Para Robert, e também para Jacob e Elisabeth Sumário Prefácio Agradecimentos 1. “Se não tiverem recebido ordem de condená-lo, ele será absolvido esta noite” 2. “O passado nunca está morto” 3. “Que lhe importa se esse judeu permanecer na ilha do Diabo?” 4. “A verdade marcha, e nada a deterá” 5. “Dreyfus foi reabilitado, Picquart chegou a ministro da Guerra, e ninguém fez barulho” Os personagens Cronologia Notas Prefácio Quando eu fazia as últimas alterações no manuscrito deste livro hoje, o dia seguinte ao da posse do presidente Barack Obama, li em um artigo do Miami Herald que o promotor do Pentágono na Base Naval de Guantánamo apresentara na tarde anterior, oito horas depois de o presidente prestar juramento para assumir o cargo, um pedido de suspensão por 120 dias do julgamento dos crimes de guerra do suposto mentor do atentado de 11 de setembro, Khalid Sheikh Mohammed. O propósito do pedido era dar ao novo governo tempo para estudar a guerra em curso contra os processos por terrorismo. Segundo um porta-voz da comissão militar em Guantánamo, seriam pedidas suspensões semelhantes em todos os casos pendentes. Mohammed é um dos cinco detentos, todos alegadamente envolvidos no planejamento dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, em cujos processos o governo pede a pena de morte. Foram retiradas as acusações contra o sexto detento desse grupo, Mohammed al- Qahtani, pretensamente o vigésimo sequestrador a quem foi negada a entrada nos Estados Unidos e por isso não conseguiu participar do ataque. Segundo uma entrevista recente com a juíza Susan J. Crawford, principal autoridade do governo Bush incumbida da decisão de levar ou não a julgamento os detentos de Guantánamo, Al-Qahtani fora torturado por militares norte-americanos, e por isso ela nunca permitiria que ele fosse a julgamento. Em seu discurso de posse, com o ex-presidente George W. Bush e o ex- vice-presidente Richard B. Cheney sentados algumas fileiras atrás, o presidente Obama declarou: Quanto a nossa defesa em comum, rejeitamos como falsa a escolha entre nossa segurança e nossos ideais. Os fundadores de nossa nação, diante de perigos que mal podemos imaginar, redigiram uma carta constitucional para assegurar a autoridade da lei e os direitos humanos — uma carta que se expandiu com o sangue de gerações. Esses ideais ainda iluminam o mundo, e não abriremos mão deles por conveniência. E assim, em duas frases sublimes, o presidente repudiou a herança Bush- Cheney de desconsiderar as obrigações assumidas perante as Convenções de Genebra e a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e simultaneamente contornar ou transgredir as leis e a Constituição do país. Chegava ao fim a era dos presos arrebanhados em batidas, dos maus-tratos ou coisa pior a supostos combatentes inimigos e das prisões secretas da cia. O presidente Obama dera o primeiro passo no cumprimento de sua promessa de campanha de fechar Guantánamo e devolver os Estados Unidos ao império da lei. Podemos supor que a notícia da vitória do senador Obama em 4 de novembro de 2008 tenha corrido de cela em cela em Guantánamo — exceto, talvez, naquelas onde os presos, alguns deles algemados, são mantidos em isolamento — e é possível imaginar o frêmito de esperança entre os prisioneiros. É ainda mais fácil fazer uma ideia do júbilo com que foi recebida a notícia da suspensão dos processos perante as comissões militares. Certamente os presos que sabem que há razões para ser levados a julgamento não esperam escapar a isso. Mas as audiências ocorrerão perante tribunais federais ou em tribunais militares adequadamente constituídos. Em qualquer dos casos, os réus estarão sob a proteção das leis e da Constituição dos Estados Unidos e contarão, em essência, com as mesmas proteções dadas aos acusados de crimes que são julgados em tribunais norte-americanos. Podemos deixar a imaginação ir ainda mais longe, até a ilha do Diabo, onde, na tarde de 5 de junho de 1899, após quase cinco anos de um brutal confinamento em solitária, Alfred Dreyfus ficou sabendo que sua condenação por traição, decretada por uma corte marcial em Paris no ano de 1894, fora revogada pela Corte de Cassação, o supremo tribunal da França. O comunicado que ele recebeu da administração da prisão não dizia que o tribunal decretara sua liberdade; o processo estava sendo levado para uma instância inferior, uma nova corte marcial. E isso era exatamente o que ele queria. Esse ex-capitão da artilharia francesa, destituído de sua patente e condenado à prisão perpétua numa insalubre ilha tropical, queria mais do que tudo que um júri de oficiais franceses o inocentasse do abominável crime de traição pelo qual havia sido condenado e, assim, ter salva a honra dele próprio e de seus filhos. Ele sabia que era inocente. Aliás, ninguém de juízo perfeito pensaria o contrário. Ele não tinha motivos para o crime, e o veredicto de culpa viera ao fim de um julgamento do qual o público e a imprensa haviam sido excluídos. Pelo que chegara a ele, a condenação tivera por base unicamente um pedaço de papel que continha, para poder ser associado à sua pessoa, apenas uma pretensa semelhança com sua caligrafia, uma semelhança acerca da qual os grafologistas não entravam em acordo. O colega oficial que depusera contra ele cometera perjúrio. O júri militar perante o qual ele fora julgado havia sido intimidado pelos altos oficiais do Exército que o haviam acusado. Mesmo assim, o júri — e Dreyfus ainda ignorava esse fato — só o condenara depois de o ministro da Guerra ordenar que lhe fossem mostrados, em segredo, documentos alterados de cuja existência nem Dreyfus nem seu advogado haviam sido informados. Os tempos e as circunstâncias mudam. Alguns prisioneiros de Guantánamo talvez sejam tão inocentes quanto Dreyfus; outros, com certeza, não são. Mas, antes de 20 de janeiro, os detentos de Guantánamo só podiam esperar por julgamentos tão injustos e desiguais para os réus quanto a corte marcial que condenara Dreyfus. O Caso Dreyfus tornou-se o “Affair Dreyfus”, que cindiu a França por longos anos mesmo depois de o caso ter sido encerrado e de o capitão Dreyfus ter sido plenamente absolvido. As medidas tomadas pelo presidente Obama podem poupar os Estados Unidos de um conflito amargo semelhante, limpar a imagem maculada do país e oferecer um caminho para a liberdade aos prisioneiros de Guantánamo que a mereçam. Nova York, 21 de janeiro de 2009. Agradecimentos Sou imensamente grato às seguintes pessoas: Professor Robert O. Paxton, que generosamente leu meus originais durante suas férias no campo. Meus velhos amigos Joel Conarroe, James H. Duffy e Donald Hall, que, como em tantos outros livros meus, fizeram comentários inestimáveis. Minha editora, Ileene Smith, da Yale University Press, por sua avaliação sagaz e seu invariável bom humor. Susan Laity, da Yale University Press, pela meticulosa preparação do manuscrito. Minha amiga Lisa A. Kofod, que me guiou pelo labirinto do processamento de texto. Minha amiga e tradutora para o alemão, dra. Christa Krüger, que encontrou mais erros do que consigo contar nos originais de meus livros, deste inclusive. Antoine Kirry, sócio parisiense da empresa de advocacia da qual me aposentei depois de 45 anos de serviço, que confirmou minhas conjeturas sobre o direito e os procedimentos processuais franceses. Meu filho Adam, que me desvencilhou de uma armadilha literária que eu havia armado para mim mesmo. Meu enteado Robert Dujarric, por sua incansável atenção para com meu manuscrito e por me corrigir mais de uma vez em questões relativas à história francesa. Este livro é dedicado a ele e a meus netos franceses, Jacob e Elisabeth. o caso dreyfus 1. “Se não tiverem recebido ordem de condená-lo, ele será absolvido esta noite” Às nove horas da manhã da segunda-feira 15 de outubro de 1894, um oficial de artilharia francês em treinamento no Estado-Maior do Exército apresentou-se no edifício do Ministério da Guerra na rua Saint-Dominique, no aristocrático faubourg Saint-Germain de Paris, obedecendo a uma ordem entregue em seu apartamento no sábado anterior. Era uma convocação de oficiais em treinamento para uma inspeção pelo Estado-Maior. A hora matinal era incomum: as inspeções costumavam ocorrer à noite. Incomum também era a ordem de que o oficial fosse à paisana. Para sua surpresa, ao chegar foi recebido pelo major Georges Picquart, que disse que o acompanharia à sala do chefe, general Charles Le Mouton de Boisdeffre. Mais surpreso ainda ele ficou ao perceber que nem o general nem qualquer oficial em treinamento estavam presentes. Em vez disso, viu um oficial que se apresentou como major Armand Mercier du Paty de Clam e três civis desconhecidos. Du Paty explicou que o general logo voltaria à sala; alegando estar com a mão direita machucada, pediu ao oficial para redigir uma carta. Ditou-a lendo em um documento que logo viria a ser conhecido como o bordereau. Concluída a carta, Du Paty empertigou-se em toda a sua considerável altura, pôs a mão no ombro do oficial e bradou: “Está preso em nome da lei; é acusado de alta traição”. Os civis lançaram-se sobre o oficial e o revistaram. O oficial de artilharia era, evidentemente, o capitão Alfred Dreyfus, que na década seguinte se tornaria um dos homens mais conhecidos da Europa e talvez do mundo todo. Os três civis eram: o chefe da Sûreté Générale, a polícia ligada ao Ministério do Interior frequentemente incumbida de missões políticas; seu
Description: