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Antropologia das sociedades contemporâneas : métodos PDF

204 Pages·1987·11.23 MB·Portuguese
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Bela Feldman-Bianco (Og.) ela Feldman-Bianco (Og.) NTROPOLOGIA ANTROPÓLOGA DAS SOCIEDAÇ AS SOCIEDADES CONTEMPOR/ »*llliiii dos ONTEMPORÂNEAS Métodos to S.F Nadei /J.CIyde Mitchell /Adnan C. Mayer/J.A. Barnes F Nadei /J.CIyde Mitchell /Adnan C. Mayer/J.A. Barnes Jeremy Boissevain / Max Gluckman /J.Van Velsen /Joan Vmcent JeremyBoissevain / Max Gluckman /J.Van Velsen /Joan Vr Esta antologia foi organizada com o objetivo de fornecer subsídios .para pesquisadores interessados em utilizar abordagens antropológicas em suas in- vestigações sobre problemas pertinentes às socieda- des contemporâneas. Embora seja dirigida a estu- diosos e estudantes de diversas disciplinas, a sua publicação visa também contribuir para reflexões metodológicas no âmbito da antropologia brasileira. 39 A636 global universitária ANTROPOLOG; universitária ANTROPOLOGIA ANTROPOLOGIA DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS -Métodos universitária ANTROPOLOGIA Introdução e Organização Bela Feldman-Bianco ANTROPOLOGIA DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS -Métodos SE Nadei /J. Clyde Mitchell /Adrian C. Mayer /J.A. Barnes Je-remy Boissevain / Max Gluckman /J.Van Velsen /Joan Vincent Bela Feldman-Bianco, paulista, antropóloga, com doutoramento pela Columbia University, EUA, leciona no Departamento de Ciências Sociais da UNICAMP. Suas pesquisas e publicações têm sido na área de família e formação de classes, papéis sexuais, política local e metodologia. Foi Fulbright Scholar aa Yale University (História) e na Columbia University (Antropologia). Temporariamente, está residindo em New Bedford onde, como profes- sora visitante em Estudos Portugueses da Southeastera Massachusetts University está iniciando pesquisa sobre imigração portuguesa. universitária ANTROPOLOGIA © 1987: Bela Feldman-Bianco Sumário Editoração / Produção gráfica: presser & bertelli Consultoria Editorial Introdução, 7 Revisão: Carlos Umberto Martins / Carlos Luiz Pompe / Javert Bela Feldman-Bianco Monteiro / Neuracy M. Moreira Reis Capa (Projeto e arte-final): Equipe Gldbal PARTE I. A relevância da Antropologia para o estudo das sociedades contemporâneas Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Compreendendo os povos primitivos, 49 S.F. Nadei A Antropologia das sociedades contemporâneas / orga- A641 nização e introdução Bela Feldman-Bianco. —> São Paulo : Global, 1987. (Global universitária) PARTE II. Orientação: enfoques, unidades de análise, conceitos e técnicas Bibliografia. ISBN 85-2-60-0119-1 1. Antropologia 2. Antropologia social 3. Sistemas ^"^"lüinlfl iTi .FeldniraiiiírA:Mnfiftnr^filfl' II- serie. A questão da quantificação na Antropologia Social, 77 •IBLIOTECA CENTRAL /. Clyde Mitchell A importância dos "quase-grupos" no estudo -das sociedades UFES complexas, 127 Adrian C. Mayer CDD-306 Redes sociais e processo político, 159 87-0347 /-301 J.A. Bãrnes índices para catálogo sistemático: Apresentando "Amigos de amigos: redes sociais, manipuladores e coalizões", 195 1. Antropologia 301 2. Antropologia cultural 306 33 Jçremy Boissevain 3. Antropologia social 306 i cj Sociedade : Sociologia 301 TQMa/93 PARTE III. A História na análise e reconstrução de processos sociais Análise de uma situação social na Zululândia moderna, 227 Mãx Gluckman N.» de A. análise situacional e o método de estudo de caso detalhado, 345 Direitos reservados: /. Vem Velsen global editora c distribuidor* Itdm. A sociedade agrária como fluxo organizado: processos de Rua França Pjnto,_836 Sua Mariz^e Barras, 39 Rua Floriano Peixoto, 149 desenvolvimento passados e presentes, 375 Fone: (011) 572-4473 conjs. 26/36 Centro foan Vincent Cep 04016 - V. Mariana Fone:(021) 273-5944 Fone: (016) 634-3793 Cx. Postal 45329 Cep 20270-Tijuca Ribeirão Preto - SP São Paulo-SP Rio de Janeiro - RJ Esta antologia foi organizada com o objetivo de fornecer sub- sídios para pesquisadores interessados em utilizar abordagens an- tropológicas em suas investigações sobre problemas pertinentes às sociedades contemporâneas. Embora seja dirigida a estudiosos e estudantes de diversas disciplinas, a sua publicação visa também contribuir para reflexões metodológicas no âmbito da antropolo- gia brasileira. Os textos incluídos nesta antologia são de autoria de etnó- grafos — em sua maioria formados na Inglaterra — que realiza- ram pesquisas de campo na África, Europa ou Ásia em um pe- ríodo que marca uma transição na Antropologia: do estudo de sociedades e culturas particulares para o estudo de sociedades con- temporâneas. Em seu conjunto, estes textos indicam tentativas de se adequar o arsenal antropológico — baseado na coleta de dados microscópicos e detalhados — para a análise de processos de mu- dança social e de problemáticas inseridas no contexto das socie- dades contemporâneas. Tendo como parâmetros as transformações das perspectivas antropológicas, os cinco primeiros textos discutem enfoques, con- ceitos, unidades de análise e técnicas de pesquisa, propriamente ditas. Os três últimos textos enfatizam também a necessidade de serem levados em consideração a história e dados documentais para a reconstrução de processos sociais. A seleção dos textos foi feita a partir de experiência de en- sino sobre a prática de pesquisa de campo e da conseqüente cons- tatação da ausência de publicações sistemáticas e atualizadas em baseiam-se na análise de representações. Enquanto a "teoria da língua portuguesa sobre o assunto. Apesar de a antropologia bra- ação" enfatiza a observação do comportamento concreto, a análise sileira estar cada vez mais voltada para o estudo de temáticas que de representações apóia-se principalmente em indagações verbais que têm como objetivo reconstruir "visões do mundo". Deve-se têm como foco de análise a sociedade de classes e o Estado-nação, salientar que a observação do comportamento concreto e as inda- as poucas publicações existentes sobre métodos e técnicas de pes- gações verbais constituem dois procedimentos complementares da quisa, além de casuísticas, ainda referem-se, principalmente, às expe- pesquisa de campo. Entretanto, tendências no sentido de se pri- riências de pesquisa realizadas em sociedades de pequeno porte, vilegiar um desses procedimentos, em detrimento do outro, im- consideradas "exóticas", isoladas e auto-contidas. A defasagem plicam opções teóricas e metodológicas fundamentais, entre cujos entre temáticas atuais de estudo e as publicações existentes sobre pólos os mais diversos enfoques antropológicos têm oscilado. operacionalização de pesquisa mal deixa entrever.os questionamen- Sahlins (1976) delimita estes pólos pela oposição de dois tos e as revisões críticas que estão começando a ser realizadas paradigmas da teoria antropológica, respectivamente: um enfoque por antropólogos brasileiros sobre os impasses teóricos e meto- cultural (que enfatiza a análise da razão simbólica ou significati- dológicos de sua produção mais recente, relativa à sociedade bra- sileira contemporânea.1 va) e um enfoque utilitarista (que se fundamenta na análise da razão prática, ou teoria da práxis). Além desta delimitação, estão Esta antologia reúne textos representativos de perspectivas também implícitas, no âmago da separação artificial entre análise metodológicas que começaram a ser desenvolvidas por discípulos da ação e da representação, definições diversas sobre o foco da e discípulos de discípulos de Malinowski e Radcliffe-Brown, prin- Antropologia: por um lado, a ênfase na observação do comporta- cipalmente em combinação com o estudo de "mudanças sociais" mento concreto e nas ações e interações sociais tende a demarcar no Terceiro Mundo. Constituem alternativas aos impasses criados á Antropologia enquanto micro-sociologia; por outro lado, uma pelos pressupostos teóricos e metodológicos do enfoque funciona- ênfase na análise de representações implica a definição da An- lista-estrutural, com sua ênfase na construção de modelos e na tropologia enquanto o estudo da cultura. análise -de sistemas sociais em equilíbrio. Contribuíram, em seu conjunto, para a formulação da "teoria da ação", que privilegia No nível da operacionalização de pesquisas, estas diferentes a observação e reconstrução do comportamento concreto de indi- opções reáültam também em um tratamento diverso dos sujeitos víduos específicos em situações estruturadas.2 da investigação. Enquanto a "teoria da ação" trata esses sujeitos Inicialmente, devido à demarcação rígida dos limites da An- como atores sociais, o enfoque baseado na análise das represen- tropologia, os instrumentais de pesquisa fundamentados na "teoria tações tende a considerá-los informantes. Subjacente a esta dis- tinção entre atores sociais e informantes, está implícita a diferenr da ação" restringiram-se tão-somente a refinar e a aperfeiçoar a observação de campo. Entretanto, tendo em vista a necessidade de ciação já feita por Malinowski (1922) entre o que as pessoas se explicitarem, a partir de uma,visão da economia política mais fazem e o que as pessoas dizem. Procedimentos de pesquisa, ba- ampla, as condições sob as quais ocorre a mudança, algumas ver- seados na separação, artificial entre a observação do comporta- tentes da "teoria da ação" começaram a diferenciar os limites da mento concreto e a análise de representação, resultam também em observação dos limites -da investigação. Esta diferenciação possi- distinções radicais como a feita por Harris (1968), entre análises bilitou a elaboração de intrumentais capazes de integrar a história éticas (que privilegiam exclusivamente as interpretações do pes- e dados documentais à análise antropológica de .processos sociais. quisador) e análises étnicas (que privilegiam as interpretações dos Os textos que compõem esta antologia propiciam, de certa informantes). forma, um contraponto às perspectivas metodológicas da antropo- O estudo da cultura, com sua ênfase na análise da razão logia brasileira contemporânea, cujas tendências predominantes simbólica, constitui ainda o grande desafio da Antropologia, prin- 8 cipalmente devido à defasagem existente entre elaboração teórica ficados são historicamente transmitidos e desenvolvidos. Este e e operacionalização de pesquisa. É certo que atualmente antropó- outros reducionismos metodológicos (como, por exemplo, a aná- logos consideram um tanto ingênua a perspectiva empiricista pro- lise da cultura ou caráter nacional através de traços culturais, posta por Boas para o estudo da cultura, de acordo com a qual "tipos" nacionais-, ou, ainda, a partir da visão de informantes acerca de ritos nacionais) não chegam a explicitar como "a ação o pesquisador [era] reduzido ao status de um aparelho de humana [... ] é mediada pelo projeto cultural, que ordena a gravação; nem mesmo a sua própria inteligência podia entrar experiência prática, a prática ordinária e o relacionamento entre em cena (Sahlins, 1976:90). as duas" (Sahlins, 1976:68). Em contraposição, o enfoque micro-sociológico da "teoria Entretanto, poucos foram os que tentaram integrar, como da ação" propiciou a elaboração de um conjunto de instrumen- Geertz (1978) o fez, uma perspectiva micro-suciológica à "in- tais de pesquisa que contribuíram, em última instância, para a terpretação das culturas", a partir da distinção entre ação e ideo- apreensão de processos, ações e seqüências de desenvolvimento, logia, assim como entre sociedade e cultura. Mesmo que "cultura- a partir de uma perspectiva histórica da sociedade em movimento listas" anotem suas observações de campo em seus diários, existe e em constante fluxo. Embora incidindo no perigo de reificar a uma tendência em se separar, ou se confundir, os dados prove- "razão prática" e utilitarista em detrimento da análise dos padrões nientes da observação daqueles provenientes das indagações. Neste de significados culturais, alguns de seus desdobramentos metodo- contexto — principalmente uma abordagem que privilegia a aná- lógicos permitiram combinar dados provenientes da observação e lise das representações, baseada em discursos de informantes, fre- da indagação, a partir de seqüências de eventos que focalizam qüentemente procedentes de respostas às indagações formuladas gente, tempo e lugar. Possibilitaram, dessa forma, a realização pelo pesquisador sobre situações hipotéticas ou temas abrangen- de análises que levam conjuntamente em consideração ação e re- tes — apresentam-se graves perigos metodológicos. Este tipo de presentação, no contexto de circunstâncias específicas que se de- abordagem pode resultar, no máximo, na apreensão de visões do senvolvem através do tempo. mundo contraditórias e não-sistematizadas de informantes, "desco- Talvez estes desdobramentos metodológicos da "teoria da ladas" das observações relativas ao seu comportamento concreto ação" possam apontar alternativas para os dilemas atuais da an- em situações específicas. Podem também levar o pesquisador a tropologia brasileira. Paradoxalmente, talvez seja esta ênfase na não separar as suas abstrações das respostas dos informantes às observação do comportamento concreto e da prática cotidiana de suas indagações, as quais são, muitas vezes, também resultado de um número restrito de indivíduos, em seqüências de situações abstrações.3 Neste sentido, o pesquisador pode ainda incorrer no estruturadas através do tempo, que propicie examinar o signifi- risco de adotar categorias e conceitos utilizados pelos informantes, cado associado ao fluxo da experiência. Ao evitar o estudo da sem problematizar e analisar" como, quando, por que e em que "mente" e das representações de forma estática, e a partir tão- circunstâncias históricas estas categorias e conceitos' emergiram. somente de questionamentos formulados a informantes sobre temas Além do mais, uma perspectiva que privilegia a análise de re- abrangentes, esta perspectiva abre possibilidades para a análise presentações em detrimento das intersecções existentes entre bio- da cultura enquanto processo. Pode, provavelmente, favorecer a grafia, história e sociedade, pode resultar em meras descrições operacionalização de pesquisas que têm por premissa entender banais. como conjuntos de significados são transmitidos e desenvolvidos Esta ênfase exagerada na análise das representações não é e como a ação humana é mediada por um projeto cultural no con- em si suficiente para explicar a construção dá experiência huma- texto das complexidades dos processos sociais. na e a "imposição ao significado convencional ao fluxo [dessa] Esta antologia apresenta textos que ilustram o desenvolvi- experiência" (Stocking, l968:l59)4 ou como os padrões de signi- mento de vários instrumentais metodológicos, baseados na "teoria 10 11 da ação": iniciando-se com contestações tímidas aos estudos mor- Esta multiplicação de interesses de pesquisa acarretou inicial- mente questionamentos sobre a própria especificidade da Antro- fológicos do funcionalismo estrutural, até resultar na elaboração pologia. No século XIX, antropólogos se propuseram a explicar de uma abordagem que integra a história e dados documentais à — a partir de teorias difusionistas e evolucionistas — as origens análise antropológica de processos sociais. Deve-se salientar que e o desenvolvimento da humanidade. Mas a sua institucionalização, vários desses textos têm sido utilizados em cursos sobre métodos enquanto disciplina, ocorreu nas primeiras décadas deste século, e técnicas de. pesquisa antropológica. Sua publicação em portu- com o estudo empírico do "homem primitivo" e da "cultura pri- guês permite torná-los mais acessíveis não somente aos estudan- tes, mas ao público em geral.3 mitiva". Contestando e distanciando-se das grandes generalizações teóricas, antropólogos delimitaram o seu campo de estudos vis-à- A presente compilação visa possibilitar reflexões críticas so- vis aos de outras disciplinas, por sua prática de pesquisa etnográ- bre os limites, "perigos" e contribuições de vários desdobramen- fica em sociedades consideradas exóticas e "marginais" aos pa- tos metodológicos da "teoria da ação". Não tem portanto o ca- drões do mundo ocidental. Com base em dados empíricos con- ráter de um manual de pesquisas. Parte-se da premissa de que cretos, coletados através de vivência prolongada no "campo", pas- discussões sobre métodos e técnicas somente adquirem relevância saram a observar e a comparar os contextos contemporâneos de no contexto de orientações teóricas específicas e com base em pro- sociedades específicas com o objetivo de reconstruir o seu desen- blemas concretos. Além do mais, devido às próprias característi- volvimento passado. Mas, em decorrência da crescente penetra- cas da Antropologia, pesquisadores estão sempre propensos a en- ção de capital em áreas outrora distantes e isoladas, as popula- contrar novos problemas no campo, que podem implicar o desen- ções que constituíam tradicionalmente seu objeto de estudo fo- volvimento de novos enfoques teóricos, bem como reformulações ram sendo progressivamente incorporadas aos mercados nacionais de conceitos e metodologias prevalecentes. Este é o caso dos textos e internacionais do trabalho. Como, em conseqüência, as suas selecionados. próprias pesquisas de campo os levaram a investigar problemáti- Com exceção do ensaio hoje clássico de Max Gluckman, in- cas e contextos similares aos de outras disciplinas, antropólogos titulado "Análise de uma situação social na Zululândia moderna", começaram a se preocupar com sua identidade profissional. Os de nítida orientação funcionalista-estrutural, originalmente publi- mais pessimistas chegaram, inclusive, a apregoar o fim da Antro- cado em 1940, os demais textos incluídos nesta antologia refle- prplogia.7 Outros tentaram indagar sobre qual seria a contri- tem orientações metodológicas desenvolvidas entre ás décadas de buição distintiva de sua disciplina para o estudo de sociedades 1950 e 1980. Em contraposição aos enfoques dominantes, for- contemporâneas que passaram, de forma talvez um tanto etno- mulados a partir de sociedades consideradas "simples" e de "pe- cêntrica, a denominar de "sociedades complexas". quena escala", as novas perspectivas emergentes neste período co- Contrariamente às previsões mais céticas, os questionamen- meçaram a ter como base as assim chamadas "sociedades comple- tos realizados sobre a possível contribuição da Antropologia para xas", ou, mais apropriadamente, "sociedades contemporâneas".6 a análise de problemas e contextos similares aos estudados por Esta ampliação do escopo da Antropologia foi propiciada por outras disciplinas ampliaram o seu campo de investigação. Ao pesquisas de campo realizadas em contextos de transformações so- invés de desaparecer, a disciplina floresceu entre as décadas de ciais aceleradas, incluindo desde processos crescentes de migra- 1950 e 1970. Novas problemáticas e novas questões, surgidas du- ções do campo para a cidade até a emergência de novas nações rante processos de trabalho de campo em situações de rápida mu- na era pós-colonial. A partir dessas experiências de pesquisa, um dança social, implicaram reformulações e refinamentos de antigos número cada vez maior de antropólogos começou a se interessar pressupostos teóricos e procedimentos de pesquisa. A presente com- em também estudar, de forma mais sistemática, situações urbanas, pilação de textos tenta retratar, ao menos parcialmente, este repen- bem como as articulações existentes entre vila, cidade e nação. sar. 13 12 A Antropologia das sociedades contemporâneas tendência para se privilegiar a observação do comportamento e os impasses do funcionalismo estrutural concreto dê indivíduos específicos, suas ações, interações e estra- tégias em contextos também específicos. Embora perpassando vá- Ao se confrontarem com o estudo de processos de mudança rios dos textos que compõem esta antologia, esta formulação é social acelerada e de problemáticas relativas às sociedades con- inicialmente discutida por Nadei no contexto das mudanças das temporâneas, os colaboradores desta antologia indagaram sobre perspectivas antropológicas. Além de realizar uma revisão crítica, qual seria a competência dos antropólogos para a realização de um tanto irônica, sobre os progressos da disciplina, este autor análises sobre sociedades mais amplas, já que foram sugere que a antropologia das sociedades contemporâneas, deno- minadas "complexas", tem por especialidade a micro-sociologia, originalmente treinados a estudar, através da vivência com ou seja, a análise intensiva e detalhada dos processos políticos, as pessoas, os contextos' sociais e culturais específicos de econômicos, culturais e históricos de pequena escala. Neste sen- comunidades em pequena escala e as características de pe- quena escala da vida social (Nadei, 1956:172).8 tido salienta que, tendo em vista a sua experiência anterior em estudar as características de pequena escala da vida social, os Neste sentido, algumas das questões por eles formuladas antropólogos interessados em investigar problemáticas relaciona- referem-se a: "Como adaptar enfoques e técnicas de pesquisa de- das às sociedades contemporâneas devemj se preocupar essencial- senvolvidas a partir do estudo de pequenas comunidades conside- mente com os "espaços intersticiais", i.e., "As relações interpes- radas isoladas para a análise de problemas de âmbito nacional e soais, as interações e as comunicações cotidianas através das quais até internacional?"; "Qual a relevância da abordagem microscópi- instituições, associações e maquinarias legais operam" (Ibid.: 172). ca da Antropologia para a compreensão de processos macroscó- Vários dos textos selecionados desenvolvem metodologias e técni- picos capazes de refletir mundos maiores?"; "Como relacionar o cas de pesquisa para o estudo de sociedades contemporâneas, a nível micro com o nível macro da análise?"; "Como investigar, partir desta formulação inicial. com o instrumental antropológico, processos de mudança social Esta definição tenta resguardar a característica microscópica e a fluência desses processos?"; e "Se tradicionalmente o objeto dos estudos antropológicos e a sua especialidade peculiar de pro- de pesquisa do antropólogo tendia a ser a 'comunidade' ou a loca- curar desvendar os meandros mais profundos da vida social. Para lidade, ou, ainda, um segmento específico da sociedade, como atingir este objetivo, desde as pesquisas de campo pioneiras de delimitar a unidade de análise (ou como fazer o 'recorte' da pes- Malinowski e Boas, antropólogos fizeram uso de observação par- quisa) em situações consideradas 'complexas', como cidades ou ticipante (i.e., vivência prolongada com a população sob estudo). nações contemporâneas?". Além do mais, levando em considera- Conseguiram, por este meio, revelar o significado de costumes, ção suas crííicas ao enfoque funcionalista-estrutural, também in- valores e normas sociais em uma variedade de culturas e socie- dagaram: "Como estudar aglomerados de pessoas que não formam dades particulares. Suas análises contribuíram em muito para tor- grupos permanentes?"; "Como explicar as variações existentes nar compreensíveis costumes e culturas aparentemente exóticas, entre o comportamento concreto e as normas e modelos sociais?"; bem como para problematizar o que poderia parecer, à primeira "Qual a importância de casos 'excepcionais' para explicar as re- vista, familiar e passível de explanações fáceis. Mas alguns de gularidades sociais?", etc. - f seus pressupostos iniciais de pesquisa, fundamentados em um Ao reavaliarem a produção antropológica no contexto destas modelo ideal de sociedade de pequena escala, ajudaram a criar questões, estes Autores sugerem que a especificidade de sua disci- estereótipos que se transformaram em verdadeiros impasses ao plina reside no estudo microscópico e detalhado de interstícios estudo de processos sociais e de questões pertinentes às socieda- sociais e relações interpessoais. Esta especificidade inclui uma des mais amplas. 14 15 Este modelo ideal — que foi construído a partir das primei- Com estes pressupostos de pesquisa, e, além do mais, influen- ras experiências de pesquisa de campo realizadas com grupos abo- ciados, direta ou indiretamente, por políticas colonialistas que vi- rígines da Austrália ou em ilhas exóticas do Pacífico — estabe- savam pacificar e "civilizar" os colonizados de modo a evitar lecia a priori que as sociedades de pequeno porte, predominante- confrontos sociais, antropólogos optaram por destacar a coesão mente baseadas em parentesco e relações face a face, eram simples social em detrimento de análises que pudessem levar em consi- e homogêneas. Apoiava-se, também, na premissa de que estas so- deração a eventual existência de conflito e contradição. Mesmo ciedades eram marginais à sociedade capitalista já que, nas mes- quando o conflito tornava-se foco de observação, a tendência era a de analisá-lo sob o ângulo de sua possível contribuição para a mas, terra e trabalho não teriam ainda se convertido em valores manutenção do equilíbrio social. Em suma, como resultado das de mercado. Com este modelo em mente, e tendo em vista a apa- tendências dominantes, realizaram estudos atemporais de formas rente estabilidade e isolamento dessas sociedades, antropólogos sociais que pouco acrescentaram à compreensão de processos de passaram a estudá-las enquanto totalidades e microcosmos em si. continuidade e descontinuidade social em uma perspectiva his- Em conseqüência da ausência de diferenciação entre os limi- tórica. tes da sua observação e os limites da sua investigação, antropó- Estas tendências e pressupostos de pesquisa, que predomina- logos tenderam a não averiguar possíveis inserções dessas socie- ram na antropologia inglesa até meados da década de 1950, fo- dades em contextos econômicos, políticos e sociais mais amplos. ram em grande parte marcados pela influência das perspectivas Como, também, estavam preocupados em preservar e. recuperar teóricas de Durkheim. Esta influência é visível no funcionalismo os costumes e as tradições aborígines existentes em períodos an- de Malinowski, principalmente no que se refere à sua insistência teriores à chegada de colonizadores e à penetração do capital, em caracterizar a cultura como um todo integrado composto de freqüentemente ou ignoravam ou atribuíam um papel desintegra- partes interdependentes. Torna-se, entretanto, decisiva no funcio- dor aos processos de mudança social. Mesmo quando estes pro- nalismo estrutural de Radcliffe-Brown, com sua ênfase na análise cessos eram levados em consideração, a tendência era a de se da ordem social nas sociedades primitivas. enfatizarem análises sobre aculturação, baseadas em um enfoque Formulado em um período de contestação às teorias evolu- sincrônico e atemporal. . cionistas, o funcionalismo estrutural de Radcliffe-Brown propor- Acompanhando interesses colonialistas, a antropologia britâ- cionou uma junção entre a antropologia britânica e a sociologia nica voltou, posteriormente, a sua atenção particular para o estu- durkheimiana. Como Gouldner (1970) já salientou, esta junção do de sociedades da África, que eram política e economicamente foi estimulada pela relevância dada por Durkheim aos estudos mais diferenciadas do que aquelas que haviam sido objeto de sincrônicos comparativos, englobando tanto as sociedades feudais suas primeiras pesquisas de campo. Entretanto, a tendência pre- quanto as tribais, numa direção não-evplutiva; por sua distinção dominante, até meados da década de 1950, foi a de transpor, para entre solidariedade mecânica (referente a quase todas as socie- contextos mais estratificados, os mesmos pressupostos básicos de dades do passado) e solidariedade orgânica (referente à sociedade pesquisa, que nortearam a formulação de seu modelo ideal de industrial moderna); e, neste contexto, por sua insistência em sa- sociedades simples e homogêneas. Como - corolário, antropólogos lientar a externalidade e autonomia da estrutura social, como con- perseveraram em delimitar a priori as suas unidades de pesquisa, dição normal e necessária para refrear e integrar os indivíduos. em termos de grupos corporativos, da "comunidade" ou da loca- Baseando-se nestas premissas, o funcionalismo estrutural possibi- lidade sob estudo. Embora procedimentos de pesquisa tivessem litou à antropologia britânica substituir teorias evolucionistás por sido refinados para investigar processos de mudança social, estes "estudos comparativos"." continuaram a ser analisados em termos sincrônicos e estáticos e, Deve-se salientar que as perspectivas teóricas de Durkheim quando muito, mediados por um antes e um depois. vinham ao encontro dos interesses dos etnógrafos com relação à 17 16

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