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1 1 INTRODUÇÃO A série de publicações de Paul Auster ao longo de uma carreira literária de ... PDF

66 Pages·2008·0.18 MB·Portuguese
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1 1 INTRODUÇÃO A série de publicações de Paul Auster ao longo de uma carreira literária de pouco mais de vinte anos, dentre elas uma variedade de romances, contos, obras de cunho autobiográfico, traduções e ensaios, fizeram dele um autor de sucesso, tanto de público como de crítica. Sua obra tem atraído grande atenção no cenário da literatura atual graças ao seu experimentalismo e subversão de parâmetros literários. O presente trabalho é centrado numa dessas apropriações de convenções genéricas, especificamente as fórmulas do gênero detetivesco. Em A Trilogia de Nova York, obra publicada em 1987, Paul Auster explora de forma inusitada as regras convencionalmente aceitas nas histórias de detetive, consagradas desde os primórdios do gênero, com Edgar Allan Poe. A partir de um crime ou evento misterioso, dá-se início à busca pela solução, em que a figura-chave é o detetive, indivíduo que de forma racional estabelece relações de causa e efeito entre os indícios disponíveis. Em A Trilogia de Nova York, Paul Auster subverte totalmente as convenções do romance policial, no que diz respeito aos seus elementos básicos: o crime, a ação do detetive em busca de uma solução, e a revelação final. A primeira edição do livro, de 1987, reúne os três textos já publicados isoladamente: “Cidade de Vidro” (“City of Glass”, 1985), “Fantasmas” (“Ghosts”, 1986) e “O quarto fechado” (“The locked room”, 1986). A intenção primordial deste trabalho é, portanto, examinar esta obra de Paul Auster como exemplo de subversão do romance detetivesco tradicional, abordando dois de seus componentes essenciais, o detetive como protagonista e o processo de busca da solução do mistério inicial. Por meio da comparação entre o modelo canônico da história de detetive, que 2 é um gênero eminentemente formulaico, e a apropriação e subversão do gênero pelo autor, pretende-se aprofundar a compreensão de seu processo de criação literária. Em Trilogia de Nova York, é principalmente na construção da personagem básica do romance policial, o detetive, e da sua atividade em busca de soluções para um mistério inicial, que se percebe a abordagem subversiva do gênero. Para estabelecer as regras básicas do romance policial, realiza-se a princípio, neste trabalho, um estudo teórico do gênero em suas características mais marcantes – a busca pela solução final do problema ou do crime, e de que formas a tradicional figura do detetive é desenvolvida. A partir desses parâmetros, o trabalho aborda a questão dos conflitos de identidade e de uma busca menos concreta e mais existencial que empreendem os protagonistas-detetives na obra de Auster. Ao tecer comentários sobre o diálogo que o autor estabelece com a fórmula tradicional das histórias de detetive, este estudo pretende, ainda, examinar o uso recorrente que faz da metaficção e da metalinguagem, o que elucida os propósitos da subversão genérica focalizada. Na Trilogia, a figura do detetive é construída de forma inusitada, como a de um indivíduo fragmentado em autor, narrador e protagonista. São personagens em crise de existência, que se perdem em suas buscas, transformando-se a busca do concreto e do material, ou seja, da solução do crime, em uma busca pessoal e existencial. Tais protagonistas caracterizam-se pela solidão e pelo abandono, sempre em busca de algo que muitas vezes desconhecem ou ignoram, o que configura uma paisagem toda peculiar na obra de Auster, em que o indivíduo e o problema da sua humanidade constituem preocupação recorrente. Assim, o estudo do detetive e do processo de busca fornecerá a estrutura básica para a análise, a ser desenvolvida nos três textos. 3 2 PAUL AUSTER E SUA OBRA Paul Auster é um autor versátil que transita com desenvoltura nos gêneros mais diversos. Oscilando entre romances ficcionais e semi-ficcionais ou biográficos, produzindo contos, ensaios, traduções e roteiros de filmes, Paul Auster afirmou-se como um dos autores mais comentados de sua geração. O inventor da solidão1, sua primeira obra, publicada em 1983, já mostra traços que viriam a se tornar recorrentes: recriação ficcional de acontecimentos marcantes de sua própria vida e adaptação de parâmetros literários. Trata-se de um relato de memória em que Auster reconstitui suas lembranças do pai, Sam Auster, recentemente falecido e o relacionamento conflitante entre ambos. Esta é a primeira parte do livro, intitulada “Retrato de um homem invisível”, em que as recordações de infância, adolescência e já da maturidade de Auster se mesclam a reflexões sobre o papel ausente do pai em sua vida. Do seu ponto de observação, de narrador adulto, Auster procura desvendar as motivações do pai em seu papel de “homem invisível”, na vida do próprio filho, recriando a figura do pai ao lhe acrescentar aspectos e acontecimentos marcantes. Tais recriações teriam o propósito de dar alguma relevância ao pai morto, já que ele fora um homem ausente, física e humanamente distante do filho, levando uma existência medíocre, à semelhança de um homem invisível – como indica o título da primeira narrativa do livro, “Retrato de um homem invisível”. Na segunda narrativa, “O livro da memória”, Auster recorre com bastante freqüência à intertextualidade – traço marcante também na Trilogia a ser analisada. Em “O livro da memória”, Auster estabelece um diálogo com textos de outros autores que abordam a relação 1 AUSTER, Paul. O inventor da solidão. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Best Seller, 1982. 4 de distanciamento entre pais e filhos. Com A Trilogia de Nova York2, sua obra mais aclamada pelo público, Auster se consagraria como um escritor experimentalista, transgredindo as fórmulas do desgastado gênero policial tradicional. Na obra, o suposto crime e sua prospecção deixam de constituir o interesse principal da narrativa e os detetives se perdem em suas próprias buscas e provas, o que muda o rumo da investigação e acarreta finais surpreendentes. Isto deixa em aberto a solução esperada, decepcionando o leitor mais convencional acostumado com a revelação de enigmas ou com a violência costumeira que marcam o desfecho do romance detetivesco tradicional. Em A música do acaso3 (The Music of Chance), de 1990, Auster novamente viria a explorar as armadilhas e ilusões que fazem com que o indivíduo se conduza ele próprio ao isolamento e ao fracasso. A partir do momento em que acidentalmente (como sempre, o acaso tem um papel fundamental em sua obra) encontra o jogador de pôquer Jack Pozzi todo machucado, vítima de espancamento, James Nashe – indivíduo que viaja sem rumo em busca de liberdade – passa a viver uma nova vida cheia de medos e riscos como parceiro de jogo de Pozzi. Após acumularem uma série de derrotas, caem nas mãos de dois ricaços excêntricos, e são forçados a cumprir uma espécie de prisão domiciliar imposta por ambos como pagamento das dívidas. Tal dívida só será sanada após a absurda e aparentemente despropositada construção de um imenso castelo de pedras, que parece nunca acabar, no terreno de seus credores. O livro mostra como a busca pela liberdade, como acontece com os detetives em Trilogia, pode acarretar situações e destinos imprevisíveis em que o acaso é a força 2 AUSTER, Paul. A Trilogia de Nova York. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 3 AUSTER, Paul. A música do acaso. Trad. Marcelo Dias Almada. São Paulo: Best Seller, 1990. A obra também foi adaptada para o cinema em filme homônimo de 1993. 5 dominante. Também para o cinema seriam transpostos os seus roteiros para Cortina de fumaça4 (Smoke, 1995) e Sem fôlego5 (Blue in the Face, 1995) nos quais Auster atua como diretor ao lado de Wayne Wang. Em ambos os filmes, os diálogos ágeis e bem-humorados são reproduzidos de forma espontânea pelos atores, muitos deles não-profissionais. Em Sem fôlego, espécie de documentário ficcional sobre o bairro do Brooklyn, em Nova York, tanto personagens mais típicos e pitorescos quanto os mais cotidianos do local são os protagonistas de suas próprias vidas. A atuação do aclamado ator de filmes alternativos, Harvey Keitel, e o clima informal de improvisação e espontaneidade dão a tônica do filme, mostrando uma outra face da obra de Auster. A última obra publicada pelo autor, Viagens no scriptorium6 (Travels in the scriptorium, 2007) mergulha novamente em temas recorrentes de sua obra, tais como o solitário confinamento em quartos pequenos e a auto-alienação do indivíduo. A história consiste nas viagens de Blank – homem que, como seu nome indica, está vazio, pois perdeu a memória – dentro de seu quarto-cela. As viagens que ele realiza por suas memórias do passado vão se juntando aos poucos, por meio de objetos deixados misteriosamente em seu quarto e das pessoas estranhas que inesperadamente vêm lhe fazer visita nessa espécie de prisão domiciliar. O personagem tenta procurar nas lembranças um motivo que justifique a sua prisão. Com o passar dos dias e dos eventos, as coisas vão ficando mais claras e Blank se reconhece como vítima de um complô político em uma sociedade totalitária do futuro. Quanto ao aspecto da busca existencial, a figura de Blank poderia se encaixar 4 AUSTER, Paul. Cortina de fumaça & Sem fôlego. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Best Seller, 1995. Cortina de fumaça foi dirigido por Wayne Wang e ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro na Alemanha e na Dinamarca em 1996. O roteiro, escrito pelo próprio Auster, foi uma adaptação do conto de natal Auggie Wren’s Christmas story, escrito por ele para o The New York Times. 5 Sem fôlego também foi dirigido por Wayne Wang. 6 AUSTER, Paul. Viagens no scriptorium. Trad. Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 6 perfeitamente nos personagens da Trilogia – Quinn, Blue ou o narrador anônimo em “O quarto fechado”, pois é o indivíduo que está sempre em busca de algo desconhecido, seja a solução para um crime, cuja existência é duvidosa, ou a própria memória dos fatos. Dessa forma, os personagens de Auster apresentam um confronto existencial com eles mesmos, cujo final ou solução definitiva não é necessariamente o que está em jogo. Como nas palavras do narrador-personagem em “O quarto fechado”, que poderiam ser as palavras do próprio autor justificando de forma meta-ficcional as suas escolhas, “não pretendo ter solucionado nenhum problema” (AUSTER, 2000, p. 316-317). 3 OBRAS DO AUTOR Ficção Trilogia de Nova York (1987) “Cidade de vidro” (1985) “Fantasmas” (1986) “O quarto fechado” (1986) No país das últimas coisas (1987) Palácio da lua (1989) A música do acaso (1990) Leviatã (1992) Mr. Vertigo (1994) Timbuktu (1999) O livro das ilusões (2002) Noite do oráculo (2004) 7 Desvarios no Brooklyn (2005) Viagens no scriptorium (2007) Biografia O inventor da solidão (1982) A arte da fome (1992) The red notebook (1995) Da mão para a boca: Crônica de um fracasso inicial (1997) Achei que meu pai fosse Deus – e outras histórias da vida americana (2001) Filmografia A música do acaso (1993) Cortina de fumaça (1995) Sem fôlego (1995) O mistério de Lulu (1998) A vida interior de Martin Frost (2006) Poesia Disappearances: Selected poems (1988) Ground Work (1990) Selected poems (1998) Collected poems (2004) 8 4 PERSPECTIVAS TEÓRICAS: a história de detetive como fórmula e como entretenimento Serão abordados a fim de dar fundamentação à pesquisa teóricos que refletiram sobre a literatura de massa e a narrativa de ficção em geral. São de vital importância aqueles autores cujas publicações críticas e teóricas se voltam para o gênero policial nos séculos XIX e XX, no que concerne suas características e elementos mais marcantes, tais como o papel do detetive, a solução do crime ou do enigma e a relevância do espaço na narrativa, assim como o impacto que tais obras exerceram e exercem sobre o público. Não se pode falar em romance policial ou conto detetivesco sem mencionar Edgar Allan Poe, apontado pela crítica como o criador da história de detetive. Em seu ensaio “A filosofia da composição”, com grande percepção e pioneirismo crítico, Poe descreve o processo de composição de seu poema “O corvo” e faz considerações, menos detalhadas, sobre a criação de seus contos. Vem daí o célebre princípio do efeito final, tantas vezes repetido por quantos se dedicam à crítica da ficção curta. Em seus famosos contos de raciocínio (tales of raciocination) “Os crimes da rua Morgue”, “O mistério de Marie Roget” e “A carta roubada”, principalmente no primeiro, Poe descreve todo o processo de dedução lógica empregado na solução de um acontecimento misterioso e aparentemente inexplicável. A partir de tais considerações, teóricos e estudiosos posteriores reproduzem, citam e sistematizam o que se pode considerar como a fórmula da história de detetive. Segundo John G. Cawelti (1976, p. 80-97), nesses contos, Poe definiu os quatro aspectos essenciais da fórmula detetivesca: 9 Situação: a história de detetive clássica começa com um crime não-resolvido e se desenrola rumo à elucidação de seu mistério, além de que as pessoas em suas histórias de detetive possuem problemas muito simples – de forma que todos os problemas existentes estão relacionados ao crime cometido. Padrão de ação: Poe introduz os seguintes elementos 1) a figura do detetive, Auguste Dupin7 – o “pai” de todos os detetives e que inspirou diretamente o mais popular Sherlock Holmes, de Conan Doyle; 2) o crime e as pistas que levam à sua solução; 3) a história da investigação, vista pelo ponto de vista de um narrador – o assistente do detetive8 – que não participa dela; 4) a anunciação e a explicação da solução, que encerra o momento dramático das revelações do detetive; 5) o desfecho (denouement) da história, que não implica a punição ou julgamento do criminoso, e sim apenas sua descoberta, com a elucidação do caso. Personagens: o detetive que é o protagonista; a vítima, que carece de descrições físicas e de problemas emocionais para não prejudicar a importância da investigação, representando a personagem de menor interesse; o criminoso, que também deve ser tratado sem profundidade para não apagar a imagem do detetive; outros coadjuvantes ameaçados pelo crime, mas incapazes de resolvê-lo, incluindo-se aí o assistente do detetive que narra a história. Espaço: os contos detetivescos de Poe se passam no apartamento de Dupin, que simboliza o espaço mítico em que o detetive faz suas deduções sem precisar sair para as ruas, a exemplo do apartamento de Sherlock Holmes na Baker Street. O crime pode ocorrer num misterioso quarto fechado9 como “Os crimes da rua Morgue”; nos bairros e guetos pobres das cidades grandes, como Paris e Londres; no espaço aristocrático do castelo ou da casa de campo isolada, recorrente em Agatha Christie. 7 Para mais detalhes sobre o detetive Dupin e os contos de raciocínio de Poe, ver p. 22-23. 8 Sobre a figura do assistente do detetive, ver p. 22. 9 Sobre o quarto fechado como estereótipo recorrente nas histórias de detetive, ver p. 34 e 55. 10 Cawelti, em seu livro Adventure, Mistery and Romance10 trata, entre outros assuntos, do fenômeno da literatura policial como fórmula ou arquétipo, afirmando que “os princípios fundamentais da história de mistério consistem na investigação e descoberta de segredos escondidos, de forma a trazer algum benefício para o protagonista com o qual o leitor se identifica”11. Segundo ele, “nas fórmulas de mistério, o problema sempre possui uma solução racional e desejável, pois nisso consiste a fantasia moral expressa no arquétipo formulaico” (1976, p. 42-43). Cawelti nos chama a atenção para o fato de que a busca pelos segredos escondidos, levada a efeito como um fim em si mesma, é primordialmente uma “atividade intelectual e racional”. Nosso fascínio por histórias de mistério seria fruto do isolamento e da omissão das pistas, das deduções que delas partem e da tentativa de orientá-las segundo um esquema racional completo de causa e efeito, de modo a desvendar ou prever uma possível solução final. Além disso, as fórmulas do romance policial decorrem de estereótipos recorrentes, figuras carimbadas que se repetem nas histórias tais como a do detetive durão e muitas vezes violento e imoral (no caso do romance noir) ou altamente racional e intuitivo, quando não excêntrico e ligeiramente arrogante (no caso de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot); ou ainda, da femme fatale do romance noir, mulher bela e sensual, geralmente loira que pode atuar ambiguamente como vítima ou como criminosa ardilosa em potencial a complicar o desvendamento do crime. 10 CAWELTI, John G. Adventure, Mystery and Romance. Chicago: The University of Chicago Press, 1976. Nessa obra, o autor traz a tona toda uma discussão sobre a questão da fórmula que rege o desenvolvimento e o desfecho da história de mistério, em cuja categoria se insere o sub-gênero da literatura policial. 11 Tradução do autor. Todas as citações de textos traduzidas serão deixadas, nas no tas de rodapé, em seu original. “The fundamental principle of the mystery story is the investigation and discovery of hidden secrets, the discovery usually leading to some benefit for the character(s) with whom the reader identifies”.

Description:
Trata-se de um relato de memória em que Auster 2. AUSTER, Paul. A Trilogia de Nova York. Trad. Rubens Figueiredo excêntrico e ligeiramente arrogante (no caso de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot); ou “use the classical detective formula like a distorting fun-house mirror to reflect more
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