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Alfredo Da Matta e as leishmanioses no Amazonas PDF

13 Pages·2014·0.19 MB·Portuguese
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Alfredo Da Matta e as leishmanioses no Amazonas Denis G. Jogas Junior *. Se a grande Amazônia, em seus aspectos excepcionais de um mundo novo e resplendente de maravilhas sem fim, tem constituído o maior tesouro de sábios naturalistas, fornecendo-lhes farta messe de elementos valiosos para ilustrar a história natural do Universo; se ao poeta e ao romancista os grandes dramas da vida humana, desenrolados naquelas florestas, têm inspirado uma imensa literatura épica, cujas páginas mais belas glorificam o heroísmo do homem em luta permanente com a inclemência das coisas; se o estudo descritivo de observadores sagazes e sábios em assuntos vários fotografa aos nossos olhos extasiados toda a majestade daquele mundo que desconhecemos; se, afinal, sob esse e ainda sob outros muitos e interessantes aspectos, a grande Amazônia tem sido estudada e proveitosamente esclarecida: certo é que, no ponto de vista médico, ela permanece ignorada, se não objeto de fantasias aterradoras, que malsinam o vale do nosso rio gigante. Carlos Chagas, Palácio Monroe, 1913 1. Quando retornou de sua viagem ao vale do Amazonas, Carlos Chagas realizou uma palestra no Palácio Monroe, conforme havia sido previamente combinado no contrato firmado entre a Superintendência de Defesa da Borracha e o Instituto Oswaldo Cruz. Nessa ocasião, mediante um grande público de médicos e curiosos que lotava as tribunas da Exposição Nacional da Borracha2, o cientista de Manguinhos iniciou sua exposição com referências aos * Mestrando no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. E-mail: [email protected]. 1 CHAGAS, Carlos. Notas sobre a epidemiologia do Vale do Amazonas. In: Cruz, Oswaldo; Chagas, Carlos; Peixoto, Afrânio. Sobre o saneamento da Amazônia. Manaus: Philippe Daou, 1972, p. 159. mistérios e as incógnitas representados pelo território amazonense, para, em seguida, dissertar e dar sua avaliação sobre as condições de vida e epidemiológicas das populações nas regiões interioranas, e produtoras de borracha, daquele estado3. Carlos Chagas qualificava essa região como um “mundo novo e resplendente de maravilhas sem fim”, que, a despeito de já ter contribuído significativamente para diversas áreas do conhecimento, como história natural, poesia e literatura, ainda permanecia ignorado ou era “objeto de fantasias aterradoras” do “ponto de vista médico”. De acordo com o cientista, isso acontecia por que “falsas doutrinas sanitárias” baseadas “em questões telúricas ou atmosféricas” fundamentavam “uma suposta inadaptação do homem àquelas regiões”, e serviam de justificativa para os altos índices endêmicos encontrados nas comunidades do interior dos rios do Amazonas 4. Em sua visão, para reabilitar, sanitariamente, essa região, seria necessário “abandonar o terreno ingrato de doutrinas mais ou menos arbitrárias, para entrar na realidade científica, à luz dos conhecimentos modernos”, cujo “métodos atuais de pesquisa”, faziam “da medicina, uma ciência exata”. Somente desse jeito, seria possível “formular noções epidemiológicas seguras; que serviriam de base a um conjunto de medidas práticas, muito capazes de reabilitarem, do ponto de vista sanitário, as ubérrimas terras da borracha” 5. Já no início de sua palestra, o cientista de Manguinhos forneceu indícios sobre suas percepções do território amazonense e reforçou estereótipos relacionados à ausência de prática médica “à luz dos conhecimentos modernos” nessa região; que, em sua opinião, seria o principal motivo do constante estado mórbido do interior do Amazonas. No entanto, na capital do estado – principal, se não único, destino dos enfermos proveniente dos seringais da borracha – existia uma comunidade médica minimamente organizada em torno do periódico 2 De acordo com o Jornal do Commercio a “concorrência” para entrar na exposição foi “ainda maior do que das noites anteriores”, pois “era geral a curiosidade de ouvir aquele médico sobre a epidemia da Amazônia.Jornal do Commercio, “Exposição Nacional da Borracha”. 18/10/1913. 3 Para maiores informações sobre a expedição de Carlos Chagas no vale do Amazonas. Cf: SCHWEICKARDT, Júlio e LIMA, Nísia. “Do "inferno florido" à esperança do saneamento: ciência, natureza e saúde no estado do Amazonas durante a Primeira República (1890-1930).” Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. vol.5, n.2, 2010 4 CHAGAS, Carlos. Notas sobre a epidemiologia do Vale do Amazonas. op. cit., pág. 160. 5 Ibidem. 2 científico Amazonas Médico e atuante no que diz respeito à pesquisa científica destinada a resolução das moléstias que se configuravam como problemas de saúde pública nessa região, publicando constantemente os resultados de seus trabalhos em periódicos médicos nacionais e estrangeiros. Pensando nessa contradição e indo na contramão das tradicionais e persistentes imagens de isolamento e ausência da prática médica “moderna” no Amazonas, esse trabalho tem por principal objetivo demonstrar que essa região, seus médicos e instituições científicas não estavam isolados no início do século XX, mas sim, participavam ativamente de processos internacionais de construção de conhecimento científico sobre determinadas doenças tropicais, chegando a contribuir significativamente para resoluções de questões consideradas de grande relevância. Nessa oportunidade, mais especificamente, demonstrarei que as pesquisas desenvolvidas pelo médico Alfredo Da Matta sobre as leishmanioses, na capital amazonense, durante as primeiras décadas do século XX, além de estarem em sintonia com os principais cânones metodológicos da microbiologia e da medicina tropical, foram propulsoras de sistematizações taxionômicas e de definidores de relações de causalidade patógeno – manifestação clínica das leishmanioses no continente americano 6. Ao desenvolver essa apresentação, pretendo evidenciar algumas ligações, nem sempre explicitas, de uma grande e complexa rede que envolvia diferentes cientistas, instituições, regiões e nacionalidades, com principal objetivo de compreender questões relacionadas aos protozoários do gênero Leishmania e de suas diferentes manifestações humanas. Para isso, iniciarei dissertando sobre a construção do entendimento médico sobre esse grupo de moléstias no início do século XX, para em seguida, demonstrar a maneira pela qual os trabalhos desenvolvidos por Da Matta no Amazonas entraram nesse debate médico internacional e quais foram às contribuições desse pesquisador para um determinado processo de produção do conhecimento científico. 6 Considero relevante destacar que além de sua atuação no tocante as leishmanioses, Alfredo Da Matta também publicou outros trabalhos considerados originais e relevantes no campo da parasitologia, como a descrição, em 1919, de um vetor diferenciado da doença de Chagas no Amazonas, contudo, esse trabalho se focará nos seus estudos relacionados às leishmanioses. Em outra oportunidade abordaremos as questões relativas à descrição desse vetor. 3 As leishmanioses no debate médico do início do século XX Apesar de serem consideradas “doenças antigas”, com relatos milenares da presença e do conhecimento dessas moléstias em sociedades árabes tradicionais no Oriente7, o grupo de doenças designado, atualmente, como leishmanioses, só teve suas relações de identidade estabelecidas no início do século XX. Antes disso, sob o paradigma miasmático, o kalazar era considerado uma “infecção secundária associada à malária” 8 e o botão do Oriente, considerado uma manifestação patógena completamente diferenciada, era, na maioria das vezes, associado a determinados depósitos de águas insalubres ou de má qualidade de domínios coloniais ingleses e franceses 9. Não havia, então, nenhuma tese médica que sustentasse a ideia de identidade entre essas duas moléstias com cursos clínicos tão díspares. Em 1903, ainda sendo consideradas doenças absolutamente distintas, são identificados parasitologicamente e em diferentes ocasiões tanto os agentes patógenos do kalazar quanto o do botão do Oriente. Os cientistas ingleses William Leishman e Charles Donavan associaram, em dois trabalhos consecutivos, um mesmo protozoário ao kalazar. Suas conclusões suscitaram a criação do gênero Leishmania para o enquadramento do patógeno que ficou conhecido como Leishmania donavani 10. Nesse mesmo ano, o cientista norte-americano James Homer Wright identificou protozoários que considerou serem os responsáveis pelo botão do Oriente, em uma menina armênia, cujo nomeou-o Helcosoma tropica e obteve 7 KILLICK-KENDRICK, Robert. Oriental sore: an ancient tropical disease and hazard for European travelers. Wellcome History. Vol. 43, p. 5. 8 LAVERAN, Alphonse. Leishmanioses. Kala-Azar, Bouton d’Orient, Leishmaniose Americaine. Manson et Cie. Ed. Paris, França, 1918, p. I 9 Ibidem. 10 Para um melhor entendimento sobre esse processo e uma abordagem dos desdobramentos dos estudos sobre a Leishmaniose Visceral no Brasil, Cf.: GUALANDI, Frederico. Medicina tropical no Brasil: Evandro Chagas e o estudo sobre a leishmaniose visceral americana década de 1930. Dissertação (mestrado em história das ciências e da saúde). Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2013. 4 reconhecimento da comunidade médica internacional para suas conclusões 11. Mas foi somente, em 1906, que o cientista alemão Luhe, observando as semelhanças morfológicas entre a Leishmania donavani e o Helcosoma tropica, propôs que esse último fosse renomeado como Leishmania tropica e passasse a fazer parte desse novo gênero 12, forjando assim uma identidade entre essas duas manifestações patógenas absolutamente distintas. No Brasil, a primeira detecção parasitológica de protozoários do gênero Leishmania ocorreu em 1909, por ocasião de uma epidemia que grassava entre os operários contratados para a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em Bauru, São Paulo. Nessa ocasião, Adolpho Lindemberg do Instituto Bacteriológico de São Paulo e Antonio Carini e Ulisses Paranhos, do Instituto Pasteur de São Paulo divulgaram, quase simultaneamente, resultados de pesquisas que demonstravam a presença de corpúsculos de Leishmania nas úlceras apresentadas pelos enfermos. Nesses artigos, publicados tanto em periódicos médicos nacionais quanto nos estrangeiros, os cientistas defendiam que, apesar de terem encontrados algumas manifestações clínicas diferenciadas, os protozoários encontrados nessas úlceras deveriam ser identificados à L. tropica; conhecida na Europa e endêmica nas regiões orientais do globo terrestre 13. A partir de então, novas detecções parasitológicas passaram a confirmar a existência do botão do Oriente em diferentes regiões do país, como em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e no Amazonas, aumentando significativamente a importância epidemiológica e a amplitude territorial dessa moléstia no Brasil. Já em 1911, determinados médicos atuantes no estado de São Paulo como Bueno de Miranda, Affonse Splendore e Antonio Carini, observando casos em que protozoários do gênero Leishmania eram encontrados nas vias mucosas e nasais de enfermos, passaram a advogar a possibilidade de 11 WRIGHT, James Homer. Protozoa in a case of tropical ulcer ("Delhi sore"). The Journal Of Medical Research, Boston, 1903. 12 JACOBSON, Raymond. Leishmania Tropica (Kinetoplastida: Trypanosomatidae). Folie Parasitlogica. n. 50, 2003. 13 CARINI, Antonio & Paranhos, Ulisses. Identificação das úlceras de Bauru ao Botão do Oriente. Revista Médica de São Paulo. N. 6, 1909; LINDEMBERG, Adolpho. A ulcera de Bauru e seu micróbio. Comunicação preventiva. Revista Médica de São Paulo. N. 6, 1909. 5 existência de um agente patógeno diferenciado em casos anômalos de leishmaniose encontrados na América do sul 14. De acordo com as suas observações, quando comparados aos tradicionais quadros do botão do Oriente, as manifestações clínicas encontradas no território americano apresentavam um curso clínico muito mais extenso e devastador, além do comprometimento das vias nasais e mucosas de seus portadores, nunca observados nos casos existentes na Europa e no Oriente. Esses cientistas atuantes no estado de São Paulo passaram a advogar a ideia de existência de uma (ou mais) forma(s) “americana” de leishmaniose. Nesse mesmo ano, Gaspar Vianna, pesquisador paraense, que acabava de ser contratado pelo Instituto Oswaldo Cruz, publicou, no período científico Brazil Médico, uma nota preliminar afirmando ter encontrado parasitos do gênero Leishmania diferenciados em um caso clínico anômalo dessa doença em um paciente era proveniente de Minas Gerais e que estava internada no Hospital de Misericórdia do Rio de Janeiro. Segundo Vianna, a observação da presença de um filamento intracelular no protozoário encontrado caracterizaria de modo nítido, a particularização desse patógeno, cujo batizou de Leishmania Brasilienses e concluiu afirmando estar “aguardando estudos posteriores para minuciosa descrição morfológica e biológica” 15. Essa caracterização de um protozoário diferenciado na América do sul, contudo, nunca foi uma opinião unanime entre os diferentes atores que participavam desse debate médico à época e suscitou um intenso debate científico durante toda década de 1910, que envolveu diferentes pesquisadores brasileiros, outros latino-americanos e europeus. Apesar de suas manifestações clínicas serem completamente distintas, não era possível observar diferenças morfológicas nesses patógenos. Tanto o filamento indicado por Vianna, como outros sinais de diferenciação propostos nesse momento, como seu tamanho, suas dimensões e sua concentração, não se demonstravam válidos para servirem como tal, visto que não eram 14 MIRANDA, Bueno. . Revista Médica de São Paulo. 1910, p. 500; SPLENDORE, Affonso. Leishmaniosi con localizzazione nelle cavità mucose (nuova forma clinica). (avec résumé français). Bulletin de la Société Pathologie Exotique. Paris, França, 1912, vol. 5, n. 6, p. 411; CARINI, Antonio. Leishmaniose de la muqueuse rhino-bucco-pharyngée, Bulletin de la Société Pathologie Exotique. Paris, França, 1911, vol. 4, n.5, p. 289. 15 VIANNA, Gaspar. “Sobre uma nova espécie da Leishmania”. Brazil Médico, Rio de Janeiro, Brasil. 1911, p. 411. 6 características únicas nem constantes desse protozoário que queriam particularizar do gênero Leishmania. No cenário médico europeu, esse debate continuava e ganhava novos e renomados integrantes, se o cientista inglês Patrick Manson, defendia, nas sucessivas edições de Tropical Diseases, que as diferentes manifestações de leishmanioses estavam relacionadas aos papeis desempenhados por vetores e/ou hospedeiros intermediários distintos e ainda desconhecidos em sua transmissão 16, Alphone Laveran, na França, reclamava para si e para o pesquisador Nattan-Larrier o mérito pela descrição da Leishmania tropica var. americana, como agente patógeno das modalidades diferenciadas de leishmanioses encontradas em regiões da América do sul, em seus sucessivos artigos escritos no Bulletin de la Société de Pathologie Exotique e em seu livro “Leishmanioses. Boton d’Orient, Kalazar et Leishmaniose Americaine”de 191717. É justamente no processo de validação de formas americanas de leishmanioses que os trabalhos produzidos, no Amazonas, por Alfredo Da Matta passaram a fazer parte desse debate científico internacional sobre as leishmanioses. Dialogando constantemente com Alphonse Laveran, o cientista brasileiro contribuiu com conhecimentos científicos originais que foram considerados significativos para a compreensão das diferentes manifestações desse grupo de doenças ocasionadas por protozoários do gênero Leishmania. No próximo tópico demonstrarei, mais especificamente, a maneira pela qual os trabalhos produzidos por Da Matta passaram a fazer parte desse debate médico internacional e quais eram suas contribuições nesse processo. Leishmanioses, trópicos e medicina tropical. 16 MANSON, Patrick, Tropical Diseases – A manual of Warms Climates. 5. Ed. Londres, 1914, p. 213. 17 LAVERAN, Alphonse & NATTAN-LARRIER, Louis. Contribution à l'étude de la espundia. Bulletin de la Société Pathologie Exotique. Paris, França, 1912, vol. 5, n.3, p. 177; LAVERAN, Alphonse. Leishmanioses. Kala-Azar, Bouton d’Orient, Leishmaniose Americaine. Op. cit. 7 Alfredo Da Matta se formou em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1893. Residindo em Manaus desde 1894, foi editor chefe do periódico científico Amazonas Médico, desde seu lançamento, em 1909, e um dos cientistas mais atuante do Amazonas durante a Primeira República. Qualificado como um “cientista múltiplo” 18, Da Matta publicou 234 artigos sobre diferentes temas, sobretudo, em periódicos médicos nacionais e estrangeiros 19. Seu primeiro trabalho versando sobre as leishmanioses no Amazonas, “Leishmaniose tropica – (Nota clínica do primeiro caso observado em Manaus)”, foi publicado na Revista Médica de São Paulo, em 191020. Nessa ocasião, relatou ter diagnosticado casos clássicos de botão do Oriente em pacientes que trabalhavam no interior desse estado, os atribuiu à ação da L. tropica e, ao especular sobre os seus mecanismos de transmissão, uma das questões latentes de pesquisa à época, relacionou sua veiculação ao Dermacentor electus, vulgarmente conhecido na região como “carrapatinho”, que, de acordo com o pesquisador, era “uma verdadeira praga e tormento para os trabalhadores de certas matas” bem como o botão do Oriente21. Exibindo uma fotografia da perna de um dos enfermos, Da Matta demonstrou a similaridade dos casos por ele estudados com as manifestações típicas dessa moléstia endêmica no Oriente e também com aquelas encontradas por Lindimberg e Carini e Paranhos, em Bauru, São Paulo, no ano anterior. Nesse artigo, ficou claro que os seus principais objetivos foram os de relatar a existência do botão do Oriente, por conseguinte da L. tropica, no Amazonas e de propor que tivesse como o seu transmissor, o Dermacentor electus, no linguajar local, conhecido como “carrapatinho”. Após o início da veiculação das pesquisas realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro sobre as formas mucosas de leishmanioses, e de Carlos Chagas ter demonstrado, em 1913, 18 SCHWEICKARDT, Júlio. Ciência, nação e região: as doenças tropicais e o saneamento no Estado do Amazonas (1890-1930), Tese (Doutorado Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde) – Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz, 2009, pág. 100. 19 Ibidem, p. 103. 20 Leishmaniose trópica – (Nota clínica do primeiro caso observado em Manaus), in- Revista Médica de São Paulo, 1910. 21Ibidem, p. 440. 8 que as manifestações clínicas conhecidas, no Amazonas, como feridas bravas equivaliam a essa modalidade de leishmaniose22, Alfredo Da Matta voltou suas pesquisas para a investigação das relações de causalidades estabelecidas entre essas manifestações e seus patógenos. Em 1915, esse pesquisador publicou três artigos no periódico Brazil Médico, que versavam sobre essas formas mucosas da leishmaniose e suas propostas de classificações taxonômicas 23. Devido a Amazônia ser considerada uma região central para a compreensão da categoria de doenças tropicais à época, e as leishmanioses, um grupo de doenças que ainda estava em construção, fizeram com que as investigações desenvolvidas por Da Matta passassem a chamar a atenção do pesquisador francês Alphonse Laveran; que como presidente da Société de Pathologie Exotique, e editor chefe do Bulletin de la Société de Pathologie Exotique, convidou Da Matta a participar de uma rede de pesquisadores correspondentes dessa instituição, que, espalhados por diferentes lugares considerados estratégicos no globo terrestre, tinham por objetivo produzir conhecimento científico destinado a compreensão das questões etiológicos das diferentes doenças tropicais (ou exóticas) ao redor do mundo. O primeiro artigo que Alfredo Da Matta publicou no BSPE, como pesquisador correspondente, foi “Sur les leishmanioses tegumentaires, classification génerale dês leishmanioses”, era uma versão, em francês, do artigo que havia publicado em 1915 no Brazil Médico “Subsídio para o estudo da fisionomia clínica, classificação e sinonímias das Leishmanioses na América do Sul”. Nessas oportunidades, Da Matta vislumbrou a primeira classificação taxionômica das diferentes modalidades de leishmanioses, propôs dividi-las em tegumentares e viscerais, e indicou seus respectivos patógenos no continente americano, na Europa e à Oriente. 22 CHAGAS, Carlos. Notas sobre a epidemiologia do Vale do Amazonas. op. cit., pág. 160. 23 DA MATTA, Alfredo. Leishmaniose cavitária. Brazil Médico, Rio de Janeiro, 1915; Idem, Subsídio para o estudo da fisionomia clínica, classificação e sinonímias das Leishmanioses na América do Sul. Brazil Médico, 1915; Idem, Bouba e Leishmaniose são doenças distintas. Sinonímias das Leishmanioses na América do Sul, particularmente no Brasil. Brazil Médico, n. 23, 1915, Rio de Janeiro. 9 De acordo com sua classificação, um protozoário particularizados das Américas, a Leishmania brasiliensis, descrito por Gaspar Vianna em 1911, seria o agente patógeno tanto de modalidades cutâneas (espundia) como mucosas e mucocutâneas de leishmanioses. A partir de então, a espécie Leishmania em questão, passou a ser denominada Leishmania braziliensis Vianna 1911, emend Matta, 1916 em referência a descrição do protozoário por Vianna, em 1911, e a sistematização de seus quadros clínicos por Da Matta, em 1916, quando os trabalhos realizados por esse cientista ganharam projeções ao serem publicados no periódico francês BSPE. Contudo, ainda atualmente, muitos estudiosos das leishmanioses atribuem que a participação de Alfredo Da Matta a uma simples correção ortográfica da grafia de “braziliensis”, alegando que esse cientista tivesse corrigido o erro de Gaspar Vianna ao nomea-lo com S e grafando “brasilienses”. Essa Versão não se sustenta na medida em que, como podemos observar na tabela exposta nesse trabalho (tabela 1), Alfredo Da Matta sempre grafou o nome desse protozoário como “brasiliensis” e na verdade o próprio Gaspar Vianna já havia grafado o nome “americanizado” “braziliensis”, em artigo de 1914, no periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 24. Como foi demonstrado por Benchimol e Silva (2008), a americanização das nomenclaturas científicas é um processo histórico de hegemonização empreendido pelos Estados Unidos na produção de ciência que tem suas raízes na deflagração da Primeira Guerra Mundial e a perda da hegemonia alemã nesse campo de influencia. De acordo com esses autores é devido a esse processo que o periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz passou a veicular seus artigos na língua inglesa 25. Alfredo Da Matta foi um cientista atuante no Amazonas que no início do século XX produzia conhecimento científico sobre determinadas moléstias locais, publicava e debatia autoridades científicas europeias sobre suas observações realizadas a partir da capital amazonense. Seus trabalhos se configuraram como a primeira classificação taxionômica das leishmanioses e serviram para atribuir um protozoário diferenciado, a L. braziliensis, a determinadas manifestações cutâneas (espundia), mucosas e mucocutâneas de leishmanioses, 24 VIANNA, Gaspar. Parasitismo da célula muscular lisa pela leishmania Brazilienses. Memórias do IOC, 1914. 25 BENCHIMOL, Jaime e SILVA, André. “Ferrovias, doenças e medicina tropical no Brasil da Primeira República”. Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 2008, p. 749. 10

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“Do "inferno florido" à esperança do saneamento: ciência, natureza e saúde no estado do Kala-Azar, Bouton d'Orient, Leishmaniose Americaine.
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