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Blogs - Uma Ágora na Net PDF

48 Pages·2004·0.13 MB·Portuguese
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BLOGS:UMAÁGORANANET CatarinaRodrigues∗ Índice Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Umanovaesferapública,outalveznão . . . . . . . 4 Ascartasíntimaseosblogs . . . . . . . . . . . . . 8 Regressodopublicismo? . . . . . . . . . . . . . . . 10 ...Ounarcisismo? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Do“eu”paraacomunidade . . . . . . . . . . . . . 15 Identidadesvárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Blogsejornalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Classificaçãodeblogs . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Introdução O número crescente de blogs constitui um dos fenómenos maismarcantesdaInternetnaactualidade.Nasceuomundo da blogosfera, um espaço onde a liberdade de escrita e a trocadeopiniõesparecesertotal,tudopodeserditoepubli- cado.Blogéumaabreviaçãoqueresultadaspalavrasingle- sas web (rede) e log (diário de bordo onde os navegadores ∗UniversidadedaBeiraInterior 2 CatarinaRodrigues registavam os eventos das viagens). Na realidade os blogs podemserconsideradosautênticosdiários,masemformato electrónico. Osblogssãoassimoprincipalelementodeestudoneste trabalho, uma tarefa complicada numa área em constante mutação, mas que levanta várias questões, talvez impulsio- nadaspelofactodestatemáticaenvolverumnúmerotãoele- vado de pessoas em todo o mundo, de todas as idades e de todos os extractos sociais. O presente trabalho irá centrar- se unicamente na análise de blogs portugueses. Tentaremos perceber se será possível aplicar o conceito de esfera pú- blica defendida por Habermas aos blogs actuais? Recorde- mosaspalavrasdoautor:“Por“esferapública”entendemos antesdemaisumdomíniodanossavidasocialnaqualpode formar-se a opinião pública. O acesso à esfera pública está em princípio aberto a todos os cidadãos”1. Será importante perceber que a maioria dos blogs constitui novas aparições do “eu” no espaço público. A Internet vem permitir uma nova forma de mediação entre o público e o privado. Será que estamos perante o regresso da subjectividade, da afir- maçãodo“eu”emformadediário?Nãoestaremostambém perante o regresso do publicista, termo que entretanto de- saparecera e que consistia na existência de personalidades que escreviam nos jornais, e que apesar de não serem jor- nalistas, eram uma espécie de opinion-makers, intelectuais doséculoXIXqueseperderamcomaprofissionalizaçãodo jornalismo e com o início da gestão industrial. Remetendo para a actualidade, podemos referir o caso de Pacheco Pe- reira,autordoblogAbrupto,completamenteopinativo,que podeassimexemplificaroregressodopublicismo.Maspara além dum espaço de liberdade total, os blogs, ou pelo me- 1 Habermas, Jürgen cit. por Rheingold, Howard. Comunidade Vir- tual.Lisboa,Gradiva,1996,p.341. www.labcom.ubi.pt/agoranet Blogs:umaágorananet 3 nos alguns deles, não serão também um exercício de nar- cisismo? Incluem-se imagens, poemas, entre tantas outras coisas e o objectivo não é mais que apresentar o próprio “eu”aumadeterminadacomunidade. Interessante,eemparalelocomasideiasanterioresqueabor- damaafirmaçãodo“eu”,serádescortinaroconceitodeco- munidade virtual procurando descobrir em que medida po- derá ele ser aplicado à blogosfera. Na verdade, estão cria- dasautênticascomunidadesqueexpõemideiaslivrementee trocamopiniõessobreosmaisvariadosassuntos.Claroque nemtodososblogspoderãoserapelidadosdecomunidades virtuais. Mas, muitos deles são comunidades virtuais, uma vez que ao permitirem comentários e ao criarem links para outros blogs dão origem a uma comunidade que troca opi- niõesefazcomentáriossobreideiascontidasnoutrosblogs. Este conceito de comunidade virtual remete para a ideia de esferapública. Ascomunidadesvirtuaisconstituemassimumconceitoim- portante que deve ser clarificado no intuito de descobrir- mosemquesentidopodeseraplicadoaosblogs.Rheingold define-as da seguinte forma: “As comunidades virtuais são os agregados sociais surgidos na Rede, quando os interve- nientesdeumdebateolevampordianteemnúmeroesenti- mento suficientes para formarem teias de relações pessoais no ciberespaço2”. Porém, o mesmo autor faz a seguinte ob- servação: “as comunidades virtuais podem ajudar os cida- dãosarevitalizarademocracia,mastambémpodemestara atrair-nosparaumatraentesubstitutododiscursodemocrá- tico3”. Tentaremosaindaabordaraquestãodasidentidadescom 2 Rheingold,Howard.ComunidadeVirtual.Lisboa,Gradiva,1996, p.18. 3Idem,p.335. Agora.Net#4 4 CatarinaRodrigues base na obra “A vida no ecrã” de Sherry Turkle e também na tese de Doutoramento apresentada por Maria João Sil- veirinha “A conformação das identidades nas democracias liberais.Comunicaçãoemediaçõessociais”. Apesardouniversodeblogsexistentesserextremamente vasto, não deixa de ser aliciante tentar fazer uma classifica- çãodosmesmosporcategorias.Umatentativaquesurgeno seguimento do trabalho realizado por Paulo Querido e Luís Ene no livro Blogs. Os autores dividem esses “sítios” por- tugueses da seguinte forma: humor, informativos, ciência e investigação,cronistas,literários,políticosehistóricos. Ouniversodablogosferaseráaindacomparadoaomundo do jornalismo. No nosso entender, estas são duas áreas dis- tintas que não devem ser confundidas. Uma das principais característicasdosblogsportuguesesprende-secomofacto deseremmuitoopinativosepoucoinformativos.Muitosco- mentam a actualidade e vivem por isso de outros meios de comunicação, como por exemplo dos jornais e do agenda- mento destes. Para além disso, os jornalistas têm uma for- maçãoespecíficaparaoexercíciodasuaactividadeaocon- tráriodosbloggers4. Uma nova esfera pública, ou talvez não Um blog ou weblog é um diário publicado na Internet. Nos últimos tempos tem surgido um número crescente de blogs o que só vem provar que não se trata de um simples fe- nómeno passageiro. Qualquer pessoa pode ter o seu pró- prio sítio, dar a sua opinião e tecer comentários sobre os mais variados assuntos. Para isso basta ter um computador 4 Utilizaremosotermoblogger oubloggersparanosreferirmosao “dono”doblog,apessoaqueoeditaequetambémpodeserdesignado porblogueiro. www.labcom.ubi.pt/agoranet Blogs:umaágorananet 5 com ligação à Internet e mergulhar no mundo da blogos- fera. Esta tarefa é a facilitada pela simples actualização das páginas que dispensa completamente os conhecimentos em HTML5, que por exemplo são necessários para a simples manutençãodeoutrotipodepáginaspessoais. O espaço de liberdade no que diz respeito à troca de ideias parece ser total e em determinados pontos faz lem- braralgumasideiasdefendidasporHabermas.Naobra,Mu- dançaEstruturaldaEsferaPública,oautorfaladodeclínio da esfera pública burguesa e do surgimento do capitalismo industrialbemcomodademocraciademassas.Seráporisso interessante,antesdepassarmosàanálisedosblogs,propri- amente ditos, clarificar o conceito de esfera pública defen- dido por este autor, com especial destaque para a forma- ção do espaço público moderno. Os conceitos modernos de público e privado nasceram na época do Iluminismo, ape- sar do conceito de espaço público já ser anterior enquanto forma que permitia a troca de opiniões entre os cidadãos, nomeadamentesobreassuntosdeordempolítica. “A esfera pública burguesa pode ser entendida inicial- mente como a esfera das pessoas privadas reunidas em um público;elasreivindicamestaesferapúblicaregulamentada pela autoridade, mas directamente contra a própria autori- dade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente rele- vante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do traba- lho social”.6 As primeiras manifestações desta esfera pú- blica burguesa surgem nos chamados “salões” e nos cafés 5 Hypertext Markup Language, linguagem na qual se baseiam grande parte dos sites da World Wide Web e que permite a navegação porhipertexto. 6Habermas,Jürgen.MudançaEstruturalnaEsferaPública.Riode Janeiro,TempoBrasileiro,1994,p.42. Agora.Net#4 6 CatarinaRodrigues ou coffee-houses. Segundo o autor, o crescimento do pú- blicoburguêsfoipossíveldevidoàcrescentetransmissãode informação,principalmenteanívelmercantilefinanceiro. Inicialmente, o público era constituído unicamente por homens, espaço cortante entre a Polis grega e o espaço do- méstico mergulhado na exclusão. O uso da palavra e da ac- ção era fundamental, o que só demonstra a importância da retórica grega para alcançar a notoriedade. Esta é a origem da ideia de espaço público baseado na dominação e no eli- tismo. Habermas associa a esfera pública ao plano literário e ao plano da arte, apesar de existir um momento na história doiluminismoemqueaarteperdeasuadimensãodepoder. Antes das pessoas começarem a discutir questões políticas, discutiamliteraturaetudoaquiloqueasmobilizava.Nosé- culo XVIII, aparece todo um conjunto de obras centradas na vida das pessoas comuns, dos burgueses, que tinham vi- sibilidadenaépoca. Forma-se uma esfera pública composta por burgueses, que discutem o gosto e exprimem juízos críticos. Esta es- fera pública funciona na prática como um laboratório de opiniões. O papel da arte deixa de ser representativo e liga- se ao quotidiano das pessoas. Os sentimentos começam a ser objecto da vida quotidiana. Os autores colocam as suas obrasaojuízocríticodaspessoasvulgaresetodos,pelome- nossobumpontodevistaideal,podempronunciar-se. Segundo Habermas, foi na arte e na literatura que se criou este laboratório de debate, depois transposto para a política. A esfera literária politiza-se. As pessoas passam a discutir assuntos que dizem respeito à vida colectiva. É no século XVIII que a palavra público se estende a todos os quediscutemaorganizaçãodavidacolectiva. Habermas atribui muita importância aos espaços infor- www.labcom.ubi.pt/agoranet Blogs:umaágorananet 7 mais de discussão. O autor refere algumas características importantes na esfera pública literária como a igualdade de estatuto. Ou seja, para um indivíduo se poder pronunciar não precisa ter um nome ilustre, apenas precisa ter uma ca- pacidade argumentativa que lhe permita discutir. A liber- dadedeproblematizaçãoétambémumaspectoimportante, uma vez que não há temas tabus e tudo pode ser discutido. Aqui começamos já a encontrar algumas semelhanças com a blogosfera, um espaço onde também tudo pode ser co- mentadoediscutido. No entanto, e segundo este mesmo autor, a esfera pú- blica burguesa entra em decadência com o início do capita- lismo industrial e da democracia de massas. “Na passagem do público que pensa a cultura para o público que consome cultura, o que anteriormente ainda se permitia que se dis- tinguisse como esfera pública literária em relação à esfera políticaperdeuoseucarácterespecífico.“Acultura”difun- didaatravésdosmeiosdecomunicaçãodemassaéparticu- larmenteumaculturadeintegração”7. O conceito de esfera pública conheceu assim algumas mudanças, mas apesar de tudo, Habermas acredita nas po- tencialidades dos media em desenvolver públicos, embora adiante que não tenha sido esse o percurso seguido pelas sociedades contemporâneas. O autor introduz os públicos como espaços activos. As massas não são a única forma de sociabilidade que pode acontecer. Ao lado das massas amorfas existem públicos activos, críticos, participativos e racionais. “A refuncionalização do princípio da esfera pública baseia- se numa reestruturação da esfera pública enquanto uma es- fera que pode ser apreendida na evolução de sua instituição porexcelência:aimprensa.Porumlado,namedidamesma 7Idem,p.207. Agora.Net#4 8 CatarinaRodrigues desuacomercialização,supera-seadiferençaentrecircula- çãodemercadoriasecirculaçãodopúblico:dentrodosector privado,apaga-seanítidadelimitaçãoentreesferapúblicae esfera privada. Por outro lado, no entanto, a esfera pública, à medida que a independência de suas instituições só pode seraindaasseguradamediantecertasgarantiaspolíticas,ela deixa de ser de modo geral exclusivamente uma parte do sectorprivado”8. Àmedidaqueseformaumaescritaespecializadaeaumenta o número de leitores, aumenta também o gosto pela priva- cidade. Se há algo que caracteriza o iluminismo é o indi- vidualismo profundo. O espaço público é uma associação pública de pessoas privadas. Habermas acredita que os me- dia têm possibilidade de dar origem ao debate, aos temas que dizem respeito à vida comunitária. A imprensa aparece ligadaàformaçãodaopiniãopúblicaenãoépossívelpensar emopiniãopúblicasempensarnumespaçopúblicoondeos mediasemovimentam. As cartas íntimas e os blogs Voltando novamente um pouco atrás no tempo, é bom lem- brarqueénopúblicodoséculoXVIIIqueaparecemascar- tas e os diários íntimos. Surge a consciência do privado e da autonomia como algo essencial para a formação do pú- blico. O espaço público não é apenas um espaço de regu- lamentação da Polis, ele implica um tratamento da identi- dade. Acredita-se que para a formação de um público sau- dável cada “eu” tem que reconhecer a importância da sua relação com os outros. “O século XVIII é uma época de expansão das cartas, em que notas íntimas, relatos de via- gens ou mera cortesia, passam a ser essenciais para a troca 8Ibidem,p.213. www.labcom.ubi.pt/agoranet Blogs:umaágorananet 9 deinformação”9.Existeumespaçodepessoasprivadasque constituem a sua autonomia individual porque reconhecem queoseu“eu”éresultadodoseurelacionamentocomoou- tro. O reconhecimento por parte de outrem assume grande importância porque o próprio facto de ser é também ser re- conhecido. Curiosamente, grande parte dos blogs existentes hoje emdiasão,nemmaisnemmenosquediáriosíntimos,onde os seus autores vão, através de posts, expondo a sua vida pessoal,tornandoessesrelatospúblicos.Algunsblogscons- tituem novas aparições do “eu” no espaço público. Emitem opiniõespessoais,muitasvezessobreaprópriavidadecada um,outrasvezessobreassuntosdeordempolítica,socialou cultural. A Internet vem permitir uma nova forma de me- diação entre o público e o privado. Será que estamos pe- ranteoregressodasubjectividade,daafirmaçãodo“eu”em formadediário?Decertomodosim.Osblogssãonasuagé- neseparecidoscomumdiárioíntimo.Seoseuautorcolocar neleexposiçõessobreasuavidapessoal,essasinformações estarão disponíveis para todo um público que a elas tenha acesso,graçasàspotencialidadesdaInternet. Reportando a Habermas, “na esfera da intimidade da pequena família, as pessoas privadas consideram-se inde- pendentes também em relação à esfera privada de suas ac- tividadeseconómicas”10.Segundooautornesteperíodo,ao escrever cartas, o indivíduo desenvolve-se na sua subjecti- vidade. “O diário íntimo torna-se uma carta endereçada ao emissor; a narrativa em primeira pessoa, um monólogo in- terior dirigido a receptores ausentes: experiências equiva- 9Santos,Rogério.Novosmediaeoespaçopúblico.Lisboa,Gradiva, 1998,p.10. 10Habermas,Jürgen.MudançaEstruturalnaEsferaPública.Riode Janeiro,TempoBrasileiro,1994,p.65 Agora.Net#4 10 CatarinaRodrigues lentes à subjectividade descoberta no interior das relações daintimidadefamiliar”11.Porém,oautorpretendeserreco- nhecido por outros. Ao disponibilizar determinadas infor- mações on-line o blogger, espera que um determinado pú- blico venha a ler esses mesmos dados, pessoas que podem ounãoidentificar-secomesse“eu”.“Modificam-seasrela- çõesentreautor,obraepúblico:tornam-serelacionamentos íntimosentrepessoasprivadas,ondeosinteressesdeordem psicológica se orientam para o humano, tanto para a intros- pecçãoquantoparaaempatiamútuaentreaspessoaspriva- das interessadas”12. A esfera pública, vem assim, segundo Habermasampliaraesferadaintimidadepessoalefamiliar. Também os blogs vêm possibilitar uma enorme ampliação de factos que dizem respeito à vida e às ideias defendidas porcadaum.Outraideiainteressanteavançadapelomesmo autor e que pode também ser aplicada ao caso actual verifi- cadonablogosfera,éofactodasubjectividadedoindivíduo privado estar ligada à publicidade. Mas falar deste assunto implica fazer uma abordagem ao conceito de publicidade defendido por Habermas e a todas as mudanças que se lhe seguiramcomaintroduçãodaindústriademassas. Regresso do publicismo? Antes de mais importa dizer que Habermas fala muito do conceito de publicidade, no sentido de atribuição de visi- bilidade, de tornar público e não no conceito comercial de publicidade que temos hoje. “Outrora, a “publicidade” teve de ser imposta contra a política do segredo praticada pe- los monarcas: aquela “publicidade” procurava submeter a pessoa ou a questão ao julgamento público e tornava as de- 11Idem,p.66. 12Ibidem,p.67. www.labcom.ubi.pt/agoranet

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