UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO JOAO BATISTA DA SILVA BARBÁRIE, EDUCAÇÃO E CAPACIDADE DE JULGAR: uma leitura a partir de Adorno e Arendt Presidente Prudente/SP 2012 1 JOAO BATISTA DA SILVA BARBÁRIE, EDUCAÇÃO E CAPACIDADE DE JULGAR: uma leitura a partir de Adorno e Arendt Texto apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – FCT/UNESP/Campus de Presidente Prudente/SP, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Divino José da Silva Linha de Pesquisa: “Processos Formativos, diferença e valores” Presidente Prudente/SP 2012 2 FICHA CATALOGRÁFICA Silva, João Batista da. S58b Barbárie, educação e capacidade de julgar: uma leitura a partir de Adorno e Arendt / João Batista da Silva. - Presidente Prudente : [s.n], 2012 128 f. Orientador: Divino José da Silva Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Educação. 2. Barbárie. 3. Banalidade do mal. 4. Natalidade. 5. Capacidade de julgar. I. Silva, Divino José da. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. 3 DEDICATÓRIA À Luciana, esposa; À Luiza, Pedro, Marcelo, filhos. Pelo incentivo e presença confortadora. 4 AGRADECIMENTOS Minha gratidão às pessoas que se fizeram presentes na realização deste trabalho: aos professores Dr. Pedro Ângelo Pagni e Dr. Irineu Aliprando Viotto Filho, presentes ao Exame de Qualificação e Prof. Dr. Paulo César de Almeida Raboni, membro da Banca de Defesa, pelas valiosas contribuições e observações. Ao Prof. Dr. Rony Farto Pereira, pela revisão, correção ortográfica e adequação às regras da ABNT. Ao meu orientador, Prof. Dr. Divino José da Silva, pela confiança, zelo e dedicação imensurável. À minha esposa e aos meus filhos, por darem sentido a tudo isso. 5 Resumo Esta pesquisa tem como objetivo discutir a relação entre educação e seus vínculos com a cultura dominante, a partir de uma leitura de Adorno e Hannah Arendt. Com base na Dialética do esclarecimento, buscou-se discutir os paradoxos do Iluminismo e da primazia de um saber científico como condição do progresso humano: o projeto iluminista ao mesmo tempo em que visou libertar os homens daquilo que os oprime e amedronta, criou mecanismos que os tornou prisioneiros de uma cultura de dominação. Dentro desse contexto, propõe-se refletir sobre a tecnificação e instrumentalização dos saberes, que configuram a coisificação e anulação dos sujeitos, dissolvendo as qualidades dos indivíduos, reduzindo-os a simples componentes de coletivos manipuláveis. Num segundo momento, teve-se como preocupação pensar a ambiguidade presente no processo educacional que, embora tendo como objetivo a construção da autonomia e emancipação dos indivíduos pode funcionar como espaço de manifestação da barbárie. Procurou-se ainda pensar a violência contida no processo civilizatório e a reprodução de uma cultura repressiva, articulando-as aos aspectos violentos na relação pedagógica, como reflexos do imaginário que se constituiu a cerca da profissão de professor e da escola, o que Adorno chama de tabus. O intuito é pensar uma educação que se contraponha à barbárie e que volte seu olhar para os aspectos da cultura e para os acontecimentos do passado e do presente que são determinantes para a compreensão da violência cotidiana. O intuito, então, é pensar uma educação que favoreça a autocrítica, a resistência e uma consciência aguda acerca da nossa pertença e responsabilidade por esse mundo. Servindo-se do pensamento arendtiano, tem-se como proposta refletir sobre as faculdades de pensar e julgar como condições para a autonomia do sujeito e os vínculos dessas faculdades com a responsabilidade pelo mundo, no sentido de ser uma atitude ética pensada e estendida ao âmbito educacional. Por fim, pretende-se uma aproximação entre Arendt e Adorno elucidando aspectos comuns entre os dois pensadores em relação à educação como possibilidade de resistência a aspectos da cultura moderna que mais parece ter favorecido a anulação da subjetividade, do que a sua manifestação espontânea. Palavras-chave: Educação. Barbárie. Banalidade do mal. Natalidade. Capacidade de Julgar. 6 ABSTRACT The aim of this research is to discuss the relationship between education and its links with dominant culture starting from a study of what Adorno and Hannah Arendt say. Based on the Dialectic of Enlightenment there was an effort on discussing the paradoxes of Enlightenment and the primacy of scientific knowledge as a condition of human progress: while the Illuminist project aimed to free men of fear and oppression, it also created mechanisms that made them prisoners of a dominant culture. This study intends to analyse the technology expansion and instrumentalization of knowledge, which make up the “reification” and annulation of the individual, dissolving its qualities, reducing them to simple components of collective manipulation. Secondly, it was necessary to think about the ambiguity of the educational process, although its aim is to build up individual autonomy and empowerment it can work as a place of manifestation of barbarism. There was also an effort on thinking of the violence in the civilizing process and the reproduction of a repressive culture, linking them to the violent aspects of the pedagogical relationship as reflections of the idea of what was imagined about being a teacher and about the school, that`s what Adorno calls taboos. The aim is to think of an education that opposes to this cruelty and goes for culture aspects and past and present events which are really important to understand everyday violence. Therefore, the idea is to think of an education that encourages self-criticism, strength and an acute awareness about our ownership and responsability on this world. Following Arendt`s thought, it has been suggested to analyse the faculties of thinking and judging as conditions for the individual autonomy and links of these faculties to the responsibility for the world, in order to be considered as an ethical attitude in relation to education. Finally, it looks for a relationship between Arendt and Adorno considering common aspects which see education as a possibility to resist to aspects of modern culture which seem to lead to individual annulment, instead of its spontaneous expression. KEYWORDS: Education. Barbarism. Evil banality. Birth. Judging ability. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................ 08 CAPÍTULO UM - A RELAÇÃO ENTRE BARBÁRIE E ESCLARECIMENTO..................................................................................... 15 1.1 Esclarecimento e os limites para a emancipação.................................... 16 CAPÍTULO DOIS - EDUCAÇÃO E SEUS VÍNCULOS COM A BARBÁRIE...................................................................................................... 28 2.1 Aspectos da educação que intensificam a Barbárie............................... 29 2.2 Aspectos da educação contra a Barbárie................................................ 47 CAPÍTULO TRÊS – AUTONOMIA E JULGAMENTO........................... 64 3.1 Educação, natalidade e o mundo comum................................................ 81 CAPÍTULO QUATRO – APROXIMAÇÕES ENTRE ADORNO E ARENDT......................................................................................................... 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 117 REFERÊNCIAS............................................................................................125 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho se insere na área da filosofia da educação e pretende suscitar alguns questionamentos sobre a relação entre o processo educacional, o esclarecimento e o desenvolvimento das faculdades de julgar e de pensar como aspectos importantes na formação humana e na luta contra a barbárie e a banalidade do mal. A motivação para trabalhar essa temática resulta da desconfiança, suscitada pelos autores estudados, de que no processo formativo se manifesta uma violência nos indivíduos que caracteriza regressão à barbárie e ao mal sem raízes. Isso é visto como um paradoxo, porque contradiz aquilo que se objetiva como papel da educação. Nossa pretensão é investigar esses fenômenos a partir de Adorno, Horkheimer e Hannah Arendt. A questão que perpassa o trabalho como um todo é a relação entre processos formativos, sociedade esclarecida ou do conhecimento e a manifestação de atos bárbaros (ou da maldade) em tão grandes proporções ao longo do século XX. Nesse sentido, a sociedade moderna se apresenta muito mais como gestora da cultura da dominação do que de uma cultura que tenha se identificado com os ideais de emancipação. Nesse contexto, a preocupação será pensar formas de resistência que passam, na nossa leitura, pela autocrítica e autorreflexão adornianas, e pela capacidade de pensar e julgar, no sentido arendtiano. A motivação central para este trabalho é o fato de, na sociedade moderna, se conjugar progresso tecnológico, bem-estar e ameaça à vida. Os ganhos, em termos de conforto e facilidade de vida que o progresso tecnológico proporciona, contrastam grotescamente com os riscos aos quais esse mesmo progresso expõe a vida e o mundo. Duarte, na introdução de Vidas em risco (2010, p. 1), afirma: “Na modernidade a vida mesma viu-se capturada no interior de uma espiral de conseqüências incontroláveis e imprevisíveis”. A época moderna parece valorizar mais a técnica e a ciência do que a vida humana. A vida humana passa a ter o seu valor associado à sua utilidade. Com base na obra Dialética do esclarecimento, procuraremos analisar, no primeiro capítulo de nosso trabalho, a crítica que os frankfurtianos fazem ao projeto do Iluminismo. Para esses autores, a racionalidade é vista como algo controverso no contexto do esclarecimento. Os autores partem da afirmação de que o mundo esclarecido é, ao mesmo tempo, um mundo onde triunfam as calamidades, porque a razão foi instrumentalizada 9 servindo à dominação da natureza e dos homens, enquanto mecanismo utilizado para administrar a vida das pessoas, comprometendo a autonomia e emancipação. A razão iluminista, que tivera como um de seus propósitos possibilitar a formação de sujeitos autônomos e criar uma sociedade mais justa, perdeu de vista essa meta, visto que, em função das demandas econômicas do capitalismo, o potencial crítico da razão foi submetido ao jogo do poder, colocando-se “[...] a serviço de uma astúcia imemorial, de um projeto imemorial de dominação da natureza e sobre os homens” (ROUANET, 1987, p. 12). A atividade da razão ficou restrita à adequação de meios a fins. Desse ponto de vista, a noção de sujeito, sobretudo em seu sentido moral advogado pelo Iluminismo, que tem como prerrogativa a autonomia dos indivíduos no julgamento e capacidade de realizar livremente escolhas, já não pode mais ser garantida. Toda atividade do sujeito pensante, todas as suas energias são direcionadas ou capturadas pelos modelos adaptativos em conformidade com a lógica do consumo e do lucro. O indivíduo é anulado enquanto subjetividade e tem que se adaptar ao existente para se conservar. Esse processo de adaptação e adequação às demandas da realidade econômica e social teve como forte aliado ao longo da história, sobretudo na modernidade, o conhecimento científico que, sob o pretexto de libertar os homens das forças externas divinizadas, torna-os reféns dos pressupostos da ciência e da técnica que trata o mundo, as pessoas e a própria consciência como coisas. Nesse caso, como diagnosticam Adorno e Horkheimer, no livro Dialética do esclarecimento, não é possível negar o caráter repressivo inerente ao próprio conhecimento científico, pois todo o sentido da vida e da realidade humana fica restrito às explicações científicas. A questão que emerge desse diagnóstico, e que parece atravessar todo o livro Dialética do Esclarecimento, é a seguinte: por que o esclarecimento gera opressão e violência? No capítulo dois, buscaremos refletir sobre a realidade da violência na sociedade e no processo civilizatório, a partir do desdobramento dos aspectos repressivos e impositivos do esclarecimento em sua relação com a educação. Com Adorno, procuraremos analisar a violência implícita no processo civilizatório e as representações presentes no imaginário social sobre a imagem do professor como tirano e repressor. Para Adorno, o processo civilizatório porta uma violência e um autoritarismo implícita ou explicitamente, os quais estão presentes de forma inconsciente ou semiconsciente nas representações que os indivíduos têm acerca da própria educação e que, em certa medida, funcionam como porta de entrada para o ódio contra tudo aquilo que representa o civilizatório. Adorno denominou essas representações de tabus.
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