de um StuartGilbertnadifusão,organizadamasnãoassumidaporJoyce,daschaves pseudônimo,açõesmiméticasdetodotipodepoderdecriação. homéricasde Ulysses.Naturalmente,existemmuitassituaçõesintermediárias ouindecidíveis naquilo quenaverdadenãopassadeumadiferençadegrau, Essasobservaçõessobreaforçailocutóriaconduziram-nos,portanto,semper- mas éinegável a vantagemdessas nuanças: às vezestemosinteresse em que ceber,paraoessencial,queéoaspectofuncionaldoparatexto.Essencial,por- “sesaibam”certascoisassemque(supostamente)astenhamosdito. que, ao que tudo indicaesalvo exceções pontuais queencontraremos aquie Umaúltimacaracterísticapragmáticado paratextoéaquilo quechamo, ali, o paratexto, sob todas as suas formas, é um discurso fundamentalmente tomandoemprestadolivrementeesteadjetivo aos filósofosdalinguagem, de heterônomo, auxiliar, aserviçodeoutracoisa queconstituisua razão deser: forçailocutóriadesuamensagem.Trata-seaquitambémdeumagradaçãode otexto. Qualquerquesejaoinvestimentoestéticoouideológico (“belotítulo”, estados. Um elemento deparatexto pode comunicarumamera informação, prefácio-manifesto), qualquer coquetismo, qualquer inversão paradoxal que porexemplo o nome do autorouadatadepublicação;podedaraconhecer o-autor coloque nele, um elemento deparatexto está sempre subordinado a “seu” texto, e essafuncionalidade determinao essencial de sua condutaede 10.CollogueRobbe-Grillet(1975),10/18,1976,t.1,p.316. suaexistência.Aocontrário,porém,dascaracterísticasdelugar,detempo,de 18 | PARATEXTOS EDITORIAIS INTRODUÇÃO | 19 substânciaoude regime pragmático,asfunções doparatextonãopodem ser oximóricadotipo“mentirdeverdade”,cujachave,pordefiniçãosingular,tal- descritasteoricamente,edecertomodoapriori,emtermosdesituação.Asitu- vezsomenteotextolhepossadar,mesmoqueafórmulasejachamadaafazer açãoespacial,temporal,substancialepragmáticadeumelementoparatextual escola”,oumesmoabanalizar-seemgênero. édeterminadaporumaescolha,maisoumenoslivre,feitanumagradegerale constantedepossíveisalternativas,dasquaissósepodeadotarumtermocom Umo último esclarecimento, que esperamosseja inútil: trata-se aqui de um a exclusão dos outros: um prefácio é necessariamente (por definição) peri- estudosincrônico,enãodiacrônico: umatentativadeumquadrogeralenão textual,éoriginal,posterioroutardio,autoral oualógrafoetc.,eessasérie de de história do paratexto. Este propósito não se inspirou em algum tipo de opções oude necessidades definedemaneirarígidaum estatuto e, portanto, desdémpeladimensãohistórica,porémumavezmais nosentimentodeque umtipo.Asescolhasfuncionaisnãosãodaordemalternativaeexclusivadoou é conveniente definir os objetos antes de estudar-lhes aevolução. No essen- isso/ouaquilo:umtítulo,umadedicatória,umprefácio,umaentrevistapodem cial, nosso trabalho consiste em dissolver os objetos empíricos herdados da teremvistaao mesmotempodiversosfins,escolhidossemrejeitarnenhuma tradição (porexemplo,“oprefácio”),deumladoanalisando-oscomoobjetos norepertório,maisoumenosaberto,próprioacadatipodeelemento:otítulo maisdefinidos (o prefácio autoraloriginal, o prefácio tardio, o prefácio aló- tem suas funções, a dedicatória tem as suas, o prefácio garante outras ou,às grafoetc.), e, deoutro,integrando-os aconjuntosmaisvastos (operitexto, o vezes, as mesmas, sem prejuízo das especificações mais rigorosas: um título paratextoemgeral) -e,portanto,emidentificarcategoriasatéaquinegligen- temático como Guerra e Paznão descreve seu texto da mesmamaneira que ciadasoumalpercebidas,cujaarticulaçãodefineocampoparatextual,ecujo um título formal como Epístolas ouSonetos, o que estáemjogo numadedi- estabelecimento é anterior a toda e qualquer colocação emperspectiva his- catóriadeexemplarnãoéomesmoquenumadedicatóriadeobra,umprefá- tórica. No entanto, as considerações diacrônicas não estarão ausentes num ciotardionãovisaosmesmosfinsqueumprefáciooriginal,nemumprefácio estudoqueversa,depoisdetudo, sobreoaspecto maissocializadodaprática alógrafoemrelaçãoaumprefácioautoraletc.Asfunçõesdoparatextoconsti- literária (a organização de suarelação com o público) e quevirará, às vezes tuem, pois,um objetomuitoempíricoemuitodiversificado,quesedeveevi- demaneira inevitável, algo comoum ensaio sobreoscostumese as institui- denciardemaneira indutiva, gênero porgênero e, muitasvezes, espécie por ções da República das Letras. Mas elas não serão colocadas apriori como espécie. As únicas regularidades significativas que se pode introduzir nessa uniformementedecisivas:cadaelementodoparatextotemsuaprópriahistó- aparente contingência consistem em estabelecer as relações de dependência ria. Alguns são tão antigos quanto aprópria literatura, outros nasceram, ou entrefunçõeseestatuto e,portanto,em identificarclassesde tiposfuncionais, encontraramseuestatutooficialapósséculosde“vidaoculta”queconstituem e aindareduzir a diversidadedepráticas emensagens aalgunstemasfunda- suapré-história,comainvençãodolivro,eoutroscomonascimentodojor- mentaisefortementerecorrentes,porqueaexperiênciamostraquesetratano nalismo edas mídias modernas; outros desapareceram nessemeio tempo e, casodeumdiscursomais“restritivo”doquemuitosoutros,eemqueosauto- muitofrequentemente,unsforamsubstituídosporoutrosparadesempenhar, resinovamcommenorfrequênciadoqueimaginam. bem ou mal, um papelanálogo. Alguns, enfim, parecem tersofrido, e ainda Quanto aos efeitos deconvergência (oude divergência) que resultam da sofrer, umaevolução maisrápidaoumais significativado que outros (masa composição,emtornodeumtexto,doconjuntodeseuparatexto,ecujacom- estabilidade é um fato tão histórico quanto a mudança): assim, o título tem plexidadeàsvezesbastanterefinadaLejeunemostrou,notocanteàautobio- suas modas, muito evidentes, que inevitavelmente fazem “época” com ape- grafia, elespodem surgirtão-somentedeumaanálise(eumasíntese) singu- nas seuenunciado; oprefácio autoral, ao contrário, quasenão mudoudesde lar, obrapor obra, em cujo limiarpara inevitavelmenteum estudo genérico Tucídides, a não ser na suaapresentação material. Ahistória geraldo para- comoonosso. Paradarumailustraçãomuitoelementardisso,jáqueaestru- texto seria, sem dúvida, ritmada pelas etapas de uma evolução tecnológica turaemcausasereduznelaadoistermos,umconjuntodetítuloscomoHenri quelhe oferece os meiose as ocasiões, a dos incessantes fenômenosdepas- Matisse, roman contém, ébastanteevidente, entreotítulo no sentido estrito sagem de um para o outro, de substituição, de compensação e de inovação (HenriMatisse)eaindicaçãogenérica(romance),umadiscordânciaqueolei- tor éconvidado a resolver sepuder, ou,pelo menos, a integrar como figura 11.PhilippeRoger,RolandBarthes,roman,Grasset,1986. 20 | PARATEXTOS EDITORIAIS quegarantem,atravésdosséculos,apermanênciae,emcertamedida,opro- O Peritexto Editorial gressodesuaeficácia.Paraaventurar-seaescreversobreela,seriaprecisodis- pordeumapesquisamaisvastaemaiscompletadoqueesta,quenãosaidos limites daculturaocidental, e mesmo poucasvezesdaliteraturafrancesa. O que segue não passa, pois, de umainvestigação totalmente incoativa, a ser- viçomuitoprovisóriodaquiloque,graçasaoutros,possivelmentevirádepois. Chega,porém,dedesculpasedeprecauções,temasou-lugares-comunsobri- gatóriosdetodoprefácio:bastanteerradionolimiardolimiar"?. DENOMINO PERITEXTO EDITORIAL TODA A ZONA do peritexto que se encontrasobaresponsabilidadediretaeprincipal(masnãoexclusiva)doedi- tor,outalvez,demaneiramaisabstrataporémcommaiorexatidão,daedição, istoé,do fatodeumlivrosereditado,eeventualmentereeditado,eproposto aopúblicosobumaouváriasapresentaçõesmaisoumenosdiferentes.Apala- vrazonaindicaqueotraçocaracterísticodesseaspectodoparatextoéessen- cialmente espacial e material; trata-se do peritexto mais exterior: a capa, a páginaderostoeseusanexos;edarealizaçãomaterialdolivro,cujaexecução depende do impressor, mas cuja decisão é tomada pelo editor, em eventual conjuntocomoautor:escolhadoformato,dopapel,dacomposiçãotipográ- fica etc. Todos esses dados técnicos derivam, porsuavez, dadisciplinacha- madabibliologia,cujaáreanãopretendodemodoalguminvadir,poisdesejo tratarapenasdoaspectodessastécnicasedeseuefeito,istoé,deseuvalorpro- priamenteparatextual. Deoutro lado, o caráter editorial desse paratexto lhe designa,noessencial,umperíodohistóricorelativamenterecente,cujotermi- nusaquo coincide comosprimórdios daimpressão, ou seja, aépocaqueos historiadorescostumamchamardemodernaecontemporânea.Istonãoquer dizerqueaera(muitomaislonga) pré-gutenberguiana, cujascópiasmanus- critasjáeramumaformadepublicação,nãotenhaconhecidonossoselemen- tos peritextuais — e teremos, nasequência, de nos perguntarsobre a impor- tânciadadanaAntiguidade e na Idade Médiaa elementos comoo título ou onomedo autor, cujolugarprincipal éhoje o peritexto editorial. Todavia,o queestaépocanão conheceu,devido exatamenteàcirculação manuscrita (e oral)deseustextos,foiousoeditorialdesseperitexto,queédeordemessen- cialmentetipográficaebibliológica!. 1.Sobreessasquestõesdehistóriaepré-históriadolivro,eentreaabundantebibliografia 12.Comosepodenotar,esteestudodevemuitoàssugestõesdasdiversasaudiênciascom sobreo assunto,remetoemparticularaL. FebvreeH.-J. Martin,L'Apparitiondulivre, Albin cujaparticipaçãofoielaborado.Atodoseatodas,minhaprofundagratidãoemeussinceros Michel,1958;A.Labarre,Histoiredulivre,PUF,1970;eaH.-J.MartineR.Chartier,Histoirede agradecimentos. Péditionfrançaise,Promodis,1983-1987. 24