BALDUIN1A.n.35, p.01-18, 30-V-20 12 o TIPO DE BUTIA YATAY (MART.) BECC. E DESCRIÇÃO DE UMA ESPÉCIE NOVA DO GÊNERO 1 LEONARDO PAZ DEBLE2, JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORP , FABIANO DA SILVAALVES4, ANABELA SILVEIRA DE OLIVEIRA DEBLEs RESUMO Édefinido otipo deButia yatay (Mart.) Becc. edescrita Butia Noblickii, espécie nova, endêmica do sudeste da província de Corrientes (Argentina). Butia Noblickii pertence ao grupo de espécies de Butia yatay, dife- rindo, principalmente, porterflores pistiladas menores (7-9mm x7-8mm), pelas delgadas espatas papiráceas, epelo menor número de ráquilas nas inflorescências (56-82). Palavras-chave: Argentina, Bonpland, Butia Noblickii, Butia yatay, Corrientes, Paso delosLibres, Taxonomia Vegetal. ABSTRACT [The type of Butia yatay (Mart.) Becc. and description of anew species of the same genus]. The type of Butia yatay (Mart.) Becc. is established and a new species of the same genus, named Butia Noblickii is described to southeast of Corrientes province (Argentina). Butia Noblickii belongs to Butia yatay group ofspecies butdiffers mainly byitssmaller pistillate flowers (7-9mm x7-8mm), thinner-papiraceous spathes and afewer number of rachillae per inflorescence (56-82). Keywords: Argentina, Bonpland, Butia Noblickii, Butiayatay, Corrientes, PasodelosLibres, PlantTaxonomy. INTRODUÇÃO Sob O ponto de vista taxonômico, o esclare- Bem conhecido evalorizado pela população cimento de eventuais dúvidas passa, necessari- desde o período colonial, o butiá-jataí ou jataí amente, pela definição do tipo de Butia yatay, (yatay, em castelhano) é um dos ornamentos tema ainda pendente, posto que a espécie foi mais conspícuos na paisagem da Mesopotâmia descrita por Martius (1844: 93) sem a indica- argentina, aonde forma extensos palmares. ção de material coletado, baseada apenas em Apesar de sua notoriedade e importância, a ilustrações e relatos de Alcide D'Orbigny, um dos mais notáveis viajantes-naturalistas de sua espécie tem suscitado controvérsias naliteratu- época. O presente trabalho visa a sanar esta ra, até mesmo acerca de sua verdadeira distri- importante lacuna e, na seqüência, descrever buição geográfica. No caso do Rio Grande do uma nova espécie para o gênero botânico em Sul, por exemplo, com as recentes descrições questão. deButia Witeckii(Soares &Longhi, 2011),Butia missionera (Deble et aI., 2011) e Butia APONTAMENTOS BIBLIOGRÁFICOS quaraimana (Deble et aI., 2012), aespécie dei- Deve-se a Martino Dobrizhoffer, padre je- xou defigurar em suaflora nativa, atéprova em suítaeimportante cronista daregião doParaguai contrário. no século XVIII, uma das referências mais an- tigas ao butiá-jataí (yatay). Para o objetivo do 1 Recebido em J0-4-20 12 e aceito para publicação em presente trabalho, cabe salientar que, mesmo 05-5-2012. sem validade botânica, o autor atribuiu este 2 DI. Professor do Curso de Ciências da Natureza, UNIPAMPA (Dom Pedrito - RS)[email protected] nome aduas plantas distintas no primeiro volu- 3 DI. Professor do Departamento de Ciências Florestais, me de sua obra6: o Yatay, definido como pal- UFSM (Santa Maria - RS). 4 DI. Professor do Curso de Ciências Biológicas, URCAMP (Alegrete - RS). 6 DOBRIZHOFFER, M. Historia de Abiponibus: 5 Ora. Professora do Curso de Tecnólogo em Gestão Equestri, BeIlicosaque Paraquariae Natione. Viena:Typis Ambiental, URCAMP (Dom Pedrito - RS). Josephi Nob. De Kurzbek, 1784. v. 1.p.409. meira pequena; e o Yatayguazu, de folhas lon- Aleitura atenta dorelato deviagem deAlcide gas e maior porte, caráter implícito, aliás, no D'Orbigny mostra que ofrancês menciona pela epíteto de origem guarani (guazu). primeira vez o yatay em sua passagem por Na literatura botânica propriamente dita, a Yataity, localidade a nordeste da cidade de espécie em estudo foi originalmente descrita Comentes, capital da atual província argentina como Cocos yatay, por Martius (1844: 93), sem homônima. Palmares extensos e praticamente aindicação de material coletado; na seqüência, intocados de Butia yatay, todavia, somente fo- foi transferida para Calappa, por Kuntze (1891: ram encontrados pelo autor na região de San 982) e, posteriormente, ao gênero Butia, por Roque, antigo vilarejo eatual cidade da mesma Beccari (1916: 498). província, situada ao sul da capital. Alcide Nadescrição original, Martius remete aiden- D'Orbigny realizou diversas expedições pela tidade da espécie ao texto deAlcide Dessalines província de Corrientes e, ao retornar para D'Orbigny, constante em sua monumental Buenos Aires, em viagem de barco pelo rio Voyagedans I'Amérique Méridionale, informan- Paraná, ele ainda pode observar outros palmares do que: de Butia yatay, inclusive na província de Entre Rios. "Cette espece forme des forêts immenses sur Cabe salientar que D'Orbigny não faz qual- tous lesterrains sablonneux des provinces de quer menção à presença do yatay na bacia do Corri entes et d'Entre-Rios (république Uruguai, apesar de ele descrever uma "imagi- Argentine). Il en existe des bois entre nária" viagem8 aPaysandu (Uruguai), em outra Corrientes et Itaty, aux lieux nommés Las obra9• Se o autor tivesse atravessado aprovín- Ensenadas. Elle se montre en plus grand cia de Entre Rios de oeste para leste, apartir 10 nombre à l'est de la province, aux environs de La Bajadal' , ele provavelmente teria conhe- de Caacati, et de ce point, en s'avançant au cido inloco oatual (ebem preservado) "Parque sud, elle constitue ce qu'on appelle le Palmares ou le Yataity guazu des guaranis; dénominations quiéquivalent aunomdegran- de forêt de Yatays. Elle forme en effect des forêts quicouvrent tousleterrains sablonneux, 8 Esta"viagem" éditaimaginária porque D'Orbigny nunca s'étendant parallelemant aucours de rivieres arealizou, verdadeiramente, como se pode concluir ao de Santa-Lucia et du Batel, jusqu'aux ler-se o texto integral de suas andanças pela atual Ar- gentina (D'ORBIGNY, A.D. Viajepor América Meridi- frontieres de laprovince d'Entre-Rios, c'est- onal. Buenos Aires: Emecé, ]998. v. 1.524 p.). à-dire surplus desoixante lieues de longueur. 9 D'ORBIGNY, M. A. Voyagepittoresque dans les deux Elle repairêt dans cette province à peu de Amériques. Paris: Imprimerie de Renri Dupuy, 1836. distance du Parana et yforme des bois épais 568 p. jusqu'aupres de la Bajada. Ce palmier se 10 "Je pouvais, endescendant vers leS.,gagner laBajada, capitale de I'Entre-Rios; et, de là, traverser, jusqu' à trouve donc du 270 au 32 o degré de latitude Paysandu, cette province, de nom comme de fait, la sud ou sur cent vingt-cinq lieues en latitude, quatrieme desMésopotamies deI'Amérique quej'avais constituant partout des forêts, ou il est pour déjà parcourues; mais, pour en venir là,que dedéserts à ainsi dire seul de son espece"7 . passer !que de rios, de baiíados, d'esteros àfranchir! ... Etj'en avais déjà tant vu! Je pris le parti de me rendre dans larepublique orientale del'Uruguay, parunchernin un pleu plus court peut-être, et, dans tous lecas, moins humide (...). Ce trajet tres-monotone me conduisit au MARTIUS, C.F. P. de. Palmetum orbignianum. pueblo de Paysandu, situé sur la rive gauche de 7 Descriptio palmarum in Paraguaria et Bolivia I'Uruguay, et le premier lieu habité de la republique crescentium secundum Ale. De Orbigny exempla, orientale" (D'ORBIGNY, 1836. Op. cit., p. 248). schedulas eticones digessit.ln: D'ORBIGNY, A. Voyage 11 Nome antigo da atual cidade de Paraná, capital da Pro- dans l'Amérique Meridionale. Paris: P.Bertrand, 1844. víncia deEntre Rios, situada àmargem esquerda do rio p.94-95. Paraná. 2 Nacional EI Palmar" 12, além de extensas áreas et aI. (2006), Soares & Witeck Neto (2006), com Trithrinax campestris, espécies não cita- Lorenzi et aI.(2004, 2010), Deble et aI.(2011), das no texto do meticuloso viajante para a re- Soares & Longhi (2011) e Marchiori &Alves gião. Cabe salientar que a presença de "belas (2011), entre outros. palmeiras" é referida apenas de passagem - e Para a Mesopotâmia argentina, Crovetto & para as margens do rio Uruguai -, citação que Piccinini (1951), entre outros autores, referem sugere tratar-se, em verdade, de Syagrus Butia yatay (Mart.) Becc. como espécie forma- romanzoffiana'3 .Além disso, aomencionar "des dora de palmares ao longo desta vasta região. beaux palmiers", fica implícito que se trata de Destes, omais conhecido éo"Palmar Grande", espécie distinta doyatay, palmeira por ele bem localizado entre as cidades de Berduc e Ubajai conhecida e repetidas vezes nomeada em seu (província deEntre Rios), transformado nopar- retorno de Corrientes a Buenos Aires, em via- que nacional anteriormente comentado. Na mes- gem de barco pelo rio Paraná. ma província, destacam-se, ainda, os palmares Apesar de seu aspecto imponente e ampla de Concórdia e, por sua grande extensão, o si- área de ocorrência na Mesopotâmia argentina, tuado entre as cidades de Federal e Feliciano. os ditos palmares de "yatay" ainda carecem de Na província de Corrientes, aespécie compõe, uma investigação botânica mais acurada, que principalmente, duas faixas longas e relativa- envolva, de início, adefinição do tipo da espé- mente estreitas, com desenvolvimento sudoes- cie, e, na seqüência, o exame das distintas po- te-nordeste. Aprimeira delas começa ao sul de pulações ainda existentes nas províncias de Mburucuyá e alcança as proximidades de Ge- Corrientes eEntre Rios (Argentina), bem como neral Paz. Mais longa, a faixa leste tem início em áreas adjacentes. ao sul de Goya (290 40' S) e se estende até as Foi com base nessa premissa, precisamente, proximidades de Loreto (27048' S), aproxima- que Deble et aI. (2012) descreveram Butia damente. Por suaproximidade com oRio Gran- quaraimana para aregião do Coatepe, municí- dedoSul, cabe salientar-se, ainda, opalmar que pio de Quaraí, contestando antigas referências se estende do sudeste de Bonpland a Paso de sobre adistribuição deButia yatay noRio Gran- los Libres (Figura 1), objeto de estudo no pre- de do Sul, constantes em Reitz et aI. (1983), sente trabalho. Arespeito domesmo, Marchiori Marchiori et aI. (1995), Mattos (1977), Sobral &Alves (2011) chamam atenção para a ausên- cia de vegetação semelhante no lado brasileiro, àmargem esquerda do rio Uruguai, fato atribu- Criado em 1966, o Parque Nacional "EI Palmar" tem ídopelos autores àestreita faixa desolosaluviais 12 extensão de 8.500 hectares e visa a proteger um setor ali encontrada, com exceção do Pontal do muito singular da Mesopotâmia argentina, no que diz Quaraí, originalmente revestido por parques de respeito à flora e à fauna. Situado no centro-leste da província de Entre Rios, aárea do parque era anterior- inhanduvá. mente conhecida como "Palmar Grande" (ERIZE, F; CANEVARI, M.; CANEVARI, P.; COSTA, G.; o TIPO DE BUTIA YATAY RUMBOLL, M. Losparques nacionales de laArgenti- Ao descrever Cocos yatay, Martius (1844: na y otras de sus áreas naturales. Buenos Aires: EI Ateneo, 1993. p. 90-92). 93) citou no protólogo a ilustração da prancha 13 "Toujours des rivieres etengrand nombre; toujours des I, figura 1eas ilustrações da prancha XXX, fi- plaines, mais pas aussi uniformément plates que celles gura C (que em verdade é a B), sem qualquer que je venais de parcourir; et, au lieu de baííados, de caííadas, d'esteros, à n'en plus finir, des terrains secs, menção, todavia, amaterial coletado (Figuras 2 garnis de grandes herbes et d'arbustes clairsemés, qui, e 3, p. 9 elO). quoique d'un effet assez agréable, ne pouvaient se Drude (1881: 421-422) menciona aexistên- comparer, enrien, aux riches aspects desbeaux palmiers que j'avais quittés en passant d'une rive à I'autre" ciadeextensos bosques de Cocosyatay emcam- (D'ORBIGNY, 1836. Op. cit., p. 248). pos arenosos do Brasil extratropical (Silvas ex- 3 &<l' 5(,' CHACO I FE DISTRIBUICIÓN GEOGRÁFICA I DELOS PALMARES DEBUTIA YATAY 'I ENARGENTINA • 7.hMtdrpolmort. I I J1'1---==-==", , II s,,' 56' FIGURA I- Distribuição geográfica dos palmares de Butia yatay naArgentina, segundo Crovetto &Piccinini (1951). 4 tensas (...) inBrasiliae extratropicae), sugerin- ta seminal de Martius, baseada nos relatos eilus- do apossibilidade da ocorrência da espécie tam- trações de D'Orbigny, ou se Drude fundamen- bém na parte tropical do território brasileiro tou-se em material de diferentes espécies para (... etiam Tropicae ?); o mesmo autor também compor sua descrição botânica. refere sua distribuição na Argentina, em Na descrição feita por Drude (1881: 421), o Corrientes e Entre Rios, em cursos secos dos autor mencionou caules de 4-5 m de altura e rios Santa Lucia, Batel e, conforme D'Orbigny, folhas de 2-3 metros, com 50-60 pares de folíolos. também no rio Paraná (in provo Corrientes et As dimensões de caule são modestas, compara- Entre Rios, secus cursus fluv. S. Lucia et Batel, das ao protólogo de Martius e à ilustração de etiam adflum. Parana (Orbigny). O autor ci- D'Orbigny (Figura 2,p. 9)'6 .Com relação ao nú- tou um exemplar coletado por Lorentz em mero de pares de folíolos, Drude ressaltou que Concordia (Entre Rios, Argentina) e outro por Martius havia exagerado ao citar mais de 100 pa- Sellow no Brasil, este último sem local especi- res, na descrição original de Cocosyatayl7. ficado (etproConcordia (Lorentz!); in Brasilia As flores masculinas, conforme a descrição sine loco speciali Sello!)14 , resultando essas da página 421 da Flora Brasiliensis, variam de duas coletas nas primeiras menções de exsicatas 4 a 8 mm, e as femininas de 12-15 mm de com- atribuídas à referida espécie. primento e 8-10 mm de diâmetro; os frutos, por O texto transcrito a seguir demonstra que sua vez, atingem 3 cm de comprimento e 2.5-3 Drude não estava de acordo com a descrição e cm de diâmetro. As medidas citadas são con- iconografia de Martius na obra príncipes, moti- flitantes, posto que as flores masculinas mos- vo da necessidade da emenda proposta na Flo- tram-se relativamente pequenas, como em es- ra Brasiliensis para a espécie em questão. pécies do grupo de Butia odorata (Barb. Rodr.) Noblick'8, ao passo que as flores femininas são "ex fragmentis Orbgnianis facta nune relativamente grandes, àsemelhança das encon- speciminibus optimis emendata et iconibus tradas nas espécies do complexo Butia yatay. A ilIustrata. In tabula PaImeti Orbignianj 30 f. forma e as dimensões do fruto assemelham-se a B. spadicis ramus delineatus est, qualis Butia odorata; no entanto, o endocarpo com nunquan invenitum, florum portio non "2cm 19et 13mm" apresenta medidas típicas das naturalis; putamen non in verticem espécies do grupo de Butia yatay. rotundatum sedacutum; estdrupam carnosam Uma análise detalhada das duas belas pran- esse jam ex usu ab cl. Orbigny citato proditi; chas ilustradas na Flora Brasiliensis sob onome segmenta omnino plura quam 100 saepe adsunt, non usque 50. -Ex talicomparatione speciminu bene collectorum cum des- criptionibus incompletis Palmeti Orbigniani 16 A prancha I (Martius, 1884, Op. cit.), elaborada por D'Orbigny, mostra trêsespécies depalmeiras, cada uma discerneri licetquantus sitivalor inspecierum em seu ambiente típico: Cocos yatay, em uma elevação characteribus ibi ex not Orbignianis comme- doterreno, eCocos australis (=Syagrus romanzoffiana moratis quare inulti emendandi apparent"15. (Cham.) Glassman) e Copernicia cerifera (= C. alba, em verdade), em terreno relativamente baixo. As espé- cies foram representadas emproporção etendo porbase Cabe salientar que a emenda proposta por afigura de uma pessoa, exatamente ao lado da ilustra- Drude deixa dúvidas se o material descrito ção de Cocos yatay, oque permite estimar aplanta em corresponde a Cocos yatay, conforme apropos- questão em oito metros de altura, pelo menos. abcl.Orbigny citato proditi; segmenta omnino plura 17 " ••• quam 100saepe adsunt, nonusque 50" (DRUDE, 1881. 14 Notar a importância do sinal de exclamação "i"junto Op. cit., p.422.) aos nomes deLorentz eSellow, indicativos dequeDrude 18 Butia odorata foidescrito 10anos após apublicação da analisou asexsicatas coletadas por esses naturalistas. Flora Brasiliensis, sob o binômio de Cocos odorata 15 DRUDE, C. G. O. Flora Brasiliensis v. 3, parte lI, (BARBOSA RODRIGUES, J.Plantas novas Cultofardo p. 421-422. 1881. Bot. Rio-de-faneiro I,t.IV,Aet V.1891). 5 de Cocos yatay (Figuras 4 e 5, p. 11e 12) evi- do, relatou que sua descrição baseou-se em um dencia, demaneira definitiva, que Drude baseou belíssimo exemplar, que hámuitos anos florescia asua descrição de Cocos yatay em duas espéci- efrutificava noJardim Botânico de Nápoles. es, pelo menos. Ailustração de Cocos yatay, mencionada na A citada prancha 94, da Flora Brasiliensis obra príncipes de Martius (1844), mostra um (Figura 4,p. 11),mostra um folíolo daparte me- indivíduo de oito metros de altura, pelo menos, diana da folha, com proporção largura/compri- com tronco tortuoso, mais ou menos cilíndrico mento de 1160,oque não corresponde anenhu- em toda a sua extensão, e cerca de 25 folhas maespécie conhecida docomplexo Butia yatay. contemporâneas (Figura 2,p. 9). São ilustradas Nas folhas de Butia yatay e Butia missionera na prancha XXX, figura B, da mesma obra: as Deble & Marchiori, a proporção largura/com- folhas (1), uma ráquila da inflorescência (2), o primento varia de 1120 a 1130; em Butia fruto alongado e bicudo (4), e o endocarpo quaraimana Deble & Marchiori, que apresenta ovado-elíptico, com base (representada como se as folhas mais estreitas desse complexo, apro- fosse oápice) prolongada em bico triangular (5) porção máxima éde 1140.Na mesma prancha, a (Figura 3, p. 10). flor feminina épequena eovada, lembrando, por As ilustrações das pranchas I e XXX sua forma, as flores de Butia odorata. correspondem, em muitos aspectos, aexempla- Na citada prancha 95, da Flora Brasiliensis res de Butia yatay do nordeste da Argentina. (Figura 5, p. 12), são ilustrados três frutos ma- Resta salientar que aprancha XXX merece ser duros, um deles em corte longitudinal. O fruto considerada como tipo da espécie e está regis- estampado à esquerda, dado sua forma quase trada no Herbário de Paris sob o número globular, assemelha-se aos deButia odorata, ao P02147677. Na falta de material original re- passo que os outros dois são, provavelmente, presentado em herbário, propõe-se, nopresente de Butia missionera. artigo, um epitypus para Butia yatay, proveni- Com base no acima exposto, evidencia-se a ente de localidade típica. fragilidade daemenda proposta porDrude eseus questionamentos em relação à descrição origi- Butia yatay (Mart.) Becc. L'Agricoltura nal de Martius, derivados da falta de análise de Coloniale v. 10, n. 10-11, p. 498. 1916. Cocos espécimes das localidades em que D'Orbigny e yatay Mart. Voyage dans l'Amérique Méri- Martius basearam as suas ilustrações e descri- dionale 93, t. 1,f. 1,t.30B. 1844. Calappa yatay ção botânica, respectivamente. (Mart.) O. Kuntze, Ver.Gen. Pl. 2,p.982. 1891. O reconhecimento das exsicatas analisadas Syagrus yatay (Mart.) Glassman, Fieldiana, por Drude como tipo não está de acordo com o Botany 32, n. 10,p. 157. 1970. Typus: Prancha ICBN, tendo em vista que esse material não foi 1 (figura 1) e Prancha XXX (figura B: 1-5). mencionado na obra príncipes; além desse fato, Epytypus (hic locus designatus): ARGENTINA. adescrição baseada neste material entra emcon- Corrientes: Goya, Paraje Mercedes Cossio, fronto com o protólogo elaborado por Martius "estípite de 30-35 em de diametro, cubierto por (1844: 93). los restos peciolares, 4 metros de altura, más o Ao transferir Cocos yatay para Calappa, menos, pecíolo y vaina 80 em largo, lámina de Kuntze (1891:982) nãomencionou material exa- 1.60 em de largo, glauca, espata 1.20 m de lar- minado. Beccari (1916: 498-501), ao alocar aes- go, parda-glabra. 21-XI-1970, M.M. Arbo &V. pécieemquestão paraobinômio atualmente váli- Maruõak 553 (CTES 43769 a-e!). 6 DESCRIÇÃO DE UMA NOVA ESPÉCIE naevidente emambas asfaces, angulosa, de 1.4- 1.5 mm de largura. Bráctea peduncular Butia Noblickii Deble, Marchiori, F. S. oblanceolada de 70-110 cm de comprimento; Alves & A.S. Oliveira sp. novo parte expandida com 50-65 cm de comprimen- A Butiae quaraimanae cui maxime proxima to, 5-7 cm de largura e 1.8-2 mm de espessura, inflorescentiae rachillae usque ad 82 (vs. 108- terminada em um bico de 1-2cm, glabra esua- 152), flores feminei 7-9 mm longus et 7-8 mm vemente estriada longitudinalmente em ambas latus (vs. 11-13 mm longus, 6-8 mm latus), late as faces. Prófilo marrom, fibroso, medindo 35- ovato-turbinatus (vs.ovato-turbinatus) etspadix 40 cm de comprimento, oculto pelo pedolo e lignoso-papiraceis (vs. lignosis), differt. A bainha das folhas. Pedúnculo da infiorescência Butiae yatay primu aspectu sedpalmae usque 8 branco-creme, delicadamente estriado, suave- m altae (vs. usque 16 m altae), caudex mente anguloso ou terete, medindo 30-45 cm brevioribus 2-6 maltus (vs. 6-14 maltus),foliis de comprimento por 1.5-2.2 cm de diâmetro. cumfoliolae mediae 55-65 cm longae, 1.2-1.8 Raque da infiorescência branco-creme, angulo- cm latae (vs. 55-80 cm longae, 2-3 cm latae), sa, 40-55 cm de comprimento, 1-1.5 cm de lar- endocarpio elliptico, 18-24 mm longo, 10-14 gura, com 56-82 raquilas. Raquilas fiexuosas, mm lato (vs. ovato-elliptico 24-28 mm longo, branco-creme ou creme-esverdeadas; asbasais 14-18 mm lato), productus bene differt. com 20-28 cm de comprimento; as medianas com 13-16 cm de comprimento; as apicais com TYPUS: ARGENTINA. Corrientes, Paso de 8-12 cm de comprimento. Flores estarninadas los Libres, "en palmar de Buttia yatay, 3 aS m branco-creme; as basais pedunculadas, pe- de altura, flores amarillas", 1-XI-1973, A. dúnculos de 6-12 mm; as superiores sésseis ou Schinini 7828 (Holotypus CTES !). quase sésseis; sépalas lanceoladas ou elíptico- lanceoladas, 2-3mmdecomprimento, 1-1.4mm Palmeira solitária com 3-8mdealtura. Estipe de largura; pétalas elíptico-Ianceoladas ou de 2-6 mde altura e25-35 cm de diâmetro, com oblongo-Ianceoladas, 4.5-6 mm decomprimen- remanescentes das bainhas foliares na parte to, 1.5-2 mm de largura. Flores pistiladas bran- distaI e cicatrizes dispostas em torno do estipe co-creme ou creme esverdeadas, largamente na parte proximal. Folhas contemporâneas 14- ovado-turbinadas, angulosas ou suavemente 24, medindo 180-270 cm de comprimento, ere- angulosas, 7-9 mmdecomprimento, 7-8mm de to-arqueadas ou arqueadas, concolores ou sua- largura, apiculadas noápice, base alargada. Fru- vemente discolores, verde acinzentadas em to amarelo ou amarelo-alaranjado, largamente ambas asfaces. Pedolo com 70-80 cm de com- ovado turbinado, bicudo, com 3.5-4 cm decom- primento e 2-2.5 cm de largura, plano na face primento, 2.5-3 cm de diâmetro, coberto pelas adaxial e angulado na abaxial; margens provi- escamas do perianto no terço proximal; dasdeespinhos efibras achatadas; espinhos com mesocarpo pouco fibroso, suculento; endocarpo 1.5-5 cm de comprimento, agudos ou obtusos, ósseo, elíptico, agudo em ambas as extremida- os proximais ascendentes, enquanto os distais des 18-24 mm de comprimento, 10-14 mm de eretos ou retorsos. Bainha com até 45 cm de diâmetro, suavemente anguloso, com 2 semen- comprimento e 10-18 cm de largura. Raque das tes (Figuras 6-8, p. 13-15). folhas com 100-200 cm de comprimento e 1- 1.5 cm de largura, contendo 54-62 pares de Distribuição &habitat: Butia Noblickii ocor- folíolos, ascendentes eformando um V com os re no sudeste da província de Corrientes (Ar- folíolos da outro lado da raque. Folíolos media- gentina), em solos arenosos e dunas ao longo nos de 55-65 cm de comprimento e 1.2-1.8 cm do rio Uruguai. Encontram-se indivíduos isola- de largura, cinza-azulados, com nervura media- dos e pequenos grupos desde as proximidades 7 deYapeyúatéBonpland. Opalmar, todavia, mos- Paratypi: ARGENTINA. Corrientes, Paso de tra-se mais conspícuo nosarredores dacidade de losLibres, Laguna Mansa, "albardón-arena N.Y. Paso de los Libres, ao sul doArroio yatay, com- yatay", 2-XI-1973,A. G Schulz 18543 (CTES!); pondo faixa mais oumenos contínua atéosudes- Vicinity of the Rio Uruguay, Parque Manicira, tedacidade deBonpland (Figura 9,p. 16). "ca. 150m from the Puente Uruguay, ca. 38m, 29°44.015S, 5r06.416W. 2-ill-2004,L. Noblick Etimologia: a espécie é dedicada a Larry 5406, A. Schinini & R. Vanni (CTES! FTG); Noblick, especialista deArecaceae que reconhe- cerca de 1500 m ao sul da ponte internacional, ceu o material, em etiquetas de herbário, como Paso de los Libres (Corrientes, Argentina), 10- provavelmente nova. II-2011, L. P.Deble, A. S.de Oliveira-Deble & J. N. C.Marchiori 13999 (HDCF). Comentários: Butia Noblickii pertence ao complexo deR.yatay esepara-se facilmente das Nota histórica: Um dos registros literários demais espécies do grupo pela forma e dimen- mais antigos sobre opalmar de Butia Noblickii sõesdasflores pistiladas, bem como pela bráctea encontra-se no livro de viagens do médico e peduncular lenhoso-papirácea, de 1.8-2 mm de naturalista alemão RobertAvé-LallemantI9, que espessura. Pelo tamanho do estipe, forma da percorreu oRio Grande do Sul em 1858, movi- copa e dimensões das folhas, Butia Noblickii é dopor uma "necessidade interior, um dever sa- afim aR. quaraimana Deble &Marchiori (2012: grado" de visitar Aimé Bonpland. O célebre 12), da qual difere pela espata lenhoso- botânico e companheiro de viagens de Ale- papirácea, pelo menor número de raquilas na xander von Humboldt encontrava-se muito do- inflorescência epelas flores pistiladas menores, ente 20naquela época, vivendo em sua "Estân- com formato largamente ovado-turbinado. De cia de Santana", em território argentino (pro- Butia yatay, binômio em que a espécie estava víncia de Corrientes)21.Após atravessia do rio identificada em etiquetas de herbário, separa- Uruguai, de Uruguaiana para Restauración22, o se pela menor altura dos indivíduos (3-8 m vs. viajante alemão seguiu a cavalo no dia 17 de até 16m de altura), pelo estipe curto (2-6 m vs. abril de 1858 para areferida estância de "Dom 6-14 m), pelo menor tamanho dos folíolos na Amado", nome pelo qual era por todos conhe- parte mediana (55-65 em x 1.2-1.8 em vs.55-80 cido e muito estimado o velho botânico fran- emx2-3cm), epela forma elíptica doendocarpo (vs. ovado-elíptica), que mede 18-24 mm x 10- 14mm (vs. 24-28 mm x 14-18 mm). ATabela 1 19 AVÉ-LALLEMANT, R. Viagem pelo sul do Brasil no relaciona as principais diferenças entre B. ano de 1858. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Li- vro, 1953. 398 p. Noblickii e espécies afins. 20 Aimé Bonpland faleceu em 4-05-1858, passados ape- nas 17dias da visita deAvé-Lallemant. Outros autores Conservação: Butia Noblickii é conhecido referem 11-05-1858 como data de falecimento. apenas para o sudeste da província de 21 Sobre este objetivo, Avé-Lallemant comentou que"pou- Corrientes, em área inferior a 500 Km2, com- cos dos que tiveram afelicidade de apertar as mãos do grande Alexandre von Humboldt em Berlim foram até pondo uma faixa longa erelativamente estreita, ao Uruguai visitar o velho Bonpland. (...). AEstância paralela ao rio Uruguai, vinculada a solos are- deSantana, namargem esquerda doUruguai, eraopon- nosos.Apopulação éafetada pela atividade agrí- to sudoeste de toda a minha viagem, oobjetivo de mi- nha peregrinação. E quem sabe não fora eu o último cola (cultivo de melancias, entre outros produ- mensageiro da raça européia, da ciência européia, que tos) e criação de gado, mostrando sinais de avançara muitas milhas para, em sieem nome daciên- declínio gradativo. De acordo com os critérios cia, levar ao velho Bonpland estima, amor e cordial amizade" (AVÉ-LALLEMANT, 1953.Op. cit., p.287). da IUCN (2010), Butia Noblickii deve ser con- 22 Antigo nome dePaso de losLibres, cidade situada fren- siderada em perigo: EN B1,2a, b(ii,iii), C. te aUruguaiana, na margem direita do rio Uruguai. 8 FIGURA 2- Butia yatay, Syagrus romanzoffiana eCopernicia alba (Cocos yatay, Cocos australis eCopernicia cerifera, respectivamente, segundo Martius, 1844: prancha I). 9 FIGURA 3- Butia yatay (Cocos yatay, segundo Martius, 1844:prancha XXX B); asetiquetas, coladas originalmente à folha, são apresentadas abaixo da ilustração. 10