Alfredo Bronzato da Costa Cruz Uma versão da institucionalização do movimento cristão : a História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia Monografia apresentada à Graduação em História da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em História. Orientador: Prof.a Silvia Patuzzi Rio de Janeiro Dezembro de 2009 Ficha Catalográfica Cruz, Alfredo Bronzato da Costa Uma versão da institucionalização do movimento cristão : a História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia / Alfredo Bronzato da Costa Cruz ; orientadora: Silvia Patuzzi. – 2009. 283 f. ; 30 cm Monografia (Graduação em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Inclui bibliografia 1. História – Monografias. 2. Teoria e história da historiografia. 3. Eusébio de Cesaréia – História Eclesiástica. 4. História da historiografia antiga. 5. História do movimento cristão. I. Patuzzi, Silvia. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de História. III. Título. CDD: 900 Dedicado a Ir. Leiza Azenaide, Serva da Ssma. Trindade, que em uma despretensiosa conversa de fim de manhã foi a primeira pessoa a me indicar o quanto – positiva e negativamente – o cristianismo ainda continua em nossos dias a repousar sobre o legado imperial romano, e a Augusto Sampaio e Jadir Cruz, que tenho a imensa alegria de poder chamar de amigos. Diz uma história do folclore judaico que, a cada geração, há trinta e seis pessoas realmente boas e justas (os lamed vavnik) cujos méritos, que ignoram, são o fundamento do mundo. Geralmente trabalhando no anonimato, ajudam eles a tornar este planeta um lugar mais habitável e decente, e deste modo fazem Deus continuar a se alegrar com o que criou (Gênesis 1, 31). Não há palavras para expressar o quanto me honra ter podido estar em contato com pelo menos três destas nos mais recentes anos de minha vida. AGRADECIMENTOS Muitas pessoas contribuíram de muitos modos para que eu conseguisse conceber o plano deste trabalho, realizar a pesquisa no qual ele se sustenta e redigi-lo – ainda que se deva registrar que todas as falhas que nele constam se devem a erros e incompreensões unicamente meus. Todas elas foram importantes, favoráveis cada um a seu modo a este esforço, mas algumas merecem especial menção nestas páginas. Agradeço a meus pais, Dilene Teresa Bronzato e José Alfredo Fruz, por todo incentivo e apoio dado, e em especial por terem me ensinado que, antes de qualquer outra coisa, o estudo deve ser fonte de realização pessoal. Agradeço também a outros familiares que me incentivaram especialmente nestes tempos mais recentes: Célia Bronzato e Ary Rodrigues, Jacira Cruz, Jadira Cruz e, de modo muito especial, a Jadir Cruz, com quem tive a honra de poder passar muitas horas discutindo as mais diversas idéias. Agradeço àquelas pessoas que foram imprescindíveis por seu incentivo e sua intervenção – pequenos que lhes parecessem – para que eu ousasse vir para o Rio de Janeiro fazer a Graduação em História na PUC-Rio e aqui me mantivesse: Ir. Leiza Azenaide, Serva da Ssma. Trindade, Pe. Medoro de Oliveira, Pe. Paulo Cezar Costa, antigo pároco e mais recentemente mestre e interlocutor das idéias que presidiram a redação desta monografia, e D. Elias James Manning, O.F.M., bispo diocesano de Valença. Também faço um destaque especial para os que de forma determinante foram um apoio nesta caminhada até aqui: Augusto Sampaio e sua estimada esposa, que demonstraram para comigo reiteradas vezes uma preocupação que considerei completamente surpreendente. Agradeço a tantos professores cujas aulas, conversas e convivência me nutriram de forma especial, aproveitando para advertir que as marcas que estas deixaram em mim talvez possam ser bastante evidentes nas linhas que se seguem. Da PUC-Rio devo destacar Ricardo Benzaquen de Araújo, sempre gentil e solícito, exemplo daquilo que o nosso ofício de historiadores tem de mais erudito e bem articulado, e Silvia Patuzzi, orientadora deste trabalho, que depositou em mim uma imensa confiança ao dar-me a liberdade de arranjar e executar este trabalho quase da maneira como eu achasse que deveria fazê-lo, além de ter sido ajuda da maior valia nos períodos de maior dificuldade e ter demonstrado proverbial paciência com minhas angústias e prazos ignorados, ambos do meu Departamento de História; e Lina Boff, Maria Clara Bingemer e o já referido Pe. Paulo Cezar Costa, do Departamento de Teologia. Também a Lair Amaro, de quem assisti no segundo semestre do corrente ano as enriquecedoras aulas do curso “O Jesus Histórico e as Origens do Cristianismo”, ministrado no Centro Loyola de Fé e Cultura da PUC-Rio; a Heloisa Bertol Domingues, amiga e incentivadora de todas as horas, que foi minha orientadora de Iniciação Científica (2007-2009) no Projeto “História da Antropologia no Acervo Luiz de Castro Faria” (MAST / MCT); e a Magali Romero Sá, de quem sou atualmente auxiliar de pesquisa (Fiocruz / Casa de Oswaldo Cruz), muitíssimo compreensiva comigo nestas complicadas semanas de revisão, entrega e apresentação de minha Monografia. Registro também um muito obrigado a Celso Taveira, da Universidade Federal de Ouro Preto, que, não obstante o fato de não me conhecer pessoalmente, com satisfação e presteza disponibilizou-me um texto de difícil acesso no qual tinha especial interesse. Agradeço àqueles diversos amigos e amigas que tornaram esta lida mais suportável ao me honrar com sua companhia, e dentre estes destaco Leandro Cesar Bedetti, Rafael Carlos Francisco, Estevão Anísio, Paulo José Belisário, Juliana Pereira, André Calcagno, Maria de Belém, Leonardo Silva, Eduardo Gonçalves, Ana Toledo, Leandro Cavalcanti, Fernanda Giesta – e seu pai, Antônio Muccillo, que sem sombra de dúvidas foi a pessoa com quem mais conversei sobre o Império Romano e os problemas da História e da Historiografia Antigas em toda a minha vida –, Bruno Sampaio, Rafael Rochê, Carlos Taveira e Ricardo Milani. De um modo muito especial, também agradeço a Isabella Menezes, por seu incentivo, interesse, companheirismo e (eventualmente notável) compreensão, sempre disposta a me ouvir e a me ajudar a conduzir da melhor maneira possível todas as fases de elaboração e redação deste trabalho. Foram pessoas que fizeram – e felizmente continuar a fazer – a minha vida mais agradável, e que não poucas vezes estiveram dispostas a tomar como suas as minhas dúvidas, angústias e esperanças. Não há palavras no mundo para agradecê- los por isto. Agradeço também a PUC-Rio pela concessão de bolsa de estudos integral para a Graduação em História do primeiro semestre de 2005 ao segundo semestre de 2009, fazendo-o na pessoa do Vice-Reitor Comunitário, o supra-citado Augusto Sampaio, e de toda a sua equipe de trabalho. Resumo : O presente trabalho é uma análise possível da História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia, obra na qual este bispo se propôs a fazer a crônica do cristianismo desde as suas origens até o seu favorecimento pelo Imperador Romano Constantino. Através da consideração de seu lugar de fala, temas, fontes e estratégias argumentativas, pretende-se aí esclarecer a partir de quais lentes pôde este autor apreender e narrar a trajetória histórica do movimento cristão, e como tal investigação e discurso se relacionam com o progressivo ancoramento de uma facção deste como instituição sociopolítica que se pretendia guardiã de uma verdade exclusiva e incontestável. Na seqüência de seus capítulos, tratamos sucessivamente das bases materiais que viabilizaram a produção intelectual de Eusébio; dos pressupostos teórico-metodológicos que nos permitem lidar com estas de modo inter-relacionado e mutuamente esclarecedor; dos grandes temas e matrizes intelectuais que se articulam em sua escrita e fornecem a sustentação para um método específico de raciocínio e construção discursiva da verdade (e do erro); de como estes possuem afinidades com as idéias e posicionamentos político-doutrinários do bispo de Cesaréia, fornecendo, por um lado, a sustentação para a sua militância durante as controvérsias cristológicas do século IV e, por outro, um esteio lógico para o modelo de vinculação entre Igreja e Império Romano que se edificava neste mesmo período. Palavras-chave : 1. Eusébio de Cesaréia – História Eclesiástica; 2. História da Historiografia Antiga; 3. História do Movimento Cristão. SUMÁRIO UM LIVRO QUE CONTÉM UM BISPO (OU : A GLÓRIA DE EUSÉBIO) .............. 9 I .............................................................................................................................................. 9 II ........................................................................................................................................... 11 III .......................................................................................................................................... 17 A BIBLIOTECA DE CESARÉIA .................................................................................. 22 I ............................................................................................................................................ 22 II ........................................................................................................................................... 36 III .......................................................................................................................................... 45 POSSÍVEIS SIGNIFICADO HISTÓRICO E RAÍZES INTELECTUAIS DA HISTÓRIA ECLESIÁSTICA .......................................................................................... 65 I ............................................................................................................................................ 65 II ........................................................................................................................................... 76 III ........................................................................................................................................ 122 IV ........................................................................................................................................ 127 V ......................................................................................................................................... 145 VI ........................................................................................................................................ 172 DA PAX ROMANA À PAX CHRISTI (OU VICE-VERSA) ................................... 189 I .......................................................................................................................................... 189 II ......................................................................................................................................... 202 III ........................................................................................................................................ 223 IV ........................................................................................................................................ 245 V ......................................................................................................................................... 265 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 271 “Eu poderia ter vivido na época de Constantino, trezentos anos depois da morte do Salvador,do qual se sabia apenas que tinha ressuscitado como um Mitra ensolarado entre os legionários romanos. Eu teria testemunhado a disputa entre homoousios e homoiousios, sobre se a natureza de Cristo é divina ou se somente se assemelha à divindade. Provavelmente eu teria votado contra os trinitários, pois quem alguma vez pôde adivinhar a natureza do Criador? Constantino, Imperador do Mundo, janota e assassino,fez a balança pender para um lado no Concílio de Nicéia,de modo que nós, geração após geração, meditamos sobre a Santa Trindade, Mistério dos mistérios, sem o qual o sangue do homem teria sido alheio ao sangue do universo e o derramamento de Seu próprio sangue por um Deus sofredor, que se ofereceu a Si mesmo como sacrifício inclusive quando estava criando o mundo, teria sido em vão. Assim, Constantino foi simplesmente um instrumento indigno, inconsciente do que estava fazendo para pessoas de épocas distantes?E nós, sabemos para o que estamos destinados?” CZESLAW MILOSZ, “O Imperador Constantino” “O final da história só pode ser contado por metáforas, uma vez que se passa no reino dos céus, onde não há tempo. Talvez coubesse dizer que Aureliano conversou com Deus e que Este se interessa tão pouco pelas diferenças religiosas que o tomou por João da Panônia. Isso, no entanto, insinuaria uma confusão da mente divina. É mais correto dizer que, no paraíso, Aureliano soube que para a insondável divindade ele e João da Panônia (o ortodoxo e o herege, o abominador e o abominado, o acusador e a vítima) constituíam uma única pessoa.” JORGE LUIS BORGES, “Os teólogos” Introdução UM LIVRO QUE CONTÉM UM BISPO (OU: A GLÓRIA DE EUSÉBIO) I. “Seria agradável, portanto, pensar nela como a coruja de Minerva, alçando vôo no anoitecer de uma era intelectual. Mas ela tem uma organização que se assemelha mais ao vôo do inconstante pássaro pós-modernista, movendo-se em círculos hermenêuticos decrescentes, até que... E a referência a Minerva também não deve ser tomada por uma reivindicação de conhecimento profundo. Embora eu esvoace rapidamente por um vasto continente de erudição (...), faço-o apenas na condição de um turista (...), que recolhe aqui uma genealogia intelectual e, ali, um fragmento de folclore acadêmico, ao mesmo tempo que faz uma inspeção extremamente superficial dos grandes monumentos filosóficos. Como a maioria dos turistas, não há dúvida de que faço constantemente o papel de bobo.” MARSHALL SAHLINS, “A tristeza da doçura, ou a antropologia nativa da cosmologia ocidental” Não tenho conhecimento de nenhum formato padrão para introduzir um trabalho monográfico – ou qualquer outro, aliás. Tal omissão não nos deve afligir, já que todos sabemos (ou deveríamos saber) do que trata uma introdução. Na triste maioria dos casos, análogos aos (cada vez mais raros) prólogos de grande parte da literatura de ficção, são resumos ou encaminhamentos pouco responsáveis, que abundam em promessas não-cumpridas e hipérboles desimportantes, possuindo afinidades mais ou menos evidentes com os necrológicos, os panegíricos, os currículos, a publicidade e a oratória de sobremesa, de cafezinho e de bar. Não há porque ser assim: “(...) O prefácio comovido e lacônico dos ensaios de Montaigne não é a página menos admirável de seu livro admirável. O de muitas obras que o tempo não quis esquecer é parte inseparável do texto. Em As mil e uma noites – ou, como quer Burton, O livro das mil noites e uma noite –, a fábula inicial do rei que faz decapitar sua rainha cada manhã não é menos prodigiosa do que as que se seguem; o cortejo dos peregrinos que irão narrar, em sua piedosa cavalgada, os heterogêneos Contos de Canterbury foi por muitos considerado o mais ágil relato 10 do volume. Nos palcos elisabetanos era através do prólogo que o ator anunciava o tema do drama.”1 Encontramos na última frase da citação acima uma coisa realmente digna de nota. Anunciar o tema do drama: eis um bom propósito para uma introdução de uma monografia de conclusão de curso de Graduação em História. Acho que é redundante afirmar que, dados os complexos mecanismos criativos que presidem a utilização da palavra escrita, e a virtual imprevisibilidade do resultado do esforço de colocarmos em caracteres as nossas idéias, esta introdução está sendo a última parte deste trabalho que redijo, de modo que também é uma espécie de despedida. O que pretendo fazer nesta espécie de ante-sala do discurso é apresentar alguns dos pressupostos, justificativas, abordagens e fontes que presidiram a composição de meu texto, retornando neste âmbito a um Projeto de Pesquisa que, com a finalidade de pontuar pela primeira vez tudo isto para mim mesmo, redigi em fins de novembro ou começo de dezembro do ano passado. Em tal esforço, espero conseguir apresentar com sucesso de onde parti e onde pude chegar; além do dever que me é imposto pelo imperativo da probidade intelectual, pretendo com isto facilitar o julgamento de eventuais leitores acerca daquilo que consegui (ou não) de fato obter em minha lida. Apresentação, projeto e instrumento de diagnóstico. De fato, não há agora mais nada que eu possa esperar de uma minha introdução a este modesto texto. 1 Jorge Luis BORGES. Prólogos : Com um prólogo dos prólogos. (Trad. Ivan Junqueira). Rio de Janeiro: Rocco, 1985. pp. 8-9.
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