2018 FICHA TÉCNICA Organização: Alícia Duhá Lose e Arivaldo Sacramento de Souza Projeto gráfico e diagramação: Lívia Borges Souza Magalhães Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES; Memória e Arte. Diretora Vanilda Salignac de Sousa Mazzoni Conselho Editorial Maria da Glória Bordini Célia Marques Telles Manoel Mourivaldo Santiago-Almeida Alícia Duhá Lose Jorge Augusto Alves Lima Sandro Marcío Drumond Alves Marengo Fabiano Cataldo de Azevedo Travessa da Ajuda, 1, sala 1301 Centro, 40020-030 Salvador-BA [email protected] https://www.memoriaarte.com.br/ Ficha catalográfica: Letícia Oliveira de Araújo CRB5/1836 P156 Paleografia e suas interfaces / Alícia Duhá Lose, Arivaldo Sacramento de Souza, organizadores. – Salvador: Memória & Arte, 2018. 332 p. ISBN: 978-85-8292-168-5 1. Paleografia. I. Lose, Alícia Duhá. II. Souza, Arivaldo Sacramento de. III. Título. CDD 417.7 SUMÁRIO PALEOGRAFIA E SUAS INTERFACES 6 Alícia Duhá Lose e Ari(valdo) Sacramento BENEDITINA: CONSTRUÇÃO DE UMA FONTE DIGITAL BASEADA NA 10 CALIGRAFIA DO MONGE BENEDITINO PAULO LACHENMAYER Adriana Valadares Sampaio PALEOGRAFIA E EDIÇÃO DE DOCUMENTOS HISTÓRICOS: A EDIÇÃO DOS 24 DOCUMENTOS DA CONSTRUÇÃO DA BASÍLICA DE N. SRA. DA CONCEIÇÃO DA PRAIA, SALVADOR, BAHIA Alícia Duhá Lose AS CHAVES DO TESOURO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS FRENTE AOS 38 MANUSCRITOS DA BIBLIOTECA NACIONAL Ana Lucia Merege NÍVEIS DE EXECUÇÃO GRÁFICA NO BRASIL QUINHENTISTA: UMA ANÁLISE 45 DA MORFOLOGIA DAS ASSINATURAS DEIXADAS NOS LIVROS DA INQUISIÇÃO Ana Sartori CIÊNCIA, ARTE E TÉCNICA: TODOS OS ÂNGULOS DA PALEOGRAFIA NA 60 BIBLIOTECONOMIA DE LIVROS RAROS Ana Virginia Pinheiro ASPECTOS PALEOGRÁFICOS PARA A CRÍTICA FILOLÓGICA 74 Arivaldo Sacramento de Souza PALEOGRAFIA & HISTÓRIA: AS EXPERIÊNCIAS DA OFICINA DE 80 PALEOGRAFIA – UFMG, ENTRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Cassio Bruno PALEOGRAFIA E SOCIOLINGUÍSTICA HISTÓRICA: A 92 ANÁLISE GRAFEMÁTICO-FONÉTICA Célia Marques Telles A PALEOGRAFIA NA LEITURA DA DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA SOBRE A 125 BAHIA Eliana Correia Brandão Gonçalves ESCRITAS E SUJEITOS NA CENA DRAMATÚRGICA BAIANA 143 Isabela Santos de Almeida e Rosa Borges A ARQUITETURA HORIZONTAL DAS MYTHOLOGIAE FULGENCIANAS: O 159 TEXTO COMO TESTEMUNHO José Amarante Santos Sobrinho MANUSCRITURA, RETÓRICA E DECORO EM LIVROS POÉTICOS DE MÃO 185 Marcello Moreira ABREVIATURAS DE MANUSCRITOS DOS SÉCULOS XVI AO XX 195 Maria Helena Ochi Flexor A IMAGEN DA ESCRITURA 212 Manuel Joaquín Salamanca López FONTES PRIMÁRIAS E O ESTUDO DAS PRÁTICAS CULTURAIS NA BAHIA 218 COLONIAL: DIFICULDADES DE LEITURA Norma Suely da Silva Pereira A SOCIABILIDADE MAÇÔNICA NA AMÉRICA PORTUGUESA: 232 O PROCESSO CONTRA O PEDREIRO-LIVRE MANOEL FERREIRA LIMA DA SILVA (1817) Pablo Antonio Iglesias Magalhães PALEOGRAFIA MUSICAL NO BRASIL: ESTADO DA ARTE E INTERFACES 248 POSSÍVEIS Pablo Sotuyo Blanco PROBLEMAS DE IDENTIFICAÇÃO DE AUTORIA NOS CANCIONEIROS 256 MISCELÂNEOS DA LÍRICA PROFANA GALEGO-PORTUGUESA: UM ESTUDO DE CASO Risonete Batista de Souza PRÁTICAS DA CULTURA ESCRITA NO TEATRO PRODUZIDO POR 266 MULHERES NA BAHIA: AGENTES SOCIAIS, PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO DE TEXTOS TEATRAIS DURANTE A DITADURA MILITAR Rosinês de Jesus Duarte APONTAMENTOS CRÍTICOS DAS NORMAS NO OFÍCIO DE EDITAR 276 JURAMENTOS D’ALMA SETECENTISTAS Sandro Marcío Drumond Alves Marengo PALEOGRAFIA: PASSADO E PRESENTE 286 Saul António Gomes DATAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DOS TIPOS DE ESCRITA: INFORMAÇÕES 294 RELEVANTES PARA A CRÍTICA TEXTUAL? Sílvio de Almeida Toledo Neto QUANDO A CIÊNCIA E A TÉCNICA SE CRUZAM: A PALEOGRAFIA E O 306 RESTAURO DOCUMENTAL – GABINETE PORTUGUEZ DE LEITURA DA BAHIA ACTAS, 1863-1876 Vanilda Salignac de Sousa Mazzoni A PALEOGRAFIA E SUA RELAÇÃO COM A CULTURA MATERIAL NO BRASIL 319 DO SÉCULO XVIII Walmira Costa 6 PALEOGRAFIA E SUAS INTERFACES Alícia Duhá Lose Ari(valdo) Sacramento Filólogos Professores de Paleografia e Ecdótica Universidade Federal da Bahia O I Seminário Nacional de Paleografia teve como cenário a cidade de Salvador, e o Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como sua “régua e compasso”. Dizemos isso por ter sido nele, que as disciplinas de Paleografia foram criadas e, graças aos esforços do Setor de Filologia Românica, ainda permanecem nos desenhos curriculares de cursos como Letras, História, Arquivologia e Biblioteconomia. Tal configuração favoreceu a construção desse evento que teve como focos de irradiação os atuais professores da disciplina Alícia Duhá Lose e Ari(valdo) Sacramento, mas também contou com a presença de profissionais de excelência tanto do âmbito nacional, quanto internacional, das mais diferentes e inusitadas áreas. Nesta coletânea, reunimos textos que apontaram para a contemporaneidade do debate dos estudos das práticas de cultura escrita, tanto no próprio raio de ação da Paleografia, como nas diferentes interfaces que ela possui com outras ciências. Com isso, pudemos constatar que o papel da Paleografia já pode deixar de ser narrado como exclusivamente auxiliar de qualquer que seja a vertente de pesquisa, uma vez que é possível vislumbrar, através da leitura dos textos aqui apresentados, um esforço de reflexão que toma a escrita como objeto e a investiga a partir de dispositivos de leitura material, cultural, social, econômica etc. Entretanto – é preciso asseverar –, não quisemos com esta obra estabelecer as bases definitivas da pesquisa em Paleografia, mas produzir um diálogo com a comunidade intelectual que tem movimentado o debate a fim de entender quais têm sido os destinos da Paleografia. Por isso, o que apresentamos é um mapeamento parcial das produções mais atuais dos estudos paleográficos. Desse modo, ele pode mostrar de um lado para um caráter lacunar de algumas vertentes que não são priorizadas nas pesquisas brasileiras; de outro, adensar a interlocução dos pesquisadores. No que diz respeito à coerência que estrutura o livro, afirmamos que ela é temática, sem necessariamente ser por hierarquia, importância ou sequer relevância. Assim, organizamos, para este Paleografia e suas interfaces, os capítulos em ordem alfabética confiando aos leitores a possibilidade de criar relações entre os trabalhos. O primeiro deles é de autoria de Adriana Valadares Sampaio, designer que traz uma reflexão paradigmática para o que até agora dissemos. Trata-se de um estudo que alia o design tipográfico contemporâneo com o estudo paleográfico da caligrafia do monge beneditido Irmão Paulo Lachenmayer com vistas à construção de uma fonte digital, a fonte Beneditina 2017. Com esse estudo, a visão de que a história da escrita só teria objetivo de investigar as escritas antigas para transcrição perece. Surge, assim, uma frente que pensa a tradição no contexto tecnológico contemporâneo. O segundo texto, de Ana Lúcia Merege, curadora da Divisão de Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), traz uma reflexão sobre a relação entre a Arquivologia e a Paleografia numa das mais relevantes instituições do país a abrigar coleções manuscritas, a Fundação Biblioteca Nacional, sob o olhar arquivístico. Além disso, historiciza o papel da Paleografia no curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional e nos da antiga FEFIEG – Federação das Escolas Isoladas do Estado da Guanabara – e na UNIRIO – Universidade do Rio de Janeiro. Tudo isso para compreender como essas reflexões devem pensar em ações de divulgação e visibilidade do acervo. 7 Ainda falando a partir da Biblioteca Nacional, a Bibliotecária Chefe da Divisão de Obras Raras, Ana Virginia Pinheiro, traz a tão necessária relação da Paleografia com a biblioteconomia de livros raros, para corroborar esta imbricada relação, apresenta exemplos de obras de grande interesse para as áreas de Paleografia, Diplomática, Codicologia entre outras pertencentes ao robusto acervo de obras raras da Biblioteca Nacional, entre elas, o clássico De re diplomática (1681) e seu supplementum (1704), de Jean Mabillon. O quarto texto é da professora de Paleografia e Diplomática do Setor de Filologia Românica da UFBA, Alícia Duhá Lose, apresentando a evidente relação entre a leitura de documentos manuscritos e a disponibilização de fontes primárias para pesquisas históricas e linguísticas. Para isso, traz como exemplo a edição de documentos referentes à construção da Basílica de N. Sra. da Conceição da Praia, Bahia. Em seguida, há o texto da linguista histórica e historiadora da cultura escrita, Ana Sartori, do Instituto de Letras da UFBA que propõe um estudo acerca dos níveis de execução gráfica no Brasil quinhentista. Em específico, a pesquisa procura resolver um dos maiores desafios para os paleógrafos: assinatura; mas o que há de inovador nesse processo é que ela faz uma análise morfológica das assinaturas nos livros de registros da Inquisição para compreender usos sociais da escrita nesse contexto histórico. Em uma proposta de revisão das categorias teóricas da Paleografia, Ari(valdo) Sacramento, professor de Paleografia e Ecdótica da UFBA, traça alguns questionamentos que visam à mobilização do debate teórico da Paleografia em direção à crítica filológica. O objetivo é observar como por meio da história material dos textos pode-se chegar a uma crítica cultural e social do texto. Depois, é a vez do historiador Cassio Bruno que apresenta um relato de experiência das Oficinas de Paleografia, criadas e, ainda hoje, organizadas pelos estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais. Com formato bastante inusitado, dinâmico e com preocupação social, a Oficina tem no horizonte atividades de ensino, pesquisa e extensão que se consolidam por algo pouco em voga nas formações acadêmicas: a solidariedade como estratégia de formação desde a graduação às pós-graduações. De outro modo, Célia Marques Telles, professora titular do Setor de Filologia Românica da UFBA, atualmente atuando apenas no Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, explora a interface da Paleografia com a Linguística Histórica, ou melhor, com a Sociolinguística Histórica, mostrando a relação de complementaridade necessária à reflexão histórica da língua. Para isso, envereda por uma documentação textual para investigação grafemático-fonética das línguas, acompanhada de uma erudita e atenta observação de textos românicos que se preocuparam em discutir a questão da escrita. Nesse sentido, tais textos funcionam como fontes (in)diretas da história da reflexão sobre a escrita latina. É uma excelente sócio-história dos textos e das respectivas escritas em línguas românicas. Ainda nessa vertente interseccional entre Paleografia, Filologia e Linguística, Eliana C. Brandão Gonçalves – professora do setor de Filologia Românica da UFBA – busca pensar o papel da Paleografia na leitura da documentação histórica sobre a Bahia dos séculos XVIII ao XX, sobretudo aquela referente às guerras. Nisso, a pesquisadora quer entender de que modo a pesquisa paleográfica é acionada como objeto de reflexão da história dos sujeitos; como os percursos de escrita e sobrevivência dos documentos ocorreram; e quais desafios os pesquisadores têm enfrentado nesse processo de pesquisa histórica. Também professoras de Filologia Românica e de Crítica Textual da UFBA, Isabela Santos Almeida e Rosa Borges, num eixo temporal mais recente, mobilizam o escopo teórico e metodológico da Paleografia para o estudo de textos teatrais censurados na Bahia no contexto em que as artes sofreram repressão do Serviço de Censura dos governos militares. Utilizando documentação bastante vasta, datiloscritos, manuscritos, intervenções autógrafas (do dramaturgo, dos atores) ou do serviço de censura, elas conseguem resolver de que modo a 8 paleografia pode ser utilizada para pensar metodologicamente a história mais recente da história da escrita latina e dos usos sociais da escrita. Na sequência, José Amarante Santos Sobrinho, latinista professor da UFBA, traz, de modo arguto, uma proposta de investigação da arquitetura textual das Mythologiae fulgencianas de modo a entendê-la como argumento para as decisões editoriais que deverá tomar para futuras edições. Ao observar do ponto de vista linguísticos a ordenação das seções do texto, ele levanta hipóteses relevantes acerca da transmissão textual do texto de Fulgêncio e que são acolhidas já em outros relevantes trabalhos na área de estudos clássicos. Mais adiante, Marcello Moreira, professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, elabora uma investigação incomum para os estudos literários. Recorrendo a textos preceptísticos e a códices dos séculos XVI e XVII, o pesquisador envereda pela investigação de livros poéticos de mão por meio de uma abordagem que, a um só tempo quer entender como manuscritura, retórica e decoro atuam de modo a construir, na materialidade desses livros, em seus respectivos processos de produção, circulação e recepção, significados sociais imprescindíveis para compreensão dessa produção artística. O próximo texto é de uma das pesquisadoras de grande fôlego e que contribui muito para o ensino e difusão dos estudos paleográficos na Bahia e no Brasil: Maria Helena Ochi Flexor. Neste trabalho há uma reflexão acerca dos estudos de abreviaturas de manuscritos dos séculos XVI ao XX. Apesar de parecer uma pesquisa adjetiva, o estudo da abreviatura a que Flexor tem-se dedicado é resultado de uma vasta experiência e de compromisso com o ensino da disciplina, é o que se pode observar ao longo do texto que se preocupa em historicizar esse processo. Dá continuidade ao trabalho de Flexor, o texto A imagen da escritura, de Manuel Joaquín Salamanca López, da Universidad Complutense de Madrid. A reflexão circula em torno da necessidade de apontar, contextualmente, como a escrita é produzida criativamente e está sujeita a cânones e a um design. Por isso, ao observar uma obra manuscrita, o pesquisador recomenda que se considere a composição e a deriva da composição gráfica em sua complexidade histórica, sem fazer oposição entre o aspecto estético e aquele considerado informativo, referencial. Tal como a pesquisa de Flexor e Lose, anteriormente mencionadas, Norma Suely da Silva Pereira traz-nos uma contribuição relacionada à Paleografia de leitura. Professora do Setor de Filologia Românica e pesquisadora de documentação colonial na Bahia, o texto está conformado a partir do estudo das fontes primárias que desvelam as práticas culturais na Bahia, em especial fontes de acervo eclesiástico nos quais são possíveis de se observar variação scriptográfica, diferentes processos de abreviação e aspectos léxico-semânticos do contexto abordado. Após, segue o estudo historiográfico acerca da sociabilidade maçônica na América portuguesa, de do historiador Pablo Antonio Iglesias Magalhães, do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Oeste da Bahia. A reflexão baseia-se no método indiciário de Ginzburg para elaborar uma análise perspicaz de um processo contra o pedreiro-livre Manoel Ferreira Lima da Silva, no ano de 1817. Há nesse trabalho um bom exemplo de como aliar a paleografia como estratégia metodológica para leitura histórica. Dessa vez, a intersecção com os estudos paleográficos vem da música e foi produzida por Pablo Sotuyo Blanco, docente da Escola de Música da UFBA, que se ocupa de pesquisa arquivística na área de música em busca de trazer à tona o estado da arte e interfaces possíveis acerca da história da produção musical brasileira. Neste trabalho, há um histórico da Paleografia Musical no contexto europeu e brasileiro, passando pela Diplomática Musical. Em seguida, Risonete Batista de Souza, professora do Setor de Filologia Românica da UFBA, problematiza, a partir de um estudo de caso, a questão da identificação da autoria nos cancioneiros miscelâneos da lírica profana galego-portuguesa. Acionando questões 9 codicológicas e analisando questões teóricas da lírica trovadoresca, a filóloga constrói uma hipótese sagaz acerca da “identificação da autoria” das cantigas B173 e a B174. Retomando o tema da censura promovida pelos governos militares no Brasil nas décadas de 1960, 1970 e 1980, a pesquisadora, professora do Setor de Filologia Românica da UFBA, assenta sua escrita num viés completamente interseccional. Primeiro, por trazer questões de gêneros, raças e classes para pensar a produção dramatúrgica; segundo por ler esses corpora acionando a Paleografia, a Filologia, especialmente, a vertente compreendida como sociologia dos textos. A partir disso produz uma investigação do teatro baiano de escrita feminina, o que expande categorias como a de autoria feminina. Mais voltado para o contexto histórico e teórico da Paleografia, Saul António Gomes, da Faculdade de Letras, do Centro de História da Sociedade e da Cultura, da Universidade de Coimbra, constrói uma narrativa aguda sobre o passado e o presente da Paleografia, sem perder de vista os profissionais da área, nem os iniciantes, para quem nem sempre a história do campo disciplinar está tão acessível. Na vertente da Linguística Histórica, o professor da Universidade Federal de Sergipe, Sandro Marengo, nos traz apontamentos críticos das normas no ofício de editar Juramentos D’alma setecentistas na perspectiva dos estudos do já abalisado PHPB – Projeto para História do Português Brasileiro. Prolongando a discussão da Paleografia estendendo-a para a Crítica Textual, o professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, Sílvio de Almeida Toledo Neto, aponta de que modo os procedimentos paleográficos de datação cronológica e tópica dos tipos de escrita são informações relevantes para a construção teórica e metodológica da edição. Essa decisão põe em xeque algumas tendências editoriais que não consideram o texto em sua dimensão material. Vanilda Salignac de Sousa Mazzoni, doutora em Letras pela UFBA e restauradora chefe do Ateliê de conservação e restauração Memória e Arte, mostra em sua pesquisa de que modo o conhecimento científico desenvolvido pela Paleografia precisa ser utilizado nos diversos procedimentos técnicos nas atividades de restauro documental. Para isso toma as atas do Gabinete Portuguez de leitura da Bahia, entre os anos de 1863 e 1876 como estudo de caso. Por fim, há o texto da doutora em Letras pela UFMG e também restauradora Walmira Costa que busca refletir sobre a maneira como a cultura material no Brasil do século XVIII precisa ser compreendida pelos paleógrafos interessados nesse arco temporal. Compreendendo isso, a pesquisadora mostra quais materiais circulavam no Brasil relacionados à escrita e à pintura, tais como tintas, instrumentos de escrita e papéis de ordem variada. Tal estudo é de extrema importância para construção de uma parceria entre a Paleografia e a Ciência da Conservação. Portanto, Paleografia e suas interfaces, organizados por nós, Alícia Duhá Lose e Ari(valdo) Sacramento, constitui um gesto bibliográfico que mais pretende articular os diferentes pesquisadores em torno das pesquisas das práticas de cultura escrita que ser o novo manual de Paleografia, Diplomática e/ou Crítica Textual. Nesta perspectiva, desejamos a todos uma boa leitura! 10 BENEDITINA: CONSTRUÇÃO DE UMA FONTE DIGITAL BASEADA NA CALIGRAFIA DO MONGE BENEDITINO PAULO LACHENMAYER Adriana Valadares Sampaio Designer INTRODUÇÃO O irmão beneditino Paulo Lachenmayer é considerado um dos mais importantes percussores do Design gráfico baiano, tendo desenvolvido enorme produção em heráldica (como o Brasão da Universidade Federal da Bahia), inúmeros trabalhos tipográficos e caligráficos em material ainda para ser pesquisado. No entanto, antes do Paulo, havia o Ernst Lachenmayer, nascido em 2 de janeiro de 1903, numa família católica, em Langenargen, Estado de Baden-Württemberg, Alemanha. Seu pai, Albert Lachenmayer, trabalhava na construção civil e, segundo fontes levantadas por Veiga (2012), provavelmente, era um mestre de obras e estaria na mesma classe de artesãos que os alfaiates, vidreiros, gravadores, calígrafos, carpinteiros, gráficos etc. A mãe, Mathilde Bachmor, percebeu desde cedo a vocação artística do filho Ernst e a estimulava, sendo ele, o terceiro de quatro filhos. Em Langenargen, às margens do lago Constança, na fronteira com a Áustria e a Suíça, a família viveu até 1905 quando se mudam para Ravensburgo, cidade em que Ernst viverá até a vinda para o Brasil. Era um período de efervescência cultural e política na Alemanha e os processos históricos irão determinar as influências e o destino do futuro monge. O convívio com seu tutor, o mestre escultor sacro Theodor Schnell após a morte de sua mãe, em 1918, promoveu o contato do jovem Lachenmayer com movimentos artísticos como Art Nouveau e o Expressionismo. Contemporâneo da Bauhaus e de inúmeros cursos alemães de caligrafia sob o método do Inglês Edward Johnston (ministrado pela sua ex aluna, Anna Simon), também viveu sob influência da Werkbund (Associação Alemã do Trabalho), que surge em 1907 em Munique. A Werkbund se inspirava no movimento Arts and Crafts, e isso simbolizava um pensamento em voga na sociedade germânica, que tanto revogava o retorno dos ofícios manuais (como um retorno ao prazer associado à manufatura das antigas guildas, o ideal da produção de bens mais duráveis, projetados com o “espírito” e com “paixão”), quanto à ampla utilização das tecnologias industriais (que representavam também o desejo do país em estruturar uma economia forte, expansionista e competitiva). Essas influências híbridas permeiam os trabalhos caligráficos de Paulo Lachemayer que, ao se juntar à ordem beneditina (sem se ordenar, mas como irmão leigo), chega à Bahia em 1922. Juntamente com Lênio Braga, Manuel Querino, Nelson Araújo (para citar apenas alguns nomes) foi pioneiro do design gráfico baiano, trabalhando intensamente em projetos de livros, ilustrações, brasões e letterings, muitos, junto à Tipografia Beneditina. Tendo também estudado arquitetura, firma-se como polímata, deixando mais uma série de projetos e obras de legado após seu falecimento em setembro de 1990. Os projetos caligráficos que permeiam praticamente toda obra gráfica de Lachenmayer, até o momento não foram objetos de investigação. Desde seu prolífero trabalho como heraldista aos projetos arquitetônicos, livreiros, convites, certificados, ex-libris, por toda a sua obra, há a presença constante de lettering e caligrafias, mas sempre vistos como componentes secundários, subordinados e não como elementos auto-suficientes. Nas caligrafias de Lachenmayer percebe-se a influência da manufatura ligada às guildas medievais, dos copistas, a herança histórica caligráfica conectada e mesclada ao pensamento moderno, na simplificação das formas, na utilização de novas tecnologias.