Ana Maria de Sousa Loureiro do Vale Pereira ALUNOS, APRENDENTES B APRENDIZES Um estudo etnobiográfico sobre percursos de formação Sob orientação do Professor Doutor José Alberto Correia UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação 2003 Ana Maria de Sousa Loureiro do Vale Pereira ALUNOS, APRENDENTES E APRENDIZES Um estudo etnobiográfico sobre percursos de formação Dissertação apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Doutor em Ciências da Educação, sob orientação do Professor Doutor José Alberto Correia UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação 2003 1 Resumo De acordo com vários autores, a metamorfose das condições sociais e os novos problemas que daí advêm obrigam a reequacionar o modelo escolar de formação e a procurar construir novos modos de aprender, assim como a valorizar novos saberes. Este estudo, partilhando dessas preocupações, pretende contribuir para conhecer, a lógica que subjaz à construção dos saberes experienciais, de outras formas de aprender, outros saberes, outras formas de relação com o saber, e pretende, sobretudo, realçar as dimensões formativas das experiências quotidianas, em particular as do trabalho produtivo (que aqui não se confunde com emprego). O trabalho empírico que, aqui se apresenta recorreu a narrativas de formação produzidas por 17 jovens adultos que tinham em comum o mesmo meio sócio-cultural de origem e o facto de serem pouco escolarizados, jovens aos quais, com o propósito de fugir a excessos de directividade, apenas se pediu que falassem dos seus percursos de formação. A abordagem narrativa, como as demais metodologias qualitativas, orienta-se por uma epistemologia interpretativa. Assim, para chegar dos relatos ao seu conteúdo, recorreu-se ao método das comparações constantes - Grounded analysis - conjuntamente com a análise estrutural de conteúdos e modelos culturais, um conjunto de procedimentos que possibilitou este meta- texto analítico. Embora cada narrativa se diferencie das demais, foi possível discernir as lógicas que orientam os saberes experienciais, o sentido que estes jovens adultos atribuem ao seu percurso de formação escolar e extra-escolar, assim como caracterizar os saberes e os processos de aprendizagem implicados nos percursos de formação experiencial extra escolar e, um ponto que se considera importante, evidenciar o papel insubstituível do sujeito (aluno, aprendente ou aprendiz), na pilotagem dos processos e percursos de formação. Por último, o presente estudo permite evidenciar as potencialidades da narrativa na reconstrução de conteúdos de vida. 3 Résumé Selon plusieurs auteurs, la métamorphose des conditions sociales et les nouveaux enjeux qui en résultent nous obligent à réévaluer le modèle scolaire de formation et à chercher à construire de nouvelles manières d'apprendre, ainsi qu'à valoriser de nouveaux savoirs. Cette étude, partageant ces préoccupations, s'entend comme un apport à une meilleur connaissance de la logique sous-jacente à la construction de savoirs expérienciels, d'autres manières d'apprendre, d'autres savoirs et d'autres types de relation avec le savoir, visant surtout à mettre en évidence les dimensions formatives des expériences quotidiennes, tout particulièrement celles du travail productif (qui n'est pas à confondre avec l'emploi). Ce travail empirique part des récits de formation produits par 17 jeunes femmes et jeunes hommes provenant du même milieu socioculturel et ayant une faible scolarisation, des jeunes auxquels, afin d'éviter trop de directivité, il n'a été demandé que de parler de leur parcours de formation. L'approche narrative, tout comme les autres méthodologies qualitatives, est orientée par une épistémologie interprétative. Ainsi, pour passer des récits à leur contenu, nous faisons appel à la méthode des comparaisons contrastantes - Grounded analysis - et à l'analyse structurelle des contenus et modèles culturels, un ensemble de procédés qui rend possible ce meta-texte analytique. Bien que chacun de ces récits soit unique et distinct, il est possible d'en dégager les logiques qui guident les savoirs expérientiels et le sens que ces jeunes adultes attribuent à son parcours de formation scolaire et extra-scolaire. Il est aussi possible de caractériser les savoirs et les processus d'apprentissage impliqués dans les parcours de formation expériencielle extra-scolaire et - un aspect particulièrement important - de mettre en avant le rôle irremplaçable du sujet (élève, apprenant ou apprenti) dans la conduite des processus et parcours de formation. Finalement, cette étude permet de faire ressortir les potentialités du récit dans la reconstruction de contenus de vie. 5 Abstract According to several authors, the modification of social conditions and the new problems arising thereof force us to revaluate the academic training/educational model and to try to build new ways of learning, as well as to value new types of knowledge. This study shares this concern and aims at contributing to a better insight into the logic behind the construction of experimental knowledge, of other ways of learning, other types of knowledge and other ways of relating with knowledge. Above all, it aims at emphasising the educational dimension of daily experiences, in particular of productive working experiences (which are not perceived here as employment). This empirical work used the accounts of 17 young adults about their training and educational experience. All these young adults had a similar social and cultural background and a lower formal education. In order to avoid too much directiveness, they were only asked to talk about their training/educational process. As other qualitative methodologies, the narrative approach is guided by an interpretative epistemology. Thus, in order to get from the accounts themselves to their content, the method of constant comparison - Grounded analysis - was used, together with a structural analysis of contents and cultural models - a set of procedures that allowed for this analytic meta-text. Although each account is different from all others, it was possible to identify the logic that guides experimental knowledge and the sense these young adults make out of their academic and non-academic training process, as well as to describe the type of knowledge and learning processes that intervene in non-academic experimental training. Another very important point was to stress the irreplaceable role of the subject (student, learner or apprentice) in steering his or her own training and learning processes. Finally, this research brings up the potential of accounts and narratives in reconstructing life contents. 7 Ao Bártolo, Joana e João "porque a força de um amor vive" Agradecimentos Ao Professor Doutor José Alberto Correia, uma constante referência ao longo do meu percurso académico, a confiança que em mim depositou, o interesse, ajuda e empatia na orientação deste trabalho e sobretudo a sua contribuição para o (des)envolvimento de uma reflexão crítica. Ao Dr. João Caramelo, a escuta activa e o apoio que desde o primeiro momento generosamente me dispensou. Ao Dr. Humberto Lopes, todo o apoio e cuidado na revisão final do texto. Às pessoas que amavelmente participaram neste estudo, a sua disponibilidade e a partilha dos seus percursos biográficos, sem a qual teria sido impossível. Ao Ministério da Educação, na figura da Senhora Directora Geral da Administração Educativa, terem-me proporcionado, através da equiparação a bolseira, as condições necessárias para a concretização deste projecto. À minha mãe, por o ter tornado possível. Ao Bártolo, por a cada momento me fazer sentir que "a vida é bela". Às minhas filhas, a quem me subtraí durante estes quatro anos, toda a compreensão e colaboração. 11 índice INTRODUÇÃO 17 PARTE I 35 FORMAÇÃO, UM CONCEITO PLURAL E DINÂMICO: UMA PROBLEMÁTICA 35 CAPÍTULO I 37 DA PALAVRA ÀS «COISAS» DA FORMAÇÃO 37 1. A etimologia da palavra 40 2. O campo semântico de formar 41 3. Os sentidos da formação 46 4. Para uma concepção tripolar da formação 47 4.1. A tripla lógica da formação 48 4.2. Uma lógica dominante, um problema 50 4.3. Uma quádrupla problemática 52 5. A abordagem ternária, uma teoria geral de formação 55 CAPÍTULO II 61 APRENDER, UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA 61 1. Da natureza à cultura: aprender a ser homem 64 2. Aprender, a essência da natureza humana 67 3. Aprender, um «universo de possíveis» 69 CAPÍTULO III 73 OS PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO COMO PROCESSOS NATURAIS DE FORMAÇÃO 73 1. O processo de socialização 76 1.2. Os mecanismos dos processos de socialização 77 1.2.1. A aprendizagem 78 1.2.2. A «interiorização do outro» 80 2. Socialização, um processo entre «conformidade e desvio» 83 3. Processos de socialização, a matriz dos processos de formação 87 13 CAPÍTULO IV 93 A EDUCAÇÃO INFORMAL: A VIDA QUOTIDIANA COMO VECTOR DE FORMAÇÃO 93 1. A emergência do conceito 95 2. A educação informal: definição e concepções 98 2.1. A natureza aberta e profana dos conteúdos 100 2.2. Os processos de aprendizagem 102 2.3. A emergência do «aprendente», um sujeito social que aprende 105 3. Para uma abordagem globalizadora da formação 112 CAPÍTULO V 117 A FORMAÇÃO EXPERIENCIAL: A REVALORIZAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA EXPERIÊNCIA 117 1. Da «aprendizagem experiencial» à «formação experiencial» 121 1.1. Experiência e formação do ponto de vista do Romantismo alemão 123 1.2. Experiência e formação na perspectiva pragmática 126 1.2.1. Dewey e a educação progressista 127 1.2.2. Kolb e a teoria da «aprendizagem experiencial» 129 1.2.3. Rogers, a aprendizagem experiencial centrada no aprendente 135 1.3. Mezirrow, a formação experiencial crítica 137 2. A experiência formadora 142 3. O saber experiencial: um «saber local de uso» corporalizado 147 4. A figura do aprendiz e aprendizagem experiencial 151 CAPÍTULO VI 157 FORMAÇÃO E IDENTIDADE 157 1. Da identidade imutável à identidade narrativa 159 1.1. A génese do conceito 160 1.2. A identidade como produção social 163 1.3. O Interaccionismo: o estilhaçar da concepção unitária de identidade 166 1.4. A identidade dinâmica: um feixe de possíveis identidades 168 1.5. As estratégias identitárias 173 1.5.1. A construção identitária: entre conformação e individuação 175 1.6. A identidade narrativa 185 PARTE II 191 UM ESTUDO ETNOBIOGRÁFICO SOBRE PERCURSOS DE FORMAÇÃ0191 CAPÍTULO I 193 14 UM CAPÍTULO EPISTMO - METODOLÓGICO 193 1. O posicionamento: o interpretativismo reflexivo 195 2. A abordagem biográfica 202 2.1. Algumas notas históricas sobre a abordagem biográfica 203 2.2. Fundamentos teóricos 206 2.3. A orientação etnobiográfica 211 2.4. A narrativa: de género literário a instrumento de investigação 218 3. O roteiro do estudo 230 3.1. A teoria fundamentada (grounded theory) como referência 231 3.2. A amostragem teórica: a intencionalidade da recolha de dados 233 3.3. A recolha de dados: a narrativa de formação 239 3.4. O tratamento dos dados: a grounded analysis ou método comparativo constante 244 3.4.1. Etapas do procedimento 248 3.4.2. A análise estrutural de conteúdos e modelos culturais 252 3.5. Um breve retrato do terreno 254 PARTE III 263 DOS DISCURSOS AOS PERCURSOS DE FORMAÇÃO 263 CAPÍTULO I 265 DESMOBILIZADOS PARA A ESCOLA, MOBILIZADOS PARA TRABALHAR... 265 1. Desmobilizados para a escola, mobilizados para trabalhar por opção267 1.1.0 papel da família 274 1.2. A ausência de projecto 275 2. Desmobilizados para a escola, mobilizados para o trabalho, por condição 282 3. Desmobilizados para a escola, mobilizados para o trabalho por saciedade 290 4. Uma história singular 295 CAPÍTULO II 301 A RELAÇÃO COM A ESCOLA E O SABER ESCOLAR 301 1. A imagem de si enquanto aluno 304 2. As figuras do «aprender» escolar 314 3. A percepção do tempo escolar 321 4. Diferentes «ideais-tipo» de relação com a escola e o saber escolar 325 15
Description: